Esta pesquisa investiga o papel das fundações Estudar e Lemann, ligadas a Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira na formação de intelectuais orgânicos e sua influência no Estado brasileiro entre 1990 e 2024. Partindo da teoria gramsciana do Estado Ampliado, analisa-se como esses aparelhos privados de hegemonia atuam na reconfiguração da gestão do Estado e, em consequência, das políticas públicas, pela via da gestão empresarial especialmente na educação. Metodologicamente, trata-se de uma investigação qualitativa que combina análise documental (relatórios institucionais, editais, materiais de divulgação) com pesquisa bibliográfica crítica, destacando a transposição da "Cultura Garantia" – modelo gerencial das empresas do Conglomerado de empresas Lemann e sócios – para o Conglomerado de aparelhos privados de hegemonia empresariais Lemann e sócios. Identificou-se que a Fundação Lemann atua
como eixo diretivo desse conglomerado, promovendo: (1) a formação de quadros para o Estado através de programas de liderança; (2) a influência direta na reformulação de políticas educacionais; e (3) a difusão de princípios da "Cultura Garantia" – como "meritocracia radical" e "eficiência gerencial" – para o setor público. A análise da BNCC revelou como esses atores privatizam o sentido do público, convertendo a educação em capital humano alinhado a demandas do mercado. Conclui-se que sua atuação reforça a ampliação seletiva do Estado e a redefinição dasrelações entre sociedade civil e sociedade política na contemporaneidade.

A partir do final dos anos 1990, os movimentos de lésbicas no Brasil intensificaram sua presença no debate público sobre desigualdades sociais, ocupando as plenárias e as mesas de discussão das instâncias públicas do legislativo federal. Esta tese analisa a história das articulações de ativistas lésbicas na Câmara dos Deputados no período de 1999 a 2011. A partir da análise dos registros de gravações das reuniões da Câmara (arquivos sonoros e notas taquigráficas), das narrativas de história oral e dos periódicos produzidos pelos movimentos sociais, problematizamos as relações de tensão e de diálogo entre os movimentos de lésbicas, deputados(as) e membros do governo na busca das ações ativistas por direitos e políticas públicas. Para tanto, buscamos discutir as questões que relacionam gênero, raça, classe e sexualidades no Brasil a partir dos debates realizados por essas lideranças. Partindo, sobretudo, de narrativas orais, a análise documental reflete, ainda, sobre a relevância das oralidades para o trabalho de memória dessas sujeitas sociais. Ao analisar algumas das principais pautas que envolvem políticas públicas e direitos para lésbicas - e para a população LGBTQIAPN+ -, este estudo se insere dentro do campo da história pública.

Esta dissertação investiga o rap produzido pelos Racionais MC’s entre os anos de 1990 e 2007, compreendendo-o como uma forma de contracultura que atua na formação de sujeitos periféricos na região metropolitana de São Paulo. A partir da análise das letras dos álbuns e das performances públicas do grupo, o estudo propõe que o rap se configura como uma prática político-cultural que permite aos indivíduos se posicionarem criticamente diante da realidade de exclusão social que enfrentam, ao mesmo tempo em que constrói um discurso de resistência enraizado nas experiências da população negra e periférica. Ao explorar os discos e apresentações do grupo, como o show 1000 Trutas, 1000 Tretas, evidencia-se como as composições funcionam como formas de denúncia das violências cotidianas, mas também como mecanismos de construção simbólica e afetiva de uma identidade coletiva. O trabalho argumenta que os Racionais MC’s elaboram um projeto alternativo de mundo, fundamentado na preservação da vida e na criação de novos horizontes políticos. Assim, o rap aparece como uma reinvenção das tradições negras em contexto
diaspórico, articulando estética e ética para enfrentar o projeto de morte imposto às periferias e afirmar a potência transformadora da cultura.

O objetivo geral desta dissertação é analisar a historiografia das Lições de História do Brasil (1861 – 1865) de Joaquim Manuel de Macedo enquanto veículo de valores e métodos de ensino que impactaram não só na constituição epistemológica da História escolar, como também didática. Sob um contexto de elaboração da própria ideia de Brasil, investiga como a historiografia didática ganhou marca pelo alcance social que sugeriu
provocar. Ao longo do trabalho, se verifica como determinada História do Brasil foi legitimada enquanto forma de se relacionar com certas experiências pretéritas dos homens e das sociedades. Argumenta-se sobre as implicações específicas da forma de apresentação da História do Brasil no sentido dos conteúdos por ela difundidos. Dessa forma, pretende-se dialogar com a singularidade epistemológica da historiografia didática
partindo da forma pela qual Macedo traduziu o conhecimento histórico por meio de uma pedagogia histórica capaz de identificar a Nação com a imagem que lhe cabia.

Esta dissertação aborda como Ernest Mandel (Secretariado Unificado da Quarta Inter- nacional) e Tony Cliff (International Socialists / Socialist Workers Party), dois dirigentes advindos do trotskismo, investigaram e posicionaram-se frente ao colapso da União Soviética, em diálogo com as organizações que lideravam. A partir da análise de artigos e documentos publicados em diferentes periódicos de militância, entre os anos de 1985 e 1992, foi possível constatar que apesar de defenderem perspectivas teóricas divergentes – a teoria do Estado operário (burocraticamente) degenerado e a teoria do capitalismo de Estado –, ambos apoiaram o fim da União Soviética, em proporções e formas diferentes. Segundo a perspectiva defendida nesta pesquisa, essas aproximações tiveram como principais causas as pressões sociais que adentravam às organizações mencionadas, mas também as discussões que marcaram a crise do trotskismo após a Segunda Guerra Mundial, quando as revoluções e o avanço soviético sobre o Leste Europeu suscitaram debates sobre a questão da liderança revolucionária, o stalinismo e a transição ao socialismo. Pertencentes a uma mesma geração de militantes, mas oponentes, Mandel e Cliff convergiram ao final ao apoiarem o fim da URSS e ao negarem que o capitalismo havia sido restaurado após 1991.

Esta dissertação investiga as múltiplas recepções da coleção Pedro de Angelis em três contextos históricos distintos, analisando como seus documentos foram ressignificados ao longo do tempo. Inicialmente, entre 1835 e 1839, De Angelis organizou a coleção na região do Rio da Prata, que serviu para legitimar a posse territorial sob o regime rosista. Em 1853, vendida ao Império do Brasil, foi apropriada pelos Saquaremas, como os futuros viscondes de Uruguai e Rio Branco, em projetos de soberania nacional. No século XX, com Jaime Cortesão, serviu ao nacionalismo de cunho varguista, consolidando uma narrativa de formação territorial brasileira. Realizada a partir de fontes digitalizadas on-line, a pesquisa, no entanto, destaca as diferenças entre manuscritos, impressos e cópias digitais, enfatizando como as formas textuais influenciam os significados históricos. Explora assim a coleção como um constructo dinâmico, refletindo demandas políticas e
culturais de cada época.

Em nome da "limpeza", temos assistido à defesa da perseguição de certos partidos políticos, do impedimento de certos candidatos, da depreciação de certos veículos de comunicação, da criminalização de instituições essenciais à democracia, além da defesa do expurgo de todos aqueles que se opõem às expectativas dos "faxineiros morais". A presença das metáforas da "limpeza" e da "sujeira" no vocabulário político da Nova República provoca questões ligadas aos sentidos de tais transferências para a linguagem política do sistema democrático, que promete poder ao povo, a partir de uma lógica de purificação. Esta tese tem por objetivo fazer um estudo sobre a história das metáforas da limpeza ao longo da Nova República no Brasil, refletindo sobre questões fundamentais do campo de Teoria da História, em particular o debate sobre os sentidos do tempo e sobre as temporalidades do tempo presente. O corte cronológico adotado para o uso das fontes
será o período de 1987, ou seja, do processo de elaboração da carta constitucional, até o ano de 2019, o primeiro ano do governo ultraliberal-conservador de Jair Bolsonaro. Assumindo a premissa de que as metáforas não estão disponíveis em predicados lógicos e próprios, agindo como fontes de transferências de sentidos em diversos contextos de enunciação, a tese se organiza nos múltiplos e distintos horizontes de sentidos que as metáforas da limpeza e da sujeira atravessam, ou, nos termos de Blumenberg, "perturbam" (BLUMENBERG, [1969] 2003, p.104). Assim, a tese se divide em quatro capítulos. O primeiro capítulo de natureza teórica propõe pensar a escrita de uma história das metáforas e dos conceitos no tempo presente; o segundo capítulo analisa as metáforas do "entulho autoritário" e "na lata de lixo da história", em relação com os conceitos de ordem e de História; o terceiro capítulo discorre sobre as metáforas da "ficha limpa" e da
"Lava Jato", traduzidas sob o campo semântico da moralidade e da luta anticorrupção; e o quarto capítulo discorre sobre as metáforas da limpeza que se desdobraram em discursos de extermínio e de perseguição à oposição, tomando a ascensão da direita ultraliberal e conservadora, investigando em particular o léxico do bolsonarismo. Esta tese conclui que as classificações simbólicas da poluição expressam disputas de ordem política, através de representações em torno de centros de poder e de suas margens, isto é, de elementos dos quais se pretende repelir e de elementos dos quais se pretende proteger deste perigo ameaçador. A sujeira assume, nesse caso, o aspecto de tudo aquilo que ofende a ordem, o que, na jovem democracia brasileira, tem sido objetificado como o autoritarismo residual, a corrupção ou a própria democracia.

A atuação dos missionários católicos no Japão teve seu início em 1549 com a chegada dos jesuítas ao arquipélago. Apesar de ter sido fundada pelos inacianos, a missão católica japonesa e seu gerenciamento foram alvos de disputas entre as ordens missionárias europeias. Tendo em mente o impacto global que as ordens missionárias tiveram durante o início do período moderno, a presente pesquisa buscar analisar parte da querela missiológica travada entre franciscanos e jesuítas no Japão durante o final do século XVI e início do XVII. Para tal, analisaremos duas obras escritas pelo franciscano Luis Sotelo, intituladas Relación de la persecución de la religión cristiana en el Japón escrita por el beato Luis Sotelo e Carta del Beato Luis Sotelo a su Santidad.

A presente dissertação tem como tema a construção da mulher cangaceira no audiovisual da década de 1980. Seu objeto é a representação da mulher cangaceira na minissérie Lampião e Maria Bonita (1982). Tem-se como objetivos investigar o contexto de produção da fonte, os anos iniciais da década de 1980; entender como a minissérie se insere no audiovisual sobre o cangaço, com enfoque na representação das forças militares da trama; e analisar a construção da imagem da cangaceira na minissérie, investigando como o produto televisivo contribuiu para a perpetuação, no
imaginário social brasileiro, de características atribuídas à Maria Bonita – como bravura, liderança, sensualidade, coragem. Além disso, pretende-se debater a memória construída pela Rede Globo, a partir da minissérie, e que se consolidou até os dias atuais.

As comunidades da Idade do Ferro bretã estavam inseridas em amplas redes de trocas e circulação de objetos, conectando diferentes regiões das Ilhas Britânicas e além. A região das Midlands, entretanto, tem sido frequentemente interpretada como secundária nesses circuitos, especialmente em comparação com áreas como o Sudoeste da Inglaterra e Yorkshire. Esta pesquisa examina as contas de vidro encontradas nas Midlands entre os períodos médio e final da Idade do Ferro, investigando seu papel na construção de identidades e na dinâmica social dessas populações. Nosso objetivo é compreender os processos culturais que envolvem a produção, distribuição e uso desses artefatos, analisando como eram incorporados a práticas cotidianas e contextos rituais. Para isso, estudamos um conjunto de 27 contas de vidro registradas no banco de dados do Portable Antiquities Scheme (PAS), comparando suas características com evidências arqueológicas mais amplas. Ao longo da pesquisa, observamos que a circulação e deposição dessas peças não eram meramente reflexos de relações econômicas ou hierárquicas, mas sim processos ativos e multifacetados, revelando uma estrutura social menos rígida do que se supunha anteriormente. Dedicamo-nos à análise da distribuição geográfica e características das contas, bem como às conexões entre cultura material e identidade. Embora tradicionalmente interpretadas como símbolos de status, nossos achados indicam que essas peças iam além da mera diferenciação social, desempenhando um papel significativo na expressão de pertencimento e nas interações entre grupos. As variações estilísticas e regionais sugerem que as Midlands estavam plenamente integradas às redes de trocas da Idade do Ferro, desafiando a noção de que essa área ocupava uma posição marginal dentro do cenário bretão.

Essa pesquisa se propõe a analisar os processos por meio dos quais o Movimento Gay de Minas (MGM) se organizou em Juiz de Fora (MG), as relações que o grupo estabeleceu com a cidade
e suas articulações com o movimento LGBT nacional, focando em especial no seu período inicial de atuação entre 1998 e 2001. Para isso, serão utilizadas notícias e reportagens da imprensa local e regional com especial foco no jornal Tribuna de Minas, entrevistas com sujeitos que integraram o grupo e/ou participaram de suas atividades e documentos de arquivos pessoais de integrantes e ex-integrantes do MGM. As fontes serão analisadas a partir da ótica da história oral, assim como do entendimento da história como construção do presente, que se dá a partir de disputas de diferentes narrativas. A partir desse material, objetiva-se investigar as condições de emergência do grupo e suas principais pautas e demandas políticas e estratégias empregadas para reivindicá-las, assim como a relação que ele estabelece com a cidade por meio de ações, disputas e narrativas.

Essa pesquisa investiga as condições narrativas na história e na literatura a partir da análise comparativa de Relato de um certo Oriente (1989), de Milton Hatoum, e Memória para o esquecimento (1987), de Mahmud Darwich, obras que engendram reflexões sobre temporalidades. Em ambos, há a mobilização da memória como temática e como estratégia de composição narrativa, visando à transmissão de um legado cultural árabe. Contudo, as tentativas de conexão com o inventário das tradições nas duas obras encontram entraves à medida que as ruínas tornam as experiências do passado cada vez mais fragmentárias. Nesse sentido, toma-se o trabalho com a linguagem, expresso na escrita literária, como um esforço de compreensão e explicação dessa nova experiência temporal do tempo presente, configurada em torno de alguns vetores em comum, como a viagem, o exílio e a violência. A dissertação realiza, por meio da abordagem de História Intelectual, uma aproximação entre os campos da História do tempo presente e da Literatura contemporânea no que diz respeito às formas alternativas de mobilizar e pensar as temporalidades, na medida em que as experiências históricas contemporâneas tensionam e problematizam as concepções mais tradicionais de tempo, levando a uma desestabilização das formas de narrar o passado e o presente. Argumento que esse caráter instável é uma marca da literatura contemporânea, uma expressão multifacetada que, pela montagem do artista, faz emergir um conglomerado de tempos e espaços no agora, propiciando o terreno para que as obras sejam mobilizadas pela historiografia por sua capacidade de inquirirem o passado e o presente a partir de procedimentos estéticos.

Esta dissertação analisa Los detectives salvajes (1998), de Roberto Bolaño, destacando sua estrutura polifônica e investigativa, em diálogo com La pista de hielo (1993) e La literatura nazi en América (1996). Para tanto, antes examina-se a circulação das obras de Roberto Bolaño no cenário literário estadunidense, discutindo como estratégias editoriais e a recepção crítica contribuíram para o sucesso internacional de Bolaño. Em seguida, explora-se como Bolaño desloca a função de detetive para o leitor, criando narrativas fragmentadas que exigem uma postura ativa na resolução de mistérios. As obras do autor são marcadas por uma dinâmica de segredos em trânsito, onde o sentido está sempre em movimento. Conclui-se que a literatura de Bolaño se sustenta na imprecisão e na proliferação de enigmas, desafiando interpretações definitivas.

Esta pesquisa explora o heroísmo, a memória e o sacrifício no contexto do movimento Yesh Gvul, fundado em 1982 durante a Primeira Guerra do Líbano. O foco recai sobre as motivações que levaram soldados das Forças de Defesa de Israel (FDI), particularmente do Exército Israelense, a aderirem à recusa voluntária ao serviço militar obrigatório e as consequências desse ato, especialmente entre os reservistas alocados na Cisjordânia no período de 1982 a 1992. Como fontes principais, destacam-se as cartas escritas por esses soldados ao se declararem Refuseniks — termo ressignificado pelos militares israelenses a partir de sua origem na antiga URSS, significando "aquele que se recusa". Essas cartas, muitas delas compiladas por Peretz Kidron no livro Refusenik – os rebeldes do Exército Israelense, oferecem um testemunho direto das escolhas individuais desses soldados, que preferiram enfrentar a prisão militar e o estigma social a obedecer às ordens consideradas moralmente inaceitáveis. A pesquisa questiona: o que leva esses soldados a desafiarem o militarismo israelense, uma instituição profundamente enraizada na identidade nacional, e a sacrificarem suas liberdades pessoais em nome de suas convicções? Para responder, examina-se a construção histórica das FDI, marcada por guerras e por um ethos de sacrifício pelo Estado de Israel. Além disso, a investigação dá atenção ao papel coletivo dos movimentos Yesh Gvul e Peace Now, pioneiros na recusa espontânea e sustentados por uma ética de desobediência civil. No período de 1982 a 1992, a pesquisa também analisou as transformações no perfil do soldado israelense, tanto ativo quanto reservista, considerando aspectos como nível de instrução, classe social e impacto dessas mudanças na sociedade israelense. Nesse contexto, conceitos como violência, desobediência civil e resistência são fundamentais para compreender as tensões entre o micro e o macro: os testemunhos pessoais dos soldados oferecem um olhar interno sobre o conflito israelense-palestino e as formas de resistência surgidas nesse cenário. A versão incorpora os elementos de heroísmo, memória, sacrifício, a relevância do soldado reservista, o testemunho e a importância dos movimentos Yesh Gvul e Peace Now.

A tese visa trabalhar, através de uma perspectiva comparada, as políticas públicas de memória e os processos de esquecimento referentes aos passados ditatoriais que envolvem a Alemanha após o Terceiro Reich, e o Brasil após a ditadura civil-militar, mais precisamente, analisando as aproximações e distanciamentos ocorridos em relação às violações de direitos humanos, praticadas por ambos os regimes. O estudo se insere temporalmente a partir de 1979, percorrendo o período até 2019: na República Federal da Alemanha (RFA), a Lei de Imprescritibilidade, promulgada no final dos anos 1980, tornou possíveis que os delitos nazistas fossem, a partir dali, julgados a qualquer tempo, modificando a forma com que segmentos sociais e institucionais entendiam os processos de esquecimentos e rememorações, referentes a tais violações, algo com desdobramentos até os dias atuais. A abordagem comparada em relação ao Brasil se dará também nesse
mesmo recorte temporal, a partir de 1979, quando uma Lei de Anistia foi aprovada pela ditadura civil-militar: a análise dos aspectos que levaram a esse dispositivo legal e suas vertentes, permeiam as próprias relações existentes com o esquecimento do passado relativo aos delitos da ditadura, além das dificuldades de suas rememorações, mesmo nos dias atuais. Apesar das visíveis diferenças entre os contextos de ambos ao países, as violações dos direitos humanos cometidas por seus regimes ditatoriais, no século XX, possuem aproximações que pretendemos abordar e debater em todo o nosso trabalho.

Esta dissertação tem como objetivo realizar um aproximação às chamadas translationes de Furta Sacra, ou seja, relatos de roubos de relíquias, a partir do estudo do caso da translação das relíquias de São Vicente mártir do Algarve para Lisboa, contida nos Miracula S. Vicentii, do chantre mestre Estêvão. Assim, o primeiro capítulo desenha um quadro contextual geral da Península Ibérica entre os séculos XI e XII, reconhecendo que este período foi de consideráveis transformações nas eferas política, militar e, sobretudo, religiosa. O capítulo II incide no estudo do fenômeno de que consiste o objeto, ou seja, o culto às relíquias dos santos. Logo, discute-se sua origem, fundamentação teológica, tipologia e os textos que a esses focos de sacralidade se ligavam, com especial atenção para as translações e, entre essas, as translações furtivas, particularmente estudadas por Patrick Geary em sua obra, Furta Sacra (1990). Finalmente, no último capítulo, busca-se delinear as características de furta sacra presentes no texto de Mestre Estêvão, ao mesmo tempo em que se reconhece que essa fonte, ou seja, os Miracula S. Vicentii, liga-se a toda uma tradição literária e cultual anterior e posterior. Chega-se a conclusão de que a furta sacra em espaço ibérico, quando comparada com suas narrativas irmãs, de além-Pirineus, adquiriu características muito próprias, que se alinhavam ao quadro político-cultural local, em que se buscava na posse dos corpos dos santos, legitimação. Mestre Estêvão, chantre da catedral de Lisboa, utilizou os tópicos narrativos de furta sacra para melhor esconder o que havia de contraditório, ao mesmo tempo em que destacava o que deveria passar a posteridade.

O presente trabalho tem como objetivo considerar os esforços da Coroa portuguesa para estabilizar politica e economicamente o Reino de Portugal, após uma guerra civil derrubar o rei Sancho II e colocar o rei Afonso III no trono. Unindo elementos da sociologia e da antropologia para entender as relações comerciais, esta dissertação abordou em conjunto questões referentes à história digital, elegendo duas ferramentas como elementos centrais para a metodologia aplicada. Buscou-se, assim, formas de entender o fluxo de produtos na região do Entre-Douro-e-Minho, as formas de extrair renda e excedentes dos habitantes dos povoamentos portugueses e as interações entre o produzido e o comercializado. Por fim, a análise das rotas e regiões tornou possível abordar
as rotas e centros comerciais como verdadeiros palcos de disputa entre o poder régio e o poder local, mostrando diferenças entre a abordagem da Coroa e dos senhorios do rio Lima, com quem
negociou, e a abordagem para com o senhorio do Porto, representando as disputas que o rei teve no rio Douro.

Já se tornou comum, entre os especialistas do tema, ressaltar o "esquecimento", pela posteridade, dos livros de cavalarias, um gênero literário de grande sucesso no século XVI ibérico. Ainda que tal panorama tenha mudado significativamente desde o início deste milênio, ainda há muito o que avançar. Via de regra, os trabalhos acadêmicos que se debruçaram sobre estas fontes enfocaram nos seus aspectos mais explícitos e aparentes, isto é, na própria Cavalaria – indubitavelmente, o centro narrativo dessas ficções quinhentistas. Este trabalho buscará explorar outro de seus aspectos. Abordaremos, nestas fontes, o que lhes é mais recôndito, secundário, supostamente irrelevante, ou, dito de outra forma: aquilo que se encontra às sombras da Cavalaria. Resumidamente, nossa intenção é estudar o discurso dos livros de cavalarias a partir de três eixos analíticos: Figuras Marginais, Elementos Não Europeus e Variantes de Gênero. Entendemos que tais elaborações discursivas assumem relação direta com o contexto em que essas fontes históricas foram produzidas, e tiveram influência sobre a maneira que os portugueses do século XVI perceberam questões importantes em seu tempo, relativas a sujeitos marginalizados, espaços geográficos diversos e seus respectivos habitantes, bem como os padrões de gênero vigentes em sua época. Para fins de uma delimitação geográfica e temporal mais precisa, elegemos três fontes principais. São elas: Crônica do Imperador Clarimundo (Lisboa, 1522), de João de Barros, Palmeirim de Inglaterra (Lisboa, c. 1544), de Francisco de Moraes, e Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda (Lisboa, 1567), de Jorge Ferreira de Vasconcelos, as principais obras do gênero impressas em Portugal. Sendo assim, temos como recorte o reino português entre os anos de 1522 e 1567, mas recorrendo, quando necessário, a referências históricas anteriores ou posteriores, a fim de melhor compreender o tema em questão. Isto porque, a despeito de terem sido publicados no século XVI, os livros de cavalarias exibem características medievais em diversos
aspectos, tais como: elementos e temas narrativos, concepção de mundo, e mesmo uma perceptível nostalgia em relação a este passado.