Rebeldes / Personalidade

Maria da Cruz

  • Capitania de Minas Gerais (1720 – 1821)

Biografia

Nascida nas primeiras décadas de 1700 na freguesia da Vila do Penedo do Rio São Francisco, Maria da Cruz esteve envolvida num conjunto de protestos que sacudiu o sertão da Capitania de Minas Gerais entre os meses de março e agosto de 1736. Mulher branca de condição livre, casou-se na “forma da Igreja” com o paulista Coronel Salvador Cardoso. Mas, na época da revolta, ela era viúva, mãe de seis filhos e moradora do Arraial das Pedras, situado às margens do Rio São Francisco. 

Maria da Cruz foi descrita como uma das “principais cabeças” dos tumultos. Ela participou ativamente liderando o levante, trocando cartas com informações e orientações entre os rebeldes. Um dos episódios registrados foi a reunião da Dona do sertão na casa do ferreiro Francisco de Souza onde escreveu carta a Domingos do Prado, outro potentado local, para determinar o momento da primeira ação rebelde. Depois dessa sublevação a revolta se espalhou. Francisco de Souza, morador no Brejo do Salgado e o principal agitador dos motins do sertão era grande “confidente” de Dona Maria da Cruz. Também seu filho, Pedro Cardoso, foi acusado de ter exercido a função de “procurador do povo levantado”, enquanto seu cunhado, Domingos do Prado, teria recrutado uns 500 índios flecheiros para lutar na revolta. Teodósio Duarte, pessoa de confiança de Pedro Cardoso e feitor da fazenda de Maria da Cruz tinha o posto de “governador das armas” dos amotinados.

Outros membros da elite local como comerciantes, padres, militares, e ainda escravizados e forros, estes considerados na época como subalternos, também estiveram envolvidos nos conflitos. A maior queixa dos potentados sertanejos era contra sua obrigatoriedade no pagamento do quinto, sob a forma de capitação, instituída em 1735. O direito régio previa a taxação anual de um valor fixo a ser pago pelos senhores por cada escravo, sem que a nova forma de cobrança diferenciasse os proprietários cujos escravos se dedicavam a atividades agrícolas daqueles que se ocupavam de minerar. Já estabelecida nas regiões auríferas, as resistências em relação à cobrança do quinto vieram em 1736 de uma região onde não se tirava ouro, pois a base da economia era a criação de gado e o comércio.

Maria da Cruz foi presa no ano de 1737, em Brejo do Salgado, conduzida à cidade de São Romão e depois levada para a cadeia de Vila Rica. Pedro Cardoso, seu filho, também foi detido, chegou a “ser condenado à morte em cinco dias”. Porém, Martinho de Mendonça, queixando-se da “tão aparentada e tão mal segura” cadeia de Vila Rica, preferiu levar Maria da Cruz e seu filho para o Rio de Janeiro, certamente onde haveria uma “prisão mais segura”. Pouco tempo depois, em novembro de 1738, foram transferidos para a cidade de Salvador. Segundo consta em fontes de época, Maria da Cruz sofreu muitas perdas com a sua prisão, chegando a viver de “esmolas” quando esteve presa em Vila Rica; no Rio de Janeiro teria lhe socorrido um bispo e na cidade de Salvador tinha ajuda do seu genro. 

Ela e seu filho foram julgados pelo Tribunal da Relação da Bahia. Pedro Cardoso foi degredado para o Rio Sene, em Moçambique, na África. Maria da Cruz foi considerada culpada pelo “levantamento do povo do Rio São Francisco” e sentenciada em “cem mil réis para as despesas da Relação e em seis anos de degredo para um dos lugares da África”. Entretanto, em abril de 1739, recebeu uma carta de perdão do Rei D. João V. Apesar de sua carta de perdão informar que seus bens haviam sido confiscados, Maria da Cruz, garantiria, em maio de 1745, uma carta de sesmaria sendo “senhora e possuidora de uma fazenda chamada Capão, situada no sertão do Rio São Francisco”. Trata-se de outra dádiva real, comum na época, onde ela recebia o direito de cultivar sua terra com extensão de três léguas e meia. A propriedade era vizinha a do seu filho, padre Manoel Cardoso. A clemência e as mercês régias eram uma das estratégias daquele período que garantiam um bom governo e que, passado o período de conflitos, permitiram também que os braços do poder real fossem estendidos até o sertão.

Em 1753, Maria da Cruz esteve envolvida nos festejos da Semana Santa no arraial de Morrinhos, localidade próxima de sua propriedade. Depois de presa, julgada e perdoada conseguiu voltar para suas terras vivendo ainda mais alguns anos até sua morte em 1760, deixando entre as suas últimas vontades o desejo do término da construção da capela de Nossa Senhora da Conceição das Pedras, onde morava. 

A rebelde hoje tem seu nome homenageado na cidade de Pedras de Maria Cruz, antigo arraial das Pedras, município norte mineiro situado às margens do Rio São Francisco, fundado em 27 de abril de 1992. A Cachaçaria Nacional, produz a cachaça Maria da Cruz, assim como no restaurante Cozinha Santo Antônio em Belo Horizonte, a chef e historiadora Juliana Duarte criou um prato em homenagem a ela. Na cidade de Matias Cardoso, norte de Minas, o Dia dos Gerais que acontece no dia 8 de dezembro de cada ano, condecora o “Civismo e a Consciência dos Gerais”, com as medalhas Maria da Cruz e Mathias Cardoso entregues a personalidades.

Assim como Chica da Silva, Dona Beja, Dona Joaquina de Pompéu, Tiburtina e outras, a rebelde se insere no conjunto de mulheres míticas mineiras que povoam o imaginário coletivo. Guimarães Rosa fez menção a ela  e ao seu filho no clássico Grande Sertão Veredas, criando  um de seus personagens que era “bisneto de Pedro Cardoso, transneto de Maria da Cruz”. Mulher de “têmpera varonil”, mas também de “natural doçura”, assim definiu o escritor Diogo de Vasconcelos, lhe atribuindo a responsabilidade pela “civilização” do sertão. 

Nos contos e causos à beira do Rio São Francisco pouco se fala do seu maior feito, a participação nos protestos de 1736, já que é mais lembrada por sua maldade e pelo hábito de enterrar seus escravos vivos. São representações contraditórias, alimentadas pela cultura oral, muito comuns em relação à personagens que se destacaram na história. No entanto, ainda que os conflitos entre história e memória persistam e continuem a alimentar o mito, na pena da justiça colonial, Maria da Cruz foi mesmo uma revoltosa. 

(Alexandre Rodrigues de Souza, professor da Universidade Estadual do Paraná e  autor da dissertação A “DONA” DO SERTÃO: mulher, rebelião e discurso político em Minas Gerais no século XVIII (UFF, Niterói, 2011).)

 

 

Fontes de referência para esse texto:

BOTELHO, Ângela Vianna; ANASTASIA, Carla. D. Maria da Cruz e a Sedição de 1736. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.

CANABRAVA, Lívia Rodrigues. As várias faces de um mito: D. Maria da Cruz entre histórias, memórias e narrativas. 164 f. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Estadual de Montes Claros, 2016.

FAGUNDES, Giselle; MARTINS, Nahílson. Alvará de Perdão concedido a Dona Maria da Cruz, Viúva. Montes Claros, s.ed. 2006.

SOUZA, Alexandre Rodrigues de. A “Dona” do sertão: mulher, rebelião e discurso político em Minas Gerais no século XVIII. 165 f. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011. 

Nascimento

1700Data atribuída
Capitania de Minas Gerais (1720 – 1821)

Revolta

Motins do Sertão

Origem Étnica

Condição Social

Profissão/Ocupação

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