AHU/Conselho Ultramarino, Rio de Janeiro, Caixa 122, doc. 9875
A região do Atlântico sul participava ativamente do comércio entre Portugal e o oceano Índico, fonte econômica importante para o Império português. Ao longo do século XVIII, os navios mercantes que circulavam nesta e em outras regiões se constituíram como palco de resistência de marinheiros que enfrentavam difíceis condições de trabalho e severas punições, sendo considerados indisciplinados pelos oficiais a bordo.
“fazendo conversasoens ocultas e conventiculos dentro no seu camarote passavam estes a fomentarem e induzirem aos mossos mancebos e marinheiros do dito Navio a que praticassem as mesmas desobediencias, os quais como pessoas rusticas e pouco cordatas assentaraõ a por em pratica a execuçaõ,”
“pouco lhe importavaõ as ordens do mesmo Capitaõ”
“o mesmo Pilotto a zombar fazendo [fl.3] perguntas picantes, praticando esta desobediencia alem de outras que já antes disto sugeria e insinuava a alguns marinheiros do dito Navio, dizendo lhe que cazo o dito Capitaõ mandasse fazer-lhes algum castigo o naõ recebessem”
“os ditos Pilottos blazonavaõ que na Bahia tinhaõ o Excelentissimo Governador da sua parte [fl. 8] e que hera terra em que tudo se acabava com dinheiro, ficando nas mayores dezesperaçoens por se lhe destinar o Porto desta cidade”
Tratando-se de uma averiguação dos fatos típica de um processo de devassa, o ouvidor colhe testemunhos a respeito do motim a fim de instruir o processo criminal. Os depoimentos, dentre eles o do capitão, contam o que se passou, as razões e o envolvimento objetivo de cada um.
A intensificação das normas de controle, divisões e hierarquias do trabalho a bordo, em nome da garantia de viagens bem executadas, culminou em episódios diversos de tensão em navios. A devassa tirada pelo Ouvidor geral do Crime Antônio José Cabral de Almeida retrata em detalhes um desses episódios, ocorrido em 1783 no navio Nossa Senhora da Piedade e São Boaventura. Após narrar as condições em que a embarcação chega no porto do Rio de Janeiro, são descritos os momentos de tensão vividos entre capitão e marujos. A figura do primeiro piloto João dos Santos Rodrigues Silva é destacada como a de liderança e o motivo do motim é atribuído mais a ele e a sua rebeldia que de fato às condições degradantes de trabalho a que eram submetidos os marujos.
"requerimento"
"desordem"
"pouco respeito"
“palavras insultantes”
"desobediência"
“castigo”
"conversações ocultas"
“conventículos”
"insultados"
“motim”
"revulsões"
"protestos"
"devassa"
Motim de marujos no navio mercante do capitão Loureiro
Antônio José Cabral de Almeida
Ouvidor geral do crimeAntônio José Cabral de Almeida e Pedro Henrique da Cunha
EscrivãoAHU/Conselho Ultramarino, Rio de Janeiro, Caixa 122, doc. 9875
RODRIGUES, Jaime. Conversações ocultas e conventículos: o motim a bordo de um navio mercante português no século XVIII. Revista Outras Fronteiras, Cuiabá, vol.7 n1, jan/jul 2020, p.398-405.
Antônio José Cabral de Almeida, Array, , "DEVASSA DE MOTIM A BORDO DO NAVIO NOSSA SENHORA DA PIEDADE E SÃO BOAVENTURA". Impressões Rebeldes. Disponível em: https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/documento/devassa-de-motim-a-bordo-do-navio-nossa-senhora-da-piedade-e-sao-boaventura/. Publicado em: 31 de maio de 2022.