Revista Impressões Rebeldes

PERNAMBUCO FORA DA CASA

Buscando a independência, a Revolução de 1817 saiu do plano das conspirações, buscou apoio externo, criou uma constituição e ainda foi defendida por padres.

"Bênção das bandeiras da Revolução de 1817", óleo sobre tela de Antônio Parreiras - Arquivo Público do Recife (PE)

A Revolução Pernambucana, ocorrida em 1817, foi liderada por homens abastados, militares de alta patente e religiosos. A participação popular deu-se em maior parte, não por espontaneidade, mas conduzida por laços de domínio, seja de senhores sobre seus escravos, seja de senhores sobre seus apadrinhados. Sua eclosão foi provocada por diversos fatores: os mais importantes, porém, foram as rivalidades entre pernambucanos e portugueses e a rígida administração orçamentária do governador português Caetano Pinto de Miranda Montenegro. Queixavam-se os pernambucanos de serem preteridos de cargos importantes e receberem tratamento diferenciado dos portugueses, que, sem terem nascido na terra e sem terem capacidades intelectuais superiores, acabavam usufruindo benesses que cabiam aos pernambucanos. Queixavam-se também de o governador Caetano Pinto sangrar Pernambuco (na época, a terceira capitania mais rentável do Brasil), enviando quase todos os seus recursos para serem utilizados no Rio de Janeiro, ficando a capitania sem melhorias, além de deixar os militares com soldos atrasados durante meses. O estopim para que ocorresse o levante foi a ordem do governador de prender alguns pernambucanos e brasileiros que eram acusados pelos portugueses de conspirar em lojas maçônicas contra o governador Caetano Pinto. Os pernambucanos não aceitaram a ordem e com os militares, em sua maioria também pernambucanos, iniciaram o movimento, levantando todo o Recife e propagando-o em pouco tempo para as cidades vizinhas e para o atual estado de Alagoas (na época, parte de Pernambuco), Paraíba e Rio Grande do Norte, além de tentar obter sucessos no Ceará e Bahia. O governador foi deposto e expulso para o Rio de Janeiro.

Todavia, o que chama atenção da Revolução Pernambucana de 1817 são outras características que vão além da inquietação com os desmandos da Coroa. A Revolução Pernambucana foi o primeiro movimento que visava o rompimento com a monarquia portuguesa a sair do plano das ideias. Ao contrário da Inconfidência Mineira de 1789 e da Inconfidência Baiana de 1798, em que seus participantes não conseguiram ir além de discussões e planejamentos, a Revolução Pernambucana de 1817 conseguiu, por força das armas, do convencimento e da persuasão, a separação da região levantada durante mais ou menos setenta dias. Não bastasse isso, os patriotas – tratamento que os participantes da Revolução dispensavam entre si – foram ousados ao ponto de preparar diversas tropas para defender o território e armar navios para futuros combates navais. Além disso, enviaram alguns navios para outras regiões para conseguirem apoio externo para a Revolução. Um deles partiu para Moçambique com a intenção de pedir ajuda ou mesmo adesão ao levante, pois o governante do território africano era pernambucano de família influente no Recife e seus irmãos, os conhecidos irmãos Suassuna, estavam envolvidos com a Revolução. Os patriotas também enviaram outro navio para a Inglaterra, a fim de pedir para que contatos dos pernambucanos em terras inglesas tentassem sensibilizar o governo inglês da causa revolucionária, o que não logrou sucesso. Ao mesmo tempo, um emissário navegou para os Estados Unidos a fim de pedir ajuda daquele governo à Revolução. Formalmente, o governo norte-americano negou-se a prestar ajuda aos patriotas, mas informalmente vendeu armamentos e ainda permitiu que alguns militares franceses que estavam refugiados nos Estados Unidos embarcassem no navio de volta para Pernambuco. O intuito provável desses militares era levar suas experiências das guerras napoleônicas para os combatentes patriotas.

Os patriotas também esboçaram a primeira Constituição provisória do território que almejava ser livre da monarquia portuguesa. Essa Constituição, a que chamam de Leis Orgânicas, tinha como pontos principais organizar o nascente governo provisório, diminuir atritos entre pernambucanos e portugueses dentro das fronteiras da área sublevada – concedendo cidadania aos que abraçassem a causa revolucionária – e tolerar as religiões cristãs, penalizando aqueles que perseguissem uns aos outros por motivos de consciência. As Leis Orgânicas também defendiam a liberdade de imprensa, e as primeiras impressões feitas em Pernambuco ocorreram na época da Revolução. Apesar de haver discussões entre os patriotas sobre acabar ou não com a escravidão, a corrente vencedora foi pela manutenção da escravidão, sobretudo porque havia a participação de diversos senhores de escravos. Não há nenhuma menção à escravidão na Constituição, o que leva a entender que ela foi mantida. Apesar de essa Constituição ter sido escrita e enviada para diversas regiões, não houve tempo para sua aplicação, pois o governo provisório queria que as cidades destinatárias a lessem e debatessem e sobre ela enviassem seus pareceres. As questões militares, por serem mais urgentes, acabaram por atrasar o processo de instauração dessas leis.

A participação de religiosos também foi marcante na Revolução. Eram eles responsáveis por legitimar o novo governo por meio de explicações religiosas, mas também lideraram as tropas, serviram de emissários entre as diversas regiões e apaziguavam os temores do povo. Evidentemente havia discordâncias entre os padres, contudo, a maior parte estava pela Revolução.

D. João VI, que governava o Brasil e Portugal, entretanto, foi hábil e, ajudado pelas tropas da Bahia organizadas pelo Conde dos Arcos, conseguiu derrotar a Revolução. Os principais líderes tiveram fim trágico, como muitos patriotas que se envolveram com a Revolução: houve a prisão de centenas deles, o que lotou os cárceres da Bahia. Iniciou-se uma investigação a fim de averiguar culpas e inocências dos implicados, mas o processo seria tão extenso e arrastar-se-ia por tantos anos que coube ao rei perdoar os prisioneiros. Anos mais tarde, muitos dos patriotas de 1817 acabaram se envolvendo na Confederação do Equador de 1824. Um deles, aprendiz de rebelde em 1817, acabou, sete anos depois, tornando-se o líder Frei Caneca.

Bibliografia Básica

BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. O patriotismo constitucional: Pernambuco 1820-1822. São Paulo: Hucitec, 2006.

MOURÃO, Gonçalo de B. C. e Mello. A Revolução de 1817 e a História do Brasil. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1996.

TAVARES, Francisco Muniz. História da Revolução Pernambucana de 1817. Ed. revista e anotada por Oliveira Lima. 2 ed. Recife: Imprensa Industrial, 1917.

TOLLENARE, L. F. Notas Dominicais. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1978.

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