Joana Fraga é formada em História pela Universidade de Coimbra (2007), Mestre em Estudos Históricos (2009) e Doutora em Sociedade e Cultura (2013) pela Universidade de Barcelona, onde defendeu a tese “Three revolts in images: Catalonia, Portugal and Naples (1640-1647)” sobre o poder das imagens como meio de comunicação durante as três revoltas. Atualmente, realiza estágio de pós-doutorado na Universidade de Turim.
Em recente visita ao Brasil, com palestra na UFF, à convite do Companhia das Índias, a historiadora portuguesa conversou com a equipe do Impressões Rebeldes.
Impressões Rebeldes (IR): Os seus estudos centram-se em três revoltas no interior da monarquia espanhola: a da Catalunha (1640), a Restauração portuguesa (1640) e a de Nápoles (1647). O que essas três experiências têm em comum?
Joana Fraga: Em primeiro lugar estamos perante três movimentos que ocorreram num mesmo contexto: a guerra dos Trinta Anos. Os três territórios eram parte integrante da Monarquia Hispânica e revoltaram-se contra o poder central (fosse directamente contra o rei ou contra o “mau governo” na pessoa do vice-rei). Apesar de termos cronologias, causas e consequências diferentes, devemos assumir que não se tratam de episódios isolados. Desta forma, estamos a abrir a possibilidade a encontrar características semelhantes no que toca a argumentos que justifiquem as suas posições, nomeadamente a nível de imagens.
IR: Quais os tipos de imagem que você pesquisou? Qual era o papel destas imagens no contexto destas revoltas?
Joana Fraga: O meu critério no momento de recolha de fontes foi o de seleccionar imagens produzidas entre 1640 (1647 para o caso da revolta napolitana) e o fim dos conflictos, ou seja 1652, 1668 e 1648, para a Catalunha, Portugal e Nápoles respectivamente. A partir daí, encontrei sobretudo gravuras, mas também pinturas, desenhos, moedas e cerâmica. O meu marco cronológico foi, em parte, escolhido por considerar que estas imagens estão longe de serem meras ilustrações. Eram produtos políticos com intenções claras: legitimar um dos lados do conflito. No caso luso é nítida essa vontade de galvanizar opiniões apresentando o duque de Bragança como rei e legítimo herdeiro da coroa portuguesa. O mesmo se passa com Masaniello: primeiro é representado como capitão do povo, como chefe militar, mas a partir do momento em que morre assume uma dimensão religiosa e passa a ser representado como mártir. No caso catalão é um pouco mais difícil distinguir uma temática forte, mas sem dúvida que a necessidade de justificar a sua posição na revolta é a grande motivação por trás dessas imagens.
IR: As imagens representavam os líderes dos movimentos? Na revolta de Nápoles, por exemplo, a forma como o líder popular Masaniello foi representado permite algumas observações?
Joana Fraga: A revolta catalã é um pouco particular: devido a vários factores políticos, económicos e mesmo culturais, não há uma representação forte dos líderes da sublevação. No entanto, no caso português e napolitano podemos ver como se privilegiam as representações desses líderes e a constante preocupação em dotá-los sempre de símbolos de poder adequados (veja abaixo). O duque de Bragança, proclamado D. João IV, era representado com ceptro, cortina, e por vezes até coroa, o que não deixa de ser interessante se tivermos em conta que os reis portugueses não eram coroados. O caso de Masaniello é especialmente significativo se tivermos em conta que era um pescador humilde, filho, esposo e irmão de prostitutas, e foi representado como um general de batalha, como um rei e como um mártir – o processo de construção foi muito mais complexo.
Os quadros de D. João IV pintado por Avelar Rebelo e Masaniello atribuido a Onofrio Palumbo evidenciam as similitudes entre a construção dos dois heróis. O pescador, de pé e com uma vista de Nápoles a seus pés, partilha com o monarca português os principais símbolos e atributos de poder.
“La rivolta di Masaniello” de Micco Spadaro é um dos quadros mais icónicos da revolta napolitana de 1647-1648. O artista napolitano condensa num cenário único, a Piazza del Mercato, enquadrada pela igreja de Santa Maria del Carmine, os momentos mais importantes da revolta.