Revoltas

Motim de marujos no navio mercante do capitão Loureiro

Capitania Real do Rio de Janeiro (1567 – 1821)Oceano Atlântico | Rio de Janeiro

Início / fim

31 de maio de 1783 / 27 de agosto de 1783

Data aproximada
“Entrada da baía do Rio de Janeiro", gravura de Eugênio Rodrigues (1857) - Disponível em: David Rumsey Map Collection

No dia 14 de abril de 1783, o capitão Luís Ventura Loureiro zarpou a bordo do navio Nossa Senhora da Piedade e São Boaventura em direção ao porto de Maurícia (Ilhas Maurício), onde iria fazer uma escala e partir para Goa para negociar compras e vendas de terras na Angola e na América portuguesa. No meio da viagem, parte da tripulação começou a questionar sua autoridade e as condições de trabalho do navio, em especial o primeiro piloto João dos Santos Rodrigues, que liderou diversos episódios de desobediência ao capitão. Os amotinados planejavam desviar o curso do navio para a Bahia, onde iriam depor Loureiro, mas o próprio capitão os convenceu que não havia suprimentos para tal e que teriam de aportar no Rio de Janeiro. No dia 10 de agosto, o navio chegou ao porto carioca e cinco marinheiros foram presos. Poucos dias depois, o capitão Loureiro foi até o ouvidor-geral relatar o acontecido e de lá saiu com 6 novos marinheiros para garantir a ordem pelo resto da sua viagem.

O primeiro sinal de problema no navio ocorreu no dia 31 de maio, quando o primeiro piloto e o despenseiro começaram a discutir, pois o primeiro acusava o segundo de estar roubando suprimentos. A discussão quase iniciou uma peleja, mas o capitão interveio apoiando o piloto, alegando-o que qualquer desacato à sua pessoa deveria ser notificada, pois ele mesmo (capitão) trataria de puni-las. Rodrigues respondeu que não era criado de Loureiro e que puniria quem bem entendesse, incentivando os outros tripulantes a fazerem o mesmo. Isto lhe rendeu uma prisão em seus aposentos.

Isso era um sinal de que as coisas não iam muito bem, o navio partiu de Lisboa e iria fazer uma escala no porto das Ilhas Maurício, com destino final no porto de Goa, Índia. Seu principal objetivo era negociar compras e vendas de fazendas na América Portuguesa e Angola, através da procuração dos donos do navio, os irmãos Francisco e Antônio da Silva Lisboa.

Outro episódio de desordem, cuja data não é precisa, ocorreu quando o mancebo Manoel José de Freitas espancou o sobrinho do contramestre. O mancebo Bernardo Pires se recusou a prender seu colega por ordem do capitão que sacou uma faca e se levantou contra a ordem. O condestável e o guardião do navio se mantiveram do lado de Loureiro e em conjunto prenderam os revoltosos Pires e Freitas.

Os ânimos no navio estavam acirrados, mas Ventura Loureiro procurou baixá-los e propôs uma trégua com o piloto. O capitão o soltaria e tudo seria esquecido, mas o piloto Rodrigues simplesmente se recusava a sair por mais que o capitão ordenasse sua libertação. Enquanto estava preso em seu quarto, o cabeça conversava com outros marinheiros e os recrutava para sua causa, conjurando pela morte do capitão.

No dia 4 de junho, Ventura Loureiro escreveu uma carta ao primeiro piloto ordenando que saísse de seus aposentos e parasse de planejar motins com outros tripulantes, mas Rodrigues era resiliente e respondeu que apenas os legisladores poderiam julgar seu caso e que sua prisão lhe custaria “um par de mil cruzados”. No mesmo dia, o guardião informou ao capitão que parte da tripulação conversava sobre ir à Câmara pedir a soltura do primeiro piloto. 

Ventura Loureiro também mandou soltar Manoel de Freitas e declarou que iria colocar Bernardo Pires na cadeia assim que firmasse os pés em terras portuguesas. É possível inferir que o capitão já estivesse com problemas de navegação, pois o segundo piloto também apoiava o motim, e o relato menciona que foram preciso sete ordens para que fosse dado rumo à embarcação.

No dia 14 de junho, Ventura Loureiro ordenou que José Ventura Montano convencesse o primeiro piloto a voltar a trabalhar, prometendo perdoar as desobediências passadas. Montano demorou dois dias para convencer Rodrigues sob a condição de que o capitão anularia o 1° termo do termo de juramento.

Uma vez solto, o piloto mudou sua estratégia para forçar um desembarque na América. Isto se confirmou no dia 15, quando os dois pilotos alegaram que uma pipa de água com cheiro estranho estava podre. Estas afirmações, todavia, se chocaram com a análise dos dois cirurgiões a bordo do navio. Rodrigues insultou o primeiro cirurgião e ao segundo apresentou um vaso de água da chuva tentando convencê-lo de mudar sua análise para que fossem obrigados a atracar na América. O capitão ordenou que os cirurgiões analisassem duas bilhas dessa água, e ao final de dois dias chegaram a conclusão que a água estava boa.

O primeiro piloto então convenceu seus partidários que Ventura Loureiro estaria lhes roubando parte da ração de carne e um motim ocorreu, mas o capitão conseguiu negociar e determinou a mesma quantidade de carne que era dada nos navios reais, o que pareceu acalmar os revoltosos. Rodrigues não ficou feliz com o resultado e convenceu os mesmos que somente o rei poderia obrigá-los receber rações, então os amotinados jogaram cerca de cinco rações ao mar. Na mesma tarde o segundo piloto Manuel Pirez da Cruz e o praticante Januário Lopez foram a público convencer os mancebos a não trabalharem sob a justificativa que o capitão não os alimentavam direito, esta ação foi repreendida pelo capitão, que conseguiu reunir alguns marinheiros ainda leais para continuarem a trabalhar no navio.

No dia 3 de julho Ventura Loureiro começou a suspeitar que o navio estava sendo direcionado para o caminho errado, quando foi informado que passavam próximo a costa Malagueta (costa oeste da África). No dia seguinte, o capitão reuniu os oficiais e descobriu, por meio de Manuel da Cruz, que desde o dia 31 era o primeiro piloto que dava rumo à embarcação. O capitão tentou se reconciliar com o primeiro piloto, mas uma discordância nos termos do juramento impediu sua colaboração. Uma vez que parecia impossível negociar com Rodrigues, Ventura Loureiro propôs ao segundo piloto que trabalhasse com um terceiro piloto e que recebesse mais dinheiro. Este, no entanto, continuava leal ao cabeça da revolta, afirmando que não trabalharia com alguém que não conhecesse as índias.

O capitão se viu obrigado a perguntar aos dois praticantes amotinados para onde pretendiam levar o navio e estes o responderam que o levariam para a Bahia. O plano era vender os bens do navio no porto e depor o capitão, pois eram amigos do governador e não seriam presos. Ventura Loureiro argumentou que não havia suprimentos suficientes para fazer um retorno até a Bahia e que precisavam aportar no Rio de Janeiro. 

No dia seguinte o capitão acordou com parte dos tripulantes comandada pelo segundo piloto, armando uma equipagem de ré para realizar uma manobra, cuja finalidade não foi informada ao capitão. Ventura Loureiro ordenou que parassem, enquanto o primeiro piloto gritava que os tripulantes continuassem. A solução foi prender o segundo piloto e proibir qualquer comunicação com os prisioneiros. A medida parece ter funcionado, uma vez que não houve qualquer outra agitação até a chegada no Rio de Janeiro no dia 10 de agosto.

Cinco dos amotinados foram presos na chegada, os dois pilotos, dois praticantes, Januário Lopes e Francisco Gonçalves, e um mancebo, provavelmente Bernardo Pires, além disso, uma devassa foi aberta pelo Ouvidor-Geral do crime Antônio José Cabral de Almeida. No dia 27 do mesmo mês, o ouvidor-geral forneceu a Ventura Loureiro sete novos tripulantes militares para que a ordem fosse mantida, mas este precisaria pagar seus soldos dobrados. No dia 29, o navio Nossa Senhora da Piedade e São Boaventura zarpou em direção ao seu destino original. Os prisioneiros foram mandados para a cadeia do Limoeiro em Lisboa no dia 12 de junho de 1784 por ordem do vice-rei. 

 

(Eduardo Chu, graduando no curso de História da UFF e pesquisador do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ -CNE/2018-2021)

Antecedentes

O experiente capitão Loureiro negociou o uso do navio com os irmãos Silva e organizou uma viagem até o oriente. Lá ele iria conduzir o negócio de compra e venda de fazendas a serem revendidas em Angola e na América portuguesa em nome dos irmãos.

Números da Revolta

Aproximadamente 1 mês e 27 dias de duração
entre 18 e 23 participantes
5 condenados

Grupos sociais

Autoridades

Lideranças

Réus e Condenados

Ações de protesto não-violentas

  • Desobediência
  • Negociações e acordos de paz
  • Reuniões em lugares privados
  • Sabotagem de Suprimentos

Repressão

Contenção

  • Negociações e acordos de paz
  • Prisões

Punição

  • Demissão/Desligamento de cargos

Instâncias Administrativas

  • Ouvidor-Geral do Crime
  • Tribunal da Relação RJ

Bibliografia Básica

RODRIGUES, Jaime. CONVERSAÇÕES OCULTAS E CONVENTÍCULOS: O MOTIM A BORDO DE UM NAVIO MERCANTE PORTUGUÊS NO SÉCULO XVIII. REVISTA OUTRAS FRONTEIRAS, Cuiabá, v. 7, n. 1, p. 390-405, Jan/Jul 2020.

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