A problemática da identidade tem suscitado interesse crescente, mobilizando estudiosos de diferentes campos das ciências humanas e sociais e oferecendo-se de forma privilegiada à interdisciplinaridade. Não se justifica que o historiador fique de fora dessa discussão, que já há algum tempo preocupa antropólogos, sociólogos, lingüistas e psicanalistas.
Recentemente, a noção de identidade tem estado sob questão, motivando debates teóricos intensos em função dos desafios colocados pelo tão propalado processo de globalização. Neste contexto turbulento de quebra dos sistemas culturais, a identidade, transformada continuamente em relação às maneiras pelas quais somos representados nos sistemas culturais que nos circundam, se apresenta ainda mais aberta e provisória. Assiste-se à proliferação das mesclas e gêneros "impuros", resultantes da hibridação de tradições étnicas, de classe ou mesmo nacionais. Se não é possível imaginar que as culturas nacionais em qualquer tempo tenham se apresentando homogêneas e indiferenciadas, hoje seu caráter híbrido e segmentado fica mais evidente dado o trânsito cada vez mais intenso de mensagens, mercadorias e pessoas. Os sentidos de espaço e tempo se encontram de tal forma alterados, que atualmente já se trabalha com a idéia da desterritorialização das realidades simbólicas.
Nesse rastro, invocando-se o contínuo e acelerado fluxo simbólico, chega-se a repudiar radicalmente todas as tentativas de conceituação da identidade, qualificando-as como uma "nostalgia modernista", "um convite à exclusão e ao enclausuramento".
Mas apesar de toda crítica preliminar e da dificuldade de apreender o que seja identidade, traçar suas fronteiras, determinando com clareza os mecanismos de sua criação e contínua elaboração, é impossível deixar de reconhecer a importância dessa espécie de ponto virtual ao qual nos é indispensável referir para compreender determinados fenômenos.
Há que se considerar que nos contextos de reordenamento social, a força das identidades pode surpreender. As reelaborações sucessivas dão conta de como a sobrevivência simbólica dos indivíduos e das coletividades depende da manutenção de referências identitárias.
Num plano geral é crucial afirmar o entendimento da identidade como fruto de uma relação que institui uma totalidade contraditória. A identidade é essencialmente um fenômeno intersubjetivo, que implica em contraste e conflito. É sempre em função de um outro que demarcarmos nossa diferença, uma essência que nos seria própria.
Em discussão sobre identidade está impulsionando e renovando análise em diversos: desde os estudos sobre a identidade nacional, passando por aqueles que investigam a identidade de classe, aos mais recentes sobre partidos, sindicatos e sindicalistas. Destacam-se, também, os estudos de cunho mais biográfico e aqueles que tratam de grupos sócio-profissionais (intelectuais, literatos, autoridades governamentais e setores populares). Contribuição significativa trazem os estudos sobre identidade étnica (sobretudo enfocando grupos afro-brasileiros e imigrantes) e os estudos sobre relações de gênero.
A proposta do grupo é ampliar as reflexões sobre a problemática da identidade, através do cruzamento de estudos diversificados, tanto em termos temáticos e temporais, quanto teórico-metodológicos. Utilizando-se de fontes variadas, tais como registros de literatura e depoimentos orais, os integrantes do eixo têm investido nas discussões sobre as representações de identidade vinculadas à condição nacional, étnica, profissional, sexual, religiosa ou político-institucional, buscando-se um cruzamento entre esferas do público e privado, do individual e do coletivo.
Entre os conceitos relacionados ao de identidade, os mais destacados são os de memória (Pollak, 1989 e 1992; Nora, 1984; Halbwachs, 1990; Le Goff, 1990), projeto (Velho, 1988), trajetória e biografia (Bourdieu, 1986 e Levi, 1989). O conceito de configuração, de Norbert Elias, também freqüenta as páginas de estudo sobre o assunto (Elias, 1990 e s.d.).
Em busca do outro, os historiadores tem estabelecido constantes diálogos com outras áreas de conhecimento, particularmente com a Antropologia. O desenvolvimento dos estudos sobre a formação de grupos sociais e os processos de sua legitimação (através dos usos da memória, por exemplo) e de constituição de solidariedades em seu interior tem contribuído para a compreensão do modo como se formam e se fixam as identidades. Do mesmo modo, contribuem os estudos baseados na análise de discurso, seja ele escrito ou iconográfico (semiótica, crítica literária, lingüística, etc.).
Renunciando a uma concepção "naturalista" e etnocêntrica das identidades, a história cultural, em suas várias versões, tem procurado explorar possibilidades de compreensão das representações sobre si mesmo e sobre o mundo. Adotando esta perspectiva, o NUPEHC delineia uma de suas faces, afirmando sua própria identidade como Núcleo de Pesquisas em História Cultural.