Em 1801, na cidade de Olinda, em Pernambuco, foi aberta uma devassa contra os irmãos José, residente em Portugal, e Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque, donos de um engenho chamado Suassuna, após uma denúncia feita pelo comerciante José da Fonseca Silva e Sampaio. Tal denúncia citava a correspondência trocada entre os irmãos, que trazia notícias da situação política europeia assim como ideias consideradas revolucionárias pelos dirigentes da capitania. Embora fossem membros da elite local, foram acusados de compactuar e disseminar ideias iluministas relacionadas a perspectivas emancipacionistas, consideradas ameaçadoras à soberania da metrópole em território colonial. Após a denúncia, foi decretada a prisão de Francisco de Paula e o terceiro irmão, Luiz Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque, assim como uma busca na casa dos denunciados. O delator José da Fonseca também foi preso. A devassa, instaurada e conduzida pelo Juiz de Fora, que servia em Olinda, por ausência de provas, não ofereceu informações que justificassem a prisão dos irmãos. Sendo assim, em 8 de Junho do mesmo ano, os irmãos Suassuna foram soltos e considerados inocentes das acusações sofridas.
A historiografia brasileira costuma encadear este evento, que mereceu a designação de “Inconfidência” dos Suassunas, a outras manifestações de crise nas relações entre colônia e metrópole que ocorrem no final do século XVIII ao início do século XIX. O panorama ocidental estava agitado pela efervescência das concepções emanadas da Ilustração. A despeito das oscilações inerentes ao movimento iluminista, este reverberou profundamente em diferentes esferas, afetando de maneira ainda mais acentuada as regiões coloniais. Embora, sob uma conjuntura de críticas políticas agudas, haja muitas coisas em comum entre manifestações, como temores de mudanças por parte dos governos e realinhamentos ideológicos, é preciso não exagerar em sua equivalência e distinguir a suposta conspiração dos Suassunas das Inconfidências nas quais efetivamente se conspirou contra o governo de Portugal, como a de Minas Gerais (1789) e a da Bahia (1798).
Os rumores e suspeitas que conduziram à ideia de que se tramava a Inconfidência dos Suassuna surgem em uma conjuntura na qual a elite pernambucana encontrava-se insatisfeita e seriamente indisposta com o governo interino do bispo J. J. da Cunha de Azeredo Coutinho. O religioso era alinhado com a política reformista do Ministro Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, implementada na metrópole portuguesa. O programa de reformas por meio do pensamento ilustrado buscava uma reorganização administrativa e política para transformar as capitanias do Brasil e Portugal em um império luso-brasileiro, contando com a ajuda e apoio de grupos letrados. As mudanças abalavam os interesses da elite local, que detinha uma mentalidade muito enraizada nos valores do Antigo Regime, daí crescendo nesse tempo o clima de animosidade durante a gestão de Azeredo Coutinho em Pernambuco.
Foi nesse contexto marcado pela oposição à Ilustração e a seus ideais, em busca de assegurar os valores do Antigo Regime, que tem o início os acontecimentos que, posteriormente, seriam considerados na qualidade de inconfidência. Em 11 de outubro de 1800, José Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque, rebento da tradicional família do ramo dos Albuquerque e capitão-mor do corpo de Artilharia do Recife, embarcou para Lisboa, deixando em Pernambuco seus dois irmãos, Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque, comandante da Freguesia do Cabo e Luiz Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque, comandante da Freguesia de Jaboatão. A comunicação entre os irmãos muita das vezes não era direta, mas intermediada pelo amigo do capitão-mor, o comerciante José da Fonseca Silva e Sampaio, que repassava as correspondências aos respectivos destinatários.
Tal comunicação, através de cartas, tratava dos mais diversos assuntos e notícias, variando desde questões familiares como também do cenário em que a Europa e a América se encontravam, o que implicava em conversas sobre as ideias e pensamentos dos revolucionários europeus.
A certa altura, José da Fonseca ficou intrigado com o teor das mesmas. Ao saber do seu conteúdo, conversou com Francisco de Paula a respeito, que lhe pediu total discrição. O amigo tratou de queimar e rasgar duas das cartas e, a seguir, denunciou os irmãos à justiça em 21 de maio de 1801.
A denúncia fez com que, em Olinda, o Juiz de Fora imediatamente procurasse os membros do governo interino da capitania, composto pelo bispo José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, o ouvidor José Joaquim Nabuco de Araújo e pelo intendente da marinha Pedro Sheverim, este último alvo de protestos em pasquins que circularam três anos antes. Na noite do mesmo dia, foram presos em Olinda os irmãos Francisco e Luiz Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque, e instaurou-se devassa para investigar tais fatos suspeitos e perigosos. No dia seguinte, 22 de maio, foi ordenada e cumprida a prisão de José da Fonseca, o denunciante, pela desconfiança das autoridades acerca do seu envolvimento com os fatos.
A situação é informada ao ministro português Dom Rodrigo de Sousa Coutinho através de uma carta, de autor desconhecido, com o intuito de que o irmão dos presos, José, residido em Portugal, não ficasse ciente da denúncia. Tal correspondência expunha a D. Rodrigo a existência de duas cartas escritas em Lisboa por José, endereçadas ao seu irmão Francisco de Paula, em Pernambuco. A primeira carta noticiava a situação política europeia e continha ideias consideradas revolucionárias pelos superiores da capitania, a segunda carta “repetia as mesmas ideias revolucionárias”.
Em depoimento, o comerciante José da Fonseca revelou que prestava serviços a Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque. Ele também afirmou que foi o pedido de sigilo por Francisco, no momento da leitura das cartas, que o induziu a realizar a denúncia.A apuração não encontrou conspiradores, ao contrário. No decorrer do inquérito, testemunhas como Frei Bento da Trindade, professor do Seminário de Olinda, reconheciam os irmãos como “fiéis vassalos, bons patriotas e igualmente bons cristãos, dotados de muitas virtudes morais e civis”.
Pelo fato de serem parte da elite local e homens letrados, que possuíam acesso à produção intelectual européia, é natural que a política fizesse parte de seu ciclo de conversas. Os comentários feitos, portanto, não revelam um plano de sedição ou ameaça à soberania portuguesa, e sim apenas um tópico corrente entre homens deste círculo social. As cartas trocadas traziam ainda registro sobre aspirações pessoais, porém, uma vez que eram contaminados pelo caráter persecutório da devassa, a correspondência entre os irmãos eram lidas a partir de olhares que farejavam evidências de haver uma conspiração.
Durante o inquérito judicial, os irmãos Cavalcante de Albuquerque foram interrogados diversas vezes, assim como José da Fonseca e outras testemunhas. Entretanto, nenhuma das cartas sugerem intenções sediciosas, mostrando justamente o contrário, ou seja, os irmãos como indivíduos íntegros, alinhados às convenções sociais e culturais de sua época, tratando de negócios familiares e particulares. Não havia evidências da intenção de um levante contra a administração portuguesa.
Ainda que a “Inconfidência dos Suassuna” seja frequentemente considerada uma das conspirações contra o domínio colonial, a devassa não resultou em maiores punições por conta da ausência de provas. Dessa forma, em 8 de Junho de 1801 os irmãos Suassuna foram soltos e inocentados.
A possibilidade de uma conspiração não se realizou, antes assinalou um evento que não saiu do campo das ideias, visto que o teor da correspondência entre os suspeitos não passava de conversas e debates entre os irmãos, que foram considerados, ao final do inquérito, bons vassalos.
Neste caso ocorrido em Pernambuco, semelhante ao que se passou no Rio de Janeiro em 1794 com a prisão de letrados que se reuniam em sessões da Sociedade Literária, a perseguição, vigilância e julgamento dos suspeitos decorreu muito mais do temor que as ideias e eventos revolucionários que assolavam o mundo ocidental provocava do que pela preparação efetiva de um movimento político radical.
(Gabriela Frederica Freitas Rodrigues, graduanda em História da Universidade Federal Fluminense)
Antecedentes
Em 1798, chegou à capitania de Pernambuco o bispo J. J. da Cunha de Azeredo Coutinho, que logo após assumiu o governo interino. Imbuído de ideias ilustradas e alinhadas com a política reformista do Ministro Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, o religioso põe em prática uma série de medidas que causaram o descontentamento da elite local, que detinham um forte senso de identidade, não ligado ideias de um império que se delineava sob o reformismo ilustrado luso-brasileiro, mas sim ao Antigo Regime.
A elite pernambucana detinha uma mentalidade enraizada de “nobreza da terra”, com valores e práticas que repeliam qualquer proposta reformista.Não visavam um rompimento ou distanciamento com as tradições monárquicas portuguesas e viviam um pânico em relação à Revolução Francesa e seus ideais, o que contribuiu para desacelerar e conter as mudanças proporcionadas pela mentalidade ilustrada e reformista.
Conjuntura e contexto
A mentalidade do mundo ocidental passou a ser persuadida por ideias iluministas que colocaram em voga o pensamento ilustrado, influenciado pelos exemplos da Revolução Francesa e da Independência das 13 colônias inglesas das Américas. A partir disso, um momento de tensão se instaura devido ao surgimento de inúmeras contestações que emergiram no Brasil, tal como a Inconfidência Mineira, em 1789. Tais manifestações de descontentamento dos colonos com as políticas da metrópole ameaçaram a soberania da Coroa portuguesa.