Revoltas

Revolta Indígena no Aldeamento de Reis Magos

Capitania do Espírito Santo (1534 – 1821)Reis Magos

Início / fim

1752 / 1755

Antes de ser convulsionado pelos indígenas, o aldeamento jesuítico de Reis Magos, situado no litoral da capitania do Espírito Santo, aparece representado em mapa de 1631 (Albernas, João Teixeira. Atlas do Estado do Brasil (…). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997).

O aldeamento de Santo Inácio dos Reis Magos, uma das principais missões jesuíticas da capitania do Espírito Santo, vivenciou uma grave sublevação realizada pelos índios aldeados em meados do século XVIII e que foi um reflexo dos conflitos iniciados no aldeamento de Reritiba no ano de 1742. O núcleo dedicado a Santo Inácio (localizado no atual município de Serra-ES) foi fundado por volta de 1580 e possuía grande importância no norte da capitania, sendo o principal centro de evangelização na região, de onde partiam várias expedições que buscavam realizar descimentos de indígenas dos sertões. Constituído com indígenas tupiniquins, Reis Magos foi sempre populoso, contando com pouco mais de 2000 habitantes nas primeiras décadas do século XVIII. Um marco importante na história da missão foi a obtenção de uma sesmaria aos indígenas da aldeia, em 1610. Com o apoio do padre João Martins, foram confirmadas terras que correspondiam a seis léguas em quadra, que muito contribuíram para o crescimento populacional da aldeia. Situado na embocadura do rio dos Reis Magos, entre a Praia Grande (distrito do município do Fundão) e a Nova almeida (distrito da Serra), o aldeamento contava com a presença de vários missionários, além de noviços que visitavam o local, que cuidavam da rotina de evangelização e dos trabalhos na igreja. Assim como Reritiba, Reis Magos também se destacou pelos serviços prestados à Coroa portuguesa, pelo auxílio militar em prol da defesa da capitania e por fornecer indígenas às entradas que buscavam pedras preciosas. O aldeamento era, portanto, um espaço de grande relevância para os interesses da colonização no Espírito Santo.

O relacionamento entre os missionários e os aldeados ao longo do tempo, porém, foi marcado pelo conflito, o que tornava mais complexa a realidade do lugar. Em sua viagem pelo Espírito Santo no século XIX, Saint-Hilaire pontuou que as lembranças dos indígenas em relação aos padres que administravam a missão de Reis Magos eram de grande insatisfação. Colhendo informações junto aos indígenas que viviam na Vila Nova de Almeida, nome pelo qual o aldeamento passou a ser conhecido após ser convertido em vila segundo os moldes do “Diretório dos Índios”, Saint-Hilaire registrou que mesmo antes, na década de 1720, já havia um grande descontentamento por parte dos indígenas quanto às regras severas dos inacianos, o que alimentava a ideia de uma rebelião. 

A situação teria culminado com o encaminhamento de queixas ao governador, que teria obrigado os jesuítas a darem mais liberdade aos aldeados. A determinação, porém, não foi seguida por muito tempo e a insatisfação dos indígenas se manteve. Na devassa realizada em 1761 com o intuito de apurar a atuação dos padres da Companhia de Jesus no Espírito Santo, os depoimentos dos indígenas em relação aos missionários também denotam animosidade. Vários são os testemunhos que ressaltam a direção despótica dos jesuítas, o rígido controle estabelecido sobre os aldeados, as pesadas jornadas de trabalho exigidas aos indígenas e as punições aplicadas aos que desobedeciam àquele regime de tutela. O clima de tensão rondava o aldeamento.

Vista atual da Igreja Reis Magos e Residência no Distrito de Nova Almeida, no Espírito Santo. 2015. Iphan. Foto: Elisa Taveira.

O delicado equilíbrio que existia no aldeamento de Reis Magos seria abalado de vez com a repercussão das notícias sobre a revolta ocorrida no aldeamento de Reritiba e a criação da comunidade indígena rebelde de Orobó, entre os anos de 1742 e 1745. Incentivados pelo exemplo de Reritiba, os aldeados mostravam-se dispostos a realizar uma sublevação semelhante e lembravam dos exemplos de Reritiba e de Orobó quando os missionários tentavam repreendê-los. Um claro indício de que o medo do motim foi um instrumento usado pelos indígenas. 

As ameaças, contudo, não demoraram a se tornar realidade. Em 1752, uma grave revolta eclodiu e as fontes sugerem que o principal motivo foi o incômodo dos aldeados com a administração jesuítica no aldeamento de Reis Magos. De acordo com José Antônio Freire de Andrade, governador interino da capitania do Rio de Janeiro que acompanhou o caso, corriam boatos que associavam o início da sublevação ao comportamento impertinente de um jovem padre que tinha ido ao aldeamento para aprender a língua geral, fato que teria inflamado o ânimo entre os aldeados. Indo além, Andrade deixa implícito que a revolta era produto de uma situação mais ampla, lembrando então do difícil relacionamento entre indígenas e missionários em Reis Magos. O governador menciona que os indígenas estavam insatisfeitos com as determinações dos religiosos, que os faziam trabalhar arduamente para cobrir as despesas pertinentes à manutenção da missão. Muitos aldeados, inclusive, fugiram do aldeamento por não suportarem os rigores do dia a dia. De acordo com Andrade, indígenas andavam dispersos pelas capitanias do Espírito Santo e de Minas Gerais, razão pela qual ele instruiu os capitães dos distritos a reconduzirem os aldeados de volta à povoação.

Conforme o missionário Ignacio Leão anotou, os revoltosos foram liderados por um indígena chamado José da Rocha, sujeito que foi escolhido pelos próprios aldeados como o cabeça da insurreição. Para Leão, o motim era resultado da influência nociva exercida por colonos que habitavam localidades vizinhas, os quais induziam os aldeados a não obedecerem aos padres da missão. Entretanto, ao levar em conta a conflituosa relação entre os indígenas e os missionários no aldeamento, é difícil crer que essa foi a única razão para o motim. Movidos por anseios de uma vida mais autônoma ante ao regime de tutela imposto pela Política de Aldeamentos, os rebeldes expulsaram de Reis Magos tanto os jesuítas quanto os oficiais indígenas que participavam da administração do aldeamento. Sem opção, eles tiveram de buscar abrigo em Reritiba, que na época também convivia com problemas causados pelos rebeldes de Orobó.

Após a expulsão dos inacianos, quem governava a aldeia de Reis Magos era o indígena José da Rocha, homem qualificado como violento e despótico pelo padre Ignacio Leão. A opinião do padre, no entanto, certamente era influenciada pela ação anti-jesuítica conduzida pelos aldeados. Sem a direção dos missionários, consta que as interações entre os rebeldes e os moradores das povoações vizinhas se tornaram cada vez mais intensas: vários indígenas passavam a maior parte do tempo nas casas e fazendas dos colonos, sendo recorrente o casamento entre os brasílicos e os escravos dos senhores. O que para os missionários era encarado como um desvio ao trabalho de evangelização, para muitos desses indígenas estas eram novas possibilidades de vida.

Houve significativa dificuldade para a resolução da revolta. O padre Ignacio Leão queixou-se da omissão dos capitães-mores do Espírito Santo, chamando a atenção para o fato de que, apesar de estarem cientes de tudo o que ocorria, eles nada faziam para remediar os problemas. Quanto a isso, o missionário cogitou que a falta de poderio ofensivo fosse a explicação para a passividade dos capitães diante do levante, embora também não tenha descartado a possibilidade de que as autoridades militares tenham evitado desagradar aos moradores que viviam nas proximidades do aldeamento. É provável que as duas possibilidades fossem realidade, afinal o aldeamento de Reis Magos possuía a defesa do território como um de seus principais objetivos e representava uma ameaça militar respeitável. Desse modo, possíveis alianças entre as autoridades militares e os colonos devem ter influído na conivência quanto à revolta.

Os rumos da revolta são nebulosos, mas é certo que ela ainda acontecia até 1755, quando notícias dão conta de sua continuidade. O conflito chegou a ser contido antes de 1759, já que neste ano há relatos que apontam para a expulsão dos missionários jesuítas do aldeamento, confirmando que eles tinham regressado. Mesmo assim, a resolução não parece ter implicado na punição dos indígenas, já que dois indígenas da família Rocha testemunharam na devassa de 1761 e naquela altura ocupavam cargos na administração do antigo aldeamento de Reis Magos, convertida em Vila Nova de Almeida a partir do “Diretório dos Índios”. Seja como for, a revolta representou um episódio importante na luta dos indígenas aldeados por maior autonomia diante da tutela jesuítica.   

(Luís Rafael Araújo Corrêa, Professor efetivo do Colégio Pedro II e coordenador de História do campus Duque de Caxias. Autor de artigos e livros sobre História Indígena, como Feitiço Caboclo: um índio mandingueiro condenado pela Inquisição e Insurgentes Brasílicos: uma comunidade indígena rebelde no Espírito Santo colonial.)

Antecedentes

O relacionamento conflituoso entre aldeados e missionários no aldeamento de Santo Inácio de Reis Magos, estimulou a insatisfação dos indígenas em relação ao regime de tutela imposto pela Política de Aldeamentos e a busca por maior autonomia. Aliado a isso, a revolta indígena em Reritiba que desembocou na fundação da comunidade de Orobó, foi uma notícia que influenciou uma ação mais confiante dos revoltosos.

Conjuntura e contexto

Na metade do século XVIII, a Companhia de Jesus dominava importantes setores da economia do sul capixaba como a pesca, a pecuária, o corte de pau-brasil e a exploração de madeira para a construção naval, sendo os indígenas aldeados os responsáveis por todo esse trabalho. Além disso, naquela época o aldeamento fornecia mão de obra indígena às primeiras entradas que buscavam pedras preciosas. Os missionários, se esforçaram para sedentarizar os indígenas e aprenderem a língua da terra com intuito de melhorar a comunicação com os nativos, assim facilitando a evangelização.

Grupos sociais

Autoridades

Lideranças

Ações de protesto violentas

  • Expulsão dos jesuítas

Repressão

Instâncias Administrativas

  • Capitão-mor
  • Governador da Capitania

Bibliografia Básica

CORRÊA, Luís Rafael Araújo. Insurgentes Brasílicos: uma comunidade indígena rebelde no Espírito Santo colonial. Jundiaí: Paco Editorial, 202, pp.369-377.

ALMEIDA, Maria Regina e MOREIRA, Vânia Maria. Índios, moradores e Câmaras Municipais: etnicidade e conflitos agrários no Rio de Janerio e no Espírito Santo (séculos XVIII e XIX). Mundo agr. 2012, vol.13, n.25

Fontes impressas

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda Viagem ao interior do Brasil. Espírito Santo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936.

Arquivos e fontes manuscritas

AUTO DE DEVASSA feito pelo comissário do Santo Ofício e vigário colado da igreja de Nossa Senhora da Conceição da vila de Guarapari, Bispado do Rio de Janeiro, Antônio Esteves Ribeira, ao procedimento, vida e costumes dos religiosos da Companhia de Jesus na comarca do Espírito Santo. 1761. AHU-ACL, CU-003, Cx. 17, D. 1530.

OFÍCIO do governador José Antonio Freire de Andrade, sobre as providências que adotara para evitar a fuga dos índios das suas Aldeias. 1755. AHU. Rio de Janeiro, cx. 79, doc. 18291-98.

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