Revista Impressões Rebeldes

REBELDES CONTRA-ATACAM

Após reprimir violentamente a Revolução Pernambucana em 1817, o governador Luís do Rego Barreto foi alvo de um novo ataque, orquestrado pelos mesmos rebeldes que ele havia enfrentado.

Retrato do General Luís do Rego Barreto (1777-1840), governador de Pernambuco que renunciou ao cargo em 1821 assombrado pela Revolução que aconteceu três anos antes. Fonte: Wikimedia Commons.

Andrey Borges Bernardes

Andrey Borges Bernardes é professor de História no Instituto Federal do Sertão Pernambucano, campus Ouricuri. Mestre em Educação na Universidade de Pernambuco (UPE).

Próximo da meia-noite do dia 21 de julho de 1821, o governador e capitão-geral de Pernambuco, Luiz do Rego Barreto, passava pela Ponte da Boa Vista, em Recife, acompanhado de três oficiais. João de Souto Maior, vestido com um capote, sob o qual escondia um bacamarte (antiga arma de fogo), esperava pela passagem do grupo. Quando achou oportuno, disparou com o intuito de matar o governador, ferindo-o no ombro e no braço direito. Perseguido, saltou no rio Capibaribe e, ao tentar escapar a nado, foi golpeado com uma vara por um canoeiro que ali estava, afogando-se. O motivo do atentado não era passional, nem tampouco uma desavença pessoal, era um desdobramento, em Pernambuco, das lutas constitucionalistas e pela independência que vinham sendo travadas na América desde o começo do século XIX.

Quem narra o episódio é Francisco Muniz Tavares, deputado constituinte em 1823, primeiro presidente e cofundador do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco. Assim como João de Souto Maior, ele havia participado da Revolução de 1817, que resultou na Proclamação de uma República independente e sustentou um governo provisório por quase três meses, sendo derrotada pelas forças militares do Reino de Portugal, Brasil e Algarves. Muniz Tavares, João de Souto Maior, seus dois irmãos e mais centenas de patriotas, como se denominavam, foram presos por seu envolvimento na Revolução, tendo sido a maior parte deles enviada para os cárceres na Bahia, enquanto as lideranças foram executadas, tendo suas cabeças e mãos cortadas e expostas em locais públicos. Quem presidiu a comissão militar responsável por ordenar a execução destas lideranças, e que também se responsabilizou pela repressão imposta sobre os republicanos, foi ninguém menos que Luiz do Rego Barreto, nomeado governador e capitão-geral de Pernambuco logo após a derrubada do governo provisório.

O desfecho trágico da Revolução, no entanto, não representou o fim da luta contra as monarquias absolutistas em Pernambuco, nem tampouco no mundo. Em 1820, estourou na Espanha e, posteriormente, em Portugal novos movimentos constitucionalistas e liberais. No caso português, a chamada Revolução do Porto se espalharia rapidamente pelo país e logo seria organizada uma Junta Provisional de Governo, bem como as chamadas Cortes de Lisboa, que teriam a responsabilidade de escrever uma Constituição para todo o reino e que exigiram o retorno imediato de D. João VI para a península, além de demandar do rei que jurasse a Constituição.

A notícia chega à América causando estardalhaço. As províncias do reino do Brasil passam a organizar juntas governativas e, em muitos casos, a depor os governadores e capitães-gerais nomeados pelo monarca. Ao mesmo tempo organizavam eleições para selecionar os deputados das províncias brasilianas, como dizia-se à época, que seriam enviados para compor as Cortes de Lisboa. Em 10 de fevereiro de 1821, por exemplo, após a deposição do governador da Bahia, organiza-se nesta província uma Junta Provisória que proclama sua adesão à assembleia constituinte. Imediatamente, o desembargador do Paço, Bernardo Teixeira, designado para julgar os envolvidos na Revolução de 1817 em Pernambuco, renuncia ao cargo e retorna à Portugal, episódio que levou à soltura de vários presos políticos que voltaram à sua terra natal. Dentre eles, estava João de Souto Maior.

Luiz do Rego Barreto, evidentemente, estava à par dos acontecimentos na província vizinha a Pernambuco e temia ter o mesmo destino que seu colega governador da Bahia. Por isso, se adiantou estrategicamente e tentou conduzir a revolução liberal para não ser por ela derrubado. Em março de 1821, fundou e publicou o primeiro periódico de Pernambuco, a Aurora Pernambucana, cujo número de estreia saiu no dia 27, uma terça-feira. O editorial já afirmava que os ventos liberais e constitucionais que sopravam desde as Cortes de Lisboa, fariam a pátria renascer das cinzas, unindo “o nome glorioso de cidadão, junto ao de vassalo” fazendo aparecer outra vez os “feitos brilhantes practicados por Heroes Portugueses”. Tendo sido o carrasco dos revolucionários liberais e republicanos de 1817, Luiz do Rego Barreto agora agia como um liberal defensor do constitucionalismo.

Além de declarar adesão às Cortes de Lisboa, Barreto se põe à frente da organização de uma Junta Provisória e das eleições para selecionar os deputados pernambucanos que seriam enviados à Portugal. Entre março e julho, tenta estruturar esta Junta e conduzir a opinião pública em seu periódico, enquanto os sete deputados eleitos por Pernambuco se dirigem para Lisboa; foram os primeiros representantes das províncias do Brasil a tomarem assento nas Cortes. Contra a postura do governador, atacando a quem chamavam de traidor da nação, muitos dos liberais republicanos que voltavam da prisão na Bahia acreditavam que a Junta organizada pelo governador não era legítima. Talvez fossem essas tensões políticas em torno do constitucionalismo, agravadas pela iminência da independência que podiam ser pressentidas a partir do que vinha acontecendo em toda a América, que ocupavam o pensamento de Luiz do Rego Barreto naquela noite de 21 de julho, enquanto atravessava a Ponte da Boa Vista.

Após o atentado, Barreto teve certeza de que os republicanos, patriotas e recém-libertos dos presídios baianos queriam vê-lo fora do caminho, tramando contra sua vida. A repressão que se abateu sobre eles foi tremenda. 42 pessoas foram presas arbitrariamente e enviadas para Lisboa para serem julgadas pelas Cortes segundo pedido de Barreto, além de uma dezena de pessoas degredadas para a ilha de Fernando de Noronha. Os presos chegaram a Portugal no final de agosto, mais ou menos no mesmo momento em que os deputados de Pernambuco iniciavam seus trabalhos. Dentre os deputados eleitos estava Francisco Muniz Tavares, mencionado anteriormente, que, surpreso ao ver seus companheiros chegarem presos à Lisboa, defende-os enfaticamente, exigindo que sejam soltos e que a Junta Provisional de Governo e as Cortes de Lisboa emitissem uma ordem para a retirada de Luiz do Rego Barreto do cargo, demandando seu retorno para Portugal. O pedido foi acatado unanimemente pelos deputados, que temiam que esse episódio gerasse mais animosidade e desconfiança entre os representantes do reino de Portugal e os do Brasil, que, com exceção dos pernambucanos, nem sequer haviam chegado à península para tomar assento da Assembleia.

Mas esta decisão das Cortes se mostraria desnecessária, pois Barreto renunciaria por conta própria antes mesmo de receber qualquer ordem. Assim como Muniz Tavares, outros revolucionários de 1817 se sentiam com mais direito de organizar a Junta Provisória do que o governador, visto como um oportunista. Além disso, sentiam que sua afinidade ideológica com a Revolução do Porto era evidente, como atestavam os princípios da luta de 1817. Não reconhecendo a Junta organizada pelo governador, paralelamente se organizou uma outra Junta em Goiana, presidida por Francisco de Paula Gomes dos Santos, mais um dos revolucionários. Enquanto a Junta do Recife era presidida pelo governador e se declarava fiel ao rei e à Constituição, a Junta de Goiana não admitia defensores do rei e aliados de Barreto, ao passo que também declarava aderir às Cortes de Lisboa.

A disputa política acabaria em enfrentamento militar. O conflito só foi resolvido em 5 de outubro de 1821 com a Convenção de Beberibe, ocasião em que as duas juntas concordaram em se unir até a formação de uma Junta Provincial, que seria escolhida através de uma eleição realizada por membros das câmaras de Olinda, de Recife e de Goiana, marcada para o dia 26 de outubro. Após a Convenção de Beberibe, reconhecendo a perda de controle da situação e o aumento da instabilidade em todo o reino, Luiz do Rego Barreto renuncia ao cargo e retorna à Portugal.

Embora o atentado contra a vida do governador tenha sido parte do complexo processo de independência do Brasil, ainda não estava claro, naquele momento, qual seria o projeto político viável para os dois reinos, nem tampouco qual seria a forma de contornar as crescentes animosidades entre peninsulares e brasilianos, republicanos e monarquistas, constitucionalistas liberais e absolutistas empedernidos. A independência do Brasil ainda demoraria a ser consumada.

Bibliografia Básica

LIMA, Oliveira. O movimento da independência (1821-1822). Cayeiras; São Paulo; Rio de Janeiro : Comp. Melhoramentos de São Paulo, 1922.
PIMENTA, João Paulo. La independencia de Brasil y la experiencia hispano-americana (1808-1822). Santiago: Dirección de Bibliotecas, Archivos y Museos, 2017.
TAVARES, Francisco Muniz. História da Revolução de Pernambuco em 1817. 5ª ed. Recife: Cepe, 2017.

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