Revista Impressões Rebeldes

REVOLUÇÃO DO 7 DE ABRIL

A abdicação de Pedro I foi resultado não só das tramas políticas forjadas no seio das elites, mas também de sucessivas manifestações populares de protesto no Rio de Janeiro

Jean-Baptiste Debret. 4 de abril de 1826 – Festa do retorno de S. M. da Bahia. Aquarela sobre papel. Museus Castro Maya, Rio de Janeiro. O povo que celebrou Pedro I nas ruas do Rio de Janeiro em abril de 1826 mobilizou-se para forçar a abdicação do imperador cinco anos depois.

Marcello Basile

doutor em História Social pela UFRJ e professor de História do Brasil da UFRRJ. É autor do livro A politização das ruas: projetos de Brasil e ação política no tempo das Regências. 2 v. Brasília: Senado Federal, 2022.

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Em 7 de abril de 1831, Pedro I abdicou do Trono, em meio a uma grande mobilização popular, que reuniu cerca de 4.000 pessoas no Campo de Santana e outras mais espalhadas pelas ruas centrais da capital do Império. A manifestação foi o ápice de uma série de conflitos de rua e movimentos de protesto ocorridos ao longo do mês de março e da primeira semana de abril.

Desde fins de 1830, a situação era bem tensa. A onda revolucionária na Europa – que atingiu Bélgica, Polônia, estados italianos e alemães e, em especial, a França, com a queda de Carlos X – teve ampla receptividade entre os brasileiros opositores ao governo. O assassinato do jornalista Libero Badaró, em 20 de novembro, em São Paulo, acirrou ainda mais os ânimos; sobretudo devido aos boatos de que o suposto mandante do crime, o ouvidor Candido Ladisláo Japiaçú (mais tarde absolvido no processo criminal), teria agido por ordem ou contado com a proteção do imperador. Tais acontecimentos foram amplificados pela imprensa ligada aos liberais exaltados e moderados, grupos que, em maior ou menor grau, teciam críticas cada vez mais exaltadas a dom Pedro. Nova Luz Brasileira, O Republico, O Tribuno do Povo, Aurora Fluminense e Astréa agitavam a opinião pública, buscando desestabilizar o governo (Basile, 2022, p. 19-46).

As sociedades secretas foram outro palco de ação política. A Maçonaria estava oficialmente proibida desde 1823, mas lojas como a Bouclier d’Honneur e a Vigilância da Pátria funcionavam clandestinamente (Morel, 2005, p. 247 e 268). Associações secretas não maçônicas também foram criadas por descontentes com Pedro I, como o Club dos Amigos Unidos e a Jardineira ou Carpinteiros de São José (Ottoni, 1916, p. 2; Otoni, 1983, p. 29). Enquanto a Jardineira, que possuía ramificações em outras províncias, aparentemente era controlada pela corrente moderada dos liberais, o Club dos Amigos Unidos parecia ser comandado pela ala exaltada.

Os dois grupos – liberais moderados e liberais exaltados – teciam críticas cada vez mais duras ao governo de Pedro I. Mas possuíam projetos políticos próprios. Os moderados pretendiam reduzir os poderes do imperador, conferir maiores prerrogativas à Câmara dos Deputados e autonomia ao Judiciário, e garantir a observância dos direitos de cidadania previstos na Constituição, sem que isso implicasse em mudanças no ordenamento social. Já os exaltados almejavam medidas mais radicais, tais como a instauração de uma república federativa, o fim dos cargos políticos vitalícios, a separação entre Igreja e Estado, a extensão da cidadania política a todos os segmentos livres da sociedade (inclusive mulheres), o fim gradual da escravidão e até uma espécie de reforma agrária.

Na Câmara dos Deputados, a oposição intensificou as críticas, impôs restrições ao orçamento proposto pelo governo e não acatou o projeto de melhoramento do meio circulante. Crescia também o clamor pela realização de reformas constitucionais, como a adoção do federalismo, que limitassem o poder imperial. Por sua vez, temendo uma revolução iminente, o Conselho de Estado sugeriu ao monarca o adiamento da próxima sessão legislativa e o conde do Rio Pardo, ministro da Guerra, propôs a dissolução da Câmara (Morel, 2003, p. 17-18).

1831 iniciou-se, assim, em meio a fortes apreensões e incertezas. O oficial alemão Carl Seidler (1980, p. 296), que estivera a serviço do Exército brasileiro, lembrava que magotes de trinta a cinquenta negros e mulatos, armados de cacetes e facas, percorriam à noite as ruas da Corte, interpelando os transeuntes – de preferência portugueses – com a pergunta: quem viva? A resposta esperada era a Constituição, o federalismo ou mesmo a república. “Ai de quem respondesse ‘D. Pedro I’. O infeliz seria incontinente morto”.

Em janeiro e fevereiro, a viagem do imperador para conter agitações federalistas em Minas Gerais suscitou boatos de que dom Pedro tramava um golpe absolutista para fechar o Parlamento. Jornais destacaram a hostilidade popular em Barbacena, onde, à chegada do monarca, os sinos dobraram finados, a pretexto das exéquias de Libero Badaró, cujo nome era gritado nas ruas à passagem da comitiva real. O Manifesto aos mineiros, proclamado em 22 de fevereiro pelo imperador, criticava a oposição e a campanha federalista, gerando alarma na Corte. Jornais exaltados e moderados criticaram duramente o documento, acusando-o de inconstitucional e de ensejar suspeitas de golpe.

Já os partidários do imperador, chamados de portugueses, organizaram grande festa pública no Centro da cidade do Rio de Janeiro para comemorar seu retorno. Começou na noite de 11 de março, com bandas de música, fogueiras, luminárias, girândolas e lençóis nas cores nacionais estendidos nas sacadas. A oposição liberal e parte do povo, denominados brasileiros, encararam os festejos como ofensa à honra nacional. As Noites das Garrafadas prosseguiram até o dia 16. Quebra-quebras, agressões, insultos e provocações partiram de ambos os grupos, bem demarcados politicamente, integrados por dezenas ou centenas de pessoas, de categorias sociais diversas, armadas de chuços, paus, pedras, garrafas, facas e pistolas (Traslado do Processo aque deu motivo os Tumultos das Garrafadas do dia 13, 14, e 15 de Março de 1831. BNRJ – D.Ms. 6, 3, 12; Ribeiro, 2002, p. 13-25).

Segundo o negociante inglês Armitage (1982, p. 220) as Garrafadas produziram “efeito elétrico” nas províncias. Na Corte, no dia 17, um grupo de 23 deputados e um senador redigiu representação enérgica ao imperador. Cobrava a punição dos portugueses e medidas urgentes ansiadas pelos brasileiros, declarando, em tom ameaçador, que até o trono estaria em risco se não fosse atendida a petição. A Proclamação aos mineiros e as noites de março foram vistas como uma declaração de guerra pela oposição liberal, afinal convencendo os moderados a aderirem às tramas para a derrubada do imperador. A oposição legal convertia-se em estado latente de rebelião. Completava-se o processo de deslegitimação e esvaziamento da autoridade de Pedro I (Souza, 1999, cap. 7).

A nomeação do Ministério dos brasileiros (assim chamado por ser composto apenas por brasileiros natos), no dia 20, não evitou a sucessão de reuniões secretas, ajuntamentos públicos e conflitos de rua, em meio a verossímeis boatos de urdidura de uma revolução popular ou de golpe de Estado. Nos quartéis, parte da alta cúpula militar aproximava-se dos moderados, e escalões médios e inferiores, dos exaltados. Difundiu-se nas ruas o laço verde e amarelo dos tempos da Independência e, entre os exaltados, o chapéu de palha e a flor sempre-viva na lapela como emblemas patrióticos. Em 25 de março, aniversário da Constituição, cerca de quarenta indivíduos afrontaram dom Pedro quando assistia a uma parada militar, dando vivas à Constituição, à Independência e ao imperador enquanto constitucional. No dia 29, foi abafada uma rebelião planejada pelos criados do Paço de São Cristóvão, que pretendiam arregimentar escravos. No dia seguinte, mais de seiscentas pessoas acorreram armadas ao Largo do Moura (onde hoje se situa o Castelo) para obstar um suposto ataque do 1º Batalhão de Caçadores e de caixeiros e comerciantes de origem lusitana, a chamada caixeirada portuguesa.

Abril iniciou-se com maus presságios para o imperador. No dia 1º, integrantes de uma procissão recusaram-se a tirar o chapéu para saudar o monarca. Nas noites seguintes, cerca de quatrocentas pessoas ficaram de prontidão no Arsenal de Guerra para rechaçar eventual investida de portugueses (Faria, 1831). Diz Armitage (1982, p. 219) que conspiradores distribuíam “publicações incendiárias” entre os soldados, os quais, “sendo pela maior parte homens de cor, imbuídos de fortes prejuízos contra os portugueses, não resistiram à sedução”.

Não conseguindo restabelecer a ordem, o Ministério dos brasileiros e o comandante de polícia foram demitidos na noite do dia 5, e outro gabinete, formado por áulicos, foi nomeado. Foi a gota d’água. Em protesto, já na manhã do dia 6, gente livre e escrava de todas as camadas sociais – profissionais liberais, funcionários públicos, comerciantes, artesãos, caixeiros, vendedores ambulantes, quitandeiros, carregadores, cocheiros, marinheiros – começou a ocupar o Campo de Santana. À frente estavam os redatores d’O Republico, Borges da Fonseca, d’O Tribuno do Povo, Francisco das Chagas de Oliveira França, da Nova Luz Brasileira, Ezequiel Corrêa dos Santos (e seu colaborador, João Baptista de Queiroz), assim como os deputados Odorico Mendes, Custódio Dias e Vieira Souto (um dos redatores da Astréa).

Em meio a discursos inflamados, vivas dados à Constituição e à Independência indicavam serem antíteses a Pedro I. Boatos falavam em golpe de Estado tramado pelo imperador, suspensão das garantias, prisão e morte de parlamentares, aumentando a disposição para o rompimento definitivo, embora ainda houvesse esperanças de que a restituição do ministério deposto remediasse a situação. Bandos armados percorriam as ruas, alastrando o clima de revolta. O comércio fechou as portas. Às 15 horas, vários juízes de paz juntaram-se ao protesto. O comandante das armas, Francisco de Lima e Silva, enviou à Quinta da Boa Vista o major Miguel de Frias e Vasconcellos, ligado aos exaltados, para colocar dom Pedro a par da situação. Enquanto isso, chegou ao Campo uma proclamação do imperador, na qual afirmava que não havia motivo para desconfianças, garantia ser constitucional e pedia respeito às autoridades. Contudo, antes que o juiz de paz Custodio Xavier de Barros terminasse a leitura, o papel foi rasgado por manifestantes. Gritos de morra o imperador e viva a federação e a república concorriam com vivas a Pedro II (Faria, 1831). Por trás da aparente unidade do movimento, aspirações diversas disputavam a simpatia da multidão.

Às 17h30, uma delegação de três juízes de paz levou à Boa Vista uma representação que exigia a reintegração do ministério brasileiro. Defendendo seu direito constitucional de nomear e demitir ministros, dom Pedro novamente não cedeu. Quando a delegação retornou ao Campo com a resposta do monarca, às 19 horas, romperam gritos de morra o traidor e às armas, cidadãos! Vieira Souto e Odorico Mendes avisaram Lima e Silva da decisão dos manifestantes de sacrificar suas vidas e empregar qualquer meio para obter seus intentos, esperando contar com o comandante e as tropas. Simpático ao movimento, mas cauteloso, o general Lima e Silva foi à Quinta sondar o imperador e convencê-lo da gravidade da situação. Mas dom Pedro manteve-se inflexível.

Insufladas por grupos que faziam pequenos comícios diante dos quartéis, as tropas tomaram a iniciativa de marchar para o Campo de Santana. Primeiro, chegaram o 1º e o 2º corpos de Artilharia de Posição, seguidos pelo 1º batalhão de Granadeiros, três batalhões de Caçadores, a Artilharia de Marinha e dois batalhões improvisados de civis. Foram distribuídas armas trazidas dos quartéis. Às 23 horas, a Artilharia Montada e o batalhão do Imperador aderiram ao protesto. Lima e Silva enviou outra vez Frias a São Cristóvão, na derradeira tentativa de convencer o imperador. Dom Pedro aceitou demitir o gabinete do dia 5, porém, não reintegrou o anterior. Escolheu o moderado Nicolau Vergueiro para formar novo ministério, mas o senador não foi localizado. A essa altura, as últimas guarnições fiéis, a Guarda de Honra e uma bateria de Artilharia, abandonaram a Quinta e se uniram aos rebeldes.

Isolado, tendo ao seu lado somente a imperatriz Amélia, os ministros, o conde do Rio Pardo e os representantes da Inglaterra e da França, e ciente de que ceder daria ensejo a maiores exigências, dom Pedro decidiu abdicar em favor de seu filho, de apenas cinco anos de idade. Às 3 horas da manhã do dia 7, a carta de abdicação foi entregue ao major Frias, para ser lida ao povo e tropa.

Manifestantes comemoraram a notícia, com versos patrióticos, hinos cívicos e vivas a Pedro II. Pareciam esquecidos os clamores republicanos de outrora. Constituída a Regência Trina Provisória – composta por Francisco de Lima e Silva, Nicolau Vergueiro e marquês de Caravelas – na mesma manhã, “povo e tropa” permaneceram no Campo mesmo após a partida do ex-imperador para a Europa, no dia 13. Seidler (1980, p. 322) observou, com ironia, que todos “contavam uns aos outros coisas do heroísmo brasileiro, do amor à liberdade e do ‘espírito nacional que atingia as estrelas’. Não havia na terra povo mais enérgico, mais grandioso; todo mulato esfarrapado imaginava que era príncipe, porque a seu ver o nobilitava o ‘eu sou brasileiro verdadeiro’”.

O 7 de Abril, portanto, não se reduz a mero “desquite amigável entre o Imperador e a nação”, como supôs Nabuco (1997, v. 1, p. 52). Tampouco, “nada mais foi do que uma sedição militar”, como acreditou Armitage (1982, p. 226). Tais visões relegam o movimento a simples arranjo das elites, obscurecendo toda sua dimensão popular e multifacetada. Evento emblemático das transformações em curso, o 7 de Abril consagrou o espaço público como arena privilegiada de luta dos mais diversos grupos políticos e segmentos sociais, assinalando a emergência de uma politização das ruas.

Bibliografia Básica

BASILE, Marcello. A politização das ruas: projetos de Brasil e ação política no tempo das Regências. 2 v. Brasília: Senado Federal, 2022.

MOREL, Marco. O período das Regências (1831-1840). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na Cidade Imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005.

PANDOLFI, Fernanda Cláudia. A abdicação de D. Pedro I: espaço público da política e opinião pública no final do Primeiro Reinado. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Assis, 2007.

RIBEIRO, Gladys Sabina. A liberdade em construção: identidade nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Faperj, 2002.

SOUZA, Iara Lis Franco Schiavinatto Carvalho. Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo – 1780-1831. São Paulo: Unesp, 1999.

Fontes Impressas

ARMITAGE, João. História do Brasil: desde o período da chegada da família de Bragança, em 1808, até a abdicação de d. Pedro I, em 1831, compilada à vista dos documentos públicos e outras fontes originais formando uma continuação da História do Brasil, de Southey. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1981.

FARIA, Silverio Candido de. Breve Historia dos Felizes Accontecimentos Politicos no Rio de Janeiro em os Sempre Memoraveis Dias 6, e 7 de Abril de 1831, Remontada á Epocha da viagem do Ex-Imperador á Provincia de Minas Geraes. Rio de Janeiro: Typographia de Thomaz B. Hunt e C., 1831.

NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império, vol. 1. 5. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.

OTONI, Cristiano Benedito. Autobiografia. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1983.

OTTONI, Theophilo Benedicto. Circular Dedicada aos Srs. Eleitores de Senadores pela Provincia de Minas-Geraes. 2. ed. Revista do Instituto Historico e Geographico Brasileiro, t. LXXVIII, p. II, 1916.

SEIDLER, Carl. Dez anos no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1980.

Fontes Primárias

Processo de encomenda para abafar a Rebelião do Paço que os Creados fizerãm em 1831. Manoel da Paixão criado pretendeu levar alguns escravos p.a rebelião. Quinta da Boa Vista, 29 de março de 1831. BNRJ – D.Ms. I-28, 21, 19.

Traslado do Processo aque deu motivo os Tumultos das Garrafadas do dia 13, 14, e 15 de Março de 1831. BNRJ – D.Ms. 6, 3, 12.

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Como Citar

Marcello Basile, "REVOLUÇÃO DO 7 DE ABRIL". Impressões Rebeldes. Disponível em: https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/revista/revolucao-do-7-de-abril/. Publicado em: 15 de maio de 2025. ISSN 2764-7404

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