Revista Impressões Rebeldes

A REVOLTA DOS PERIQUITOS

Insatisfeitos com imposições de uma elite assustada, o "Batalhão dos Periquitos" uniu-se com parte da população baiana e iniciou uma rebelião popular que abalaria a história de Salvador.

Vista da Bahia, litografia a partir de fotografia de Victor Frond (1821-1881).

Arthur Ferreira Reis

Arthur Ferreira Reis é doutorando em história pela UFES e autor da dissertação “Anarquistas e Servis: uma análise dos projetos políticos de 1826 no Rio de Janeiro. 2016, UFES”.

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A independência brasileira não foi um movimento pacífico ou um desquite amigável, como outrora supôs Oliveira Lima em sua obra O Movimento de Independência, 1821-1822. As negociações diplomáticas entre Brasil e Portugal sobre o reconhecimento da emancipação só ocorreram após muitos conflitos e sangue derramado na antiga colônia portuguesa desde 1822, principalmente na parte norte do então Reino do Brasil.

Um dos maiores problemas enfrentados pelos defensores da independência foi formar um exército capaz de fazer frente às tropas portuguesas que permaneciam no Brasil ainda em 1822. Mas como formar de maneira tão rápida e praticamente do zero um exército em um país pouco populoso e com sérias disputas entre as elites regionais?

A resposta para essa pergunta foi encontrada de forma provisória durante os conflitos entre brasileiros e portugueses na Bahia em meados de 1822. Dominada pelo general português Madeira e Mello, a conquista da província e principalmente, da capital Salvador – ocupada pelos exércitos portugueses contrários à independência do Brasil -, só foi possível através do conflito armado. Enquanto os portugueses eram liderados por Madeira e Mello, os brasileiros eram comandados pelo francês Pierre Labatut.

Reconhecendo as dificuldades quanto à armamento, alimentação e as dificuldades de se recrutar mais soldados dentre os homens livres, Labatut decidiu recrutar os escravos de três formas: dando privilégios fiscais aos senhores que os doassem, prometendo liberdade aos que se voluntariassem e alistando os escravos de fazendas resistentes à causa brasileira. Formou-se assim o Batalhão de Voluntários do Príncipe, que mais tarde ficaria conhecido como Batalhão dos Periquitos graças ao seu uniforme que tinha colarinhos e punhos verdes.

A participação dos “Periquitos” no conflito foi enorme. Formados por escravos e mestiços principalmente, contou também com a participação da lendária Maria Quitéria de Jesus, que inspirada pelas lutas de independência se vestiu de homem e se voluntariou. Em 2 de julho de 1823, as forças brasileiras entraram em Salvador expulsando os últimos resquícios de poder português na província. Os Periquitos foram aclamados heróis da pátria.

Finda a guerra, os soldados esperavam por gratificações. Mas a elite local começou a perceber que a presença de negros e mestiços armados em Salvador era uma ameaça. Assustados e apreensivos, a elite local fantasiava constantemente uma grande revolta de escravos como a que ocorrera no Haiti. A imagem da “populaça” andando armada pela cidade lhes fazia imaginar o momento em que os livres pobres começariam uma revolta junto com os escravos. Era necessário acabar com o Batalhão dos Periquitos para evitar isso.

 

Pintura de January Suchodolski que retrata a Revolução do Haiti (1791-1804)

 

Iniciaram-se então as movimentações da elite para remover os Periquitos da cidade e enviá-los para outros locais. Em meio a essas movimentações, surgiram rumores que assustaram e alertaram os militares. Em pouco tempo especulou-se que os soldados seriam transferidos ou que os negros seriam reescravizados. As fofocas e as “fake news” se espalharam pela cidade causando temores de ambos os lados. Além das dúvidas sobre o futuro do Batalhão, as notícias sobre a Confederação do Equador – outra revolta contra o Império do Brasil no norte do Brasil -, começaram a chegar na Bahia, e as ideias de liberdade e república seduziram muitos dos negros e mestiços do Batalhão dos Periquitos.

Cada vez mais temerosa, a elite local decidiu que era hora de agir. Planejou transferir o batalhão para Pernambuco e o popular Major José Antônio da Silva Castro – comandante dos Periquitos e apelidado de “Periquitão” – para o Rio de Janeiro. Ao saberem das notícias, a angústia com a partida de alguns soldados e consequente separação e desestruturação do Batalhão dos Periquitos, somou-se à já existente insatisfação com o atraso dos soldos e castigos físicos. Recusando-se a aceitar seguidos vexames, os Periquitos agiram.

Em 21 de outubro de 1824 os Periquitos, apoiados por outros batalhões de negros e mestiços, iniciaram a revolta que durou um mês. Tomaram Salvador, assassinaram o Governador das Armas Felisberto Gomes Caldeira e atacaram portugueses e comerciantes. Aproveitando-se da situação, como era comum à época, tropa e povo ocuparam as ruas e saquearam estabelecimentos. O maior medo da elite local realizara-se: a populaça se uniu.

Atemorizados, muitos proprietários fugiram de Salvador e pediram ajuda ao Rio de Janeiro. Os jornais de todo o Brasil começaram a noticiar que na Bahia um batalhão de negros iniciara uma revolta, e isso tornava o problema ainda maior. E se a revolta se espalhasse? E se a populaça pegasse em armas contra a elite? Lembremos que grande parte das forças militares e policiais, assim como hoje, era formada por gente da plebe, não pelos proprietários.

Para evitar que a revolta se espalhasse e para erradicar os focos de “anarquia” em Salvador, governo e elite baiana financiaram uma força militar que rapidamente invadiu a cidade e pôs fim à Revolta dos Periquitos. A retomada de Salvador foi relativamente fácil, graças à falta de organização, liderança e projetos por parte dos revoltosos.

Ao fim da revolta, grande parte do Batalhão foi enviado para Pernambuco, porém alguns foram expulsos e dois líderes, o major Joaquim Sátiro da Cunha e o tenente Gaspar Lopes Villas Boas, sentenciados à morte e fuzilados em 1825. Terminava assim a Revolta dos Periquitos, mas sua repercussão duraria muito tempo na Bahia.

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Bibliografia Básica

KRAAY, Hendrik. Em outra coisa não falavam os pardos, cabras e crioulos: o “recrutamento” de escravos na guerra da Independência na Bahia. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.22, n.43, 2002.

LIMA, João Manuel de Oliveira. O Movimento de Independência, 1821-1822. Rio de Janeiro: Top Books, 1997.

REIS, Arthur Ferreira. OS CORCUNDAS E OS PERIQUITOS: a visão áulica sobre a Revolta dos Periquitos na Bahia. Anais do VI Congresso Internacional Ufes/Paris-Est: Culturas Políticas e Conflitos Sociais, Espírito Santo, p.124-133, set. 2017. Disponível em: http://periodicos.ufes.br/UFESUPEM/article/view/18040. Acesso em: 18 set. 2019.

REIS, João José; KRAAY, Hendrik. “The Tyrant Is Dead!” The Revolt of the Periquitos in Bahia. Hispanic American Historical Review. Duke University, v.89, n.3, 2009.

TAVARES, Luis Henrique Dias. Da Sedição de 1798 à Revolta de 1824 na Bahia. São Paulo: Unesp, 2003.

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