Revoltas

Revolta do Maneta

Capitania da Bahia de Todos os Santos (1534 – 1821)Salvador

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17 de outubro de 1711 / 19 de outubro de 1711

Câmara Municipal de Salvador, palco do conflito - Foto: Maiana Belo/G1

No dia 17 de Outubro de 1711 uma multidão enfurecida invade a sessão da Câmara Municipal de Salvador pedindo a suspensão dos impostos que incidiam sobre as mercadorias, os escravizados e o sal. O apelo se dirigia ao governador Pedro de Vasconcellos e Souza, mas não foram atendidos. Depois de dois dias, a 19 de outubro, o juiz do povo conclama a população a se manifestar novamente na praça da Câmara Municipal. Neste momento, um comerciante graúdo da cidade, João Figueiredo da Costa, juntamente com soldados, invade a residência de Manuel Dias Filgueiras, o contratador do sal e um dos responsáveis pelo aumento de impostos. O juiz do povo então negocia com o governador a suspensão dos impostos e o perdão dos envolvidos na revolta. O governador, recém-empossado, resolveu então atender a todas as demandas. No ano seguinte, em 1712, o Conselho Ultramarino, em decisão unânime, resolve revogar o perdão concedido pelo governador, condena os revoltosos e acaba por abolir a função de juiz do povo na Bahia. A “Revolta do Maneta” leva esse nome em alusão ao seu principal líder, João Figueiredo da Costa, conhecido pela alcunha de Maneta. 

A Revolta do Maneta foi uma das revoltas anti fiscais que ocorreram no Brasil Colônia. Ela acontece na capitania da Baía de Todos os Santos – hoje, Estado da Bahia – que detinha  uma grande relevância econômica e administrativa. A capitania em questão possuía portos, o que tornava ainda mais intenso o fluxo de pessoas, mercadorias e dinheiro. Nas últimas décadas do século XVII, ela já havia passado por diversas instabilidades sociais em decorrência do aumento de impostos, por exemplo.

Devido às invasões que ocorreram no nordeste pelos holandeses no século XVII, e mais recentemente no Rio de Janeiro pelos franceses em 1710 e em 1711, era necessário manter o financiamento militar da colônia. Por conta disso, em 1711, foi anunciado pelo governador e capitão geral dom Pedro de Vasconcelos e Souza o aumento do valor de impostos, determinado por uma carta régia. Foi adicionado 10% sobre as mercadorias importadas, o valor do sal que estava em 480$ réis subiu para $720, com a justificativa de custear a segurança, e ocorreu um aumento de quartéis e do policiamento das águas na costa brasileira, evitando invasões piratas e de frotas estrangeiras. 

Diante disso, na manhã do dia 17 de Outubro de 1711, uma multidão enfurecida invade a sessão da Câmara da Cidade de Salvador, pedindo a suspensão do aumento de impostos sobre mercadorias e escravos, além do aumento do preço do sal. Para intermediar a negociação entre o povo e o governador, o juiz do povo, Cristóvão de Sá e o chefe dos mesteres (como eram chamados na época os ofícios mecânicos) Domingos Vaz Fernandes resolveram então iniciar os acordos com o novo governador Pedro de Vasconcellos e Souza, para que o aumento dos impostos fossem reduzidos. As negociações percorreram durante o dia 17 de outubro, mas sem avanços.

Depois de dois dias, em 19 de outubro, o juiz do povo conclama a população a se manifestar na Câmara novamente. Tocando de forma incessante o sino, a população avança em frente à câmara, reiniciando assim os protestos. A essa altura, o governador opta por combater a revolta com o uso de força militar e convoca seus homens para reprimir as manifestações.  O elevado número de pessoas engajadas no protesto, que contava ainda com a presença de soldados, desencorajou o governador a tomar tal medida.

Logo após esses acontecimentos, os oficiais militares liderados pelo comerciante João Figueiredo da Costa, conhecido pela alcunha de “Maneta”, seguem para a casa do contratador de Sal, Manoel Dias Filgueiras – que não estava em sua residência naquele momento – localizada atrás da Igreja da Ajuda,  invadem sua residência, destroem e saqueiam mercadorias e jogam seus móveis pela janela. Manoel Dias Filgueiras era um dos responsáveis por negociar o aumento nos impostos, além de estar envolvido em trazer para a Bahia, o Paço da Madeira, que servia como uma casa arrecadadora de mercadorias e impostos, o que inflamou a cólera dos manifestantes e dos comerciantes locais.  Não somente a casa do contratador de sal é atacada, os revoltosos fazem o mesmo com a residência de seu sócio, Manuel Gomes Lisboa. Além disso, os manifestantes também invadem outras residências de homens de negócios motivados por um pasquim afixado na praça onde ocorria a revolta.

Em outra tentativa de acalmar os ânimos dos revoltosos – que demonstravam cada vez mais ímpeto em suas ações – o arcebispo da Bahia, D. Sebastião Monteiro da Vide, seria mobilizado. Como era costume na época, inclusive em outras regiões do Brasil e até mesmo na Europa, as intervenções por parte da igreja eram utilizadas como meio de apaziguar multidões revoltadas. Nesse caso, uma procissão foi realizada convocando todos a se acalmarem, exibindo símbolos sagrados. E por mais que tenha surtido efeito em um primeiro momento, logo após o final da procissão, os protestos voltaram a acontecer. O juiz do povo  negocia então com o governador a suspensão dos impostos, a manter o valor na faixa anterior de 480$ (quatrocentos e oitenta réis) e conceder o perdão desde já aos envolvidos na revolta. O governador, aconselhado por D. Lourenço de Almada, ex-governador que estava na cidade, resolve então aceitar todas as exigências impostas pelo juiz do povo: às seis da tarde do dia 19, a população se dispersa e a ordem é finalmente restabelecida. 

No dia 2 de dezembro, uma outra revolta haveria de acontecer no mesmo lugar motivado por outros interesses, e que ficaria conhecida como Revolta Patriótica, provocada  pelos moradores que tentavam obrigar o governador a enviar auxílio militar para o Rio de Janeiro invadido pelos franceses O governador Pedro de Vasconcelos e Souza resolve então instaurar uma devassa sobre o segundo motim, condenando os revoltosos. Juntamente desse mesmo motim, o Conselho Ultramarino resolveu então suspender o perdão autorizado  pelo governador à Revolta do Maneta, pois o governador não poderia tê-lo concedido. O Conselho Ultramarino, em consulta ao Rei, destaca a inabilidade do governador Pedro de Vasconcelos e Souza e diz que ele deveria ter prendido e enforcado os revoltosos da Revolta do Maneta, empregando se necessário os soldados dos Terços, armando o Palácio, o que conteria os revoltosos com força e pelo medo. Em uma carta enviada por oficiais da Câmara Municipal em abril de 1712 ao Rei, eles recomendam  a suspensão do juiz do povo, que é aceita pelo Rei em 25 de Fevereiro de 1713, extinguindo-se a função na Bahia. 

 

Laura Oliveira dos Santos, Lucas Lima Figueiredo da Silva e Peterson Mendes Paulino, graduandos em História na UNIFESP. Texto é resultado da disciplina Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão I (2022/2).

Antecedentes

Em fins do século XVII, para aplacar os gastos gerados pelo conflito contra os holandeses em Pernambuco e adjacências, os impostos aumentaram nas colônias portuguesas para a sustentação das tropas e construção de quartéis. A comunidade de comerciantes de Salvador também deveria contribuir com taxas de transporte, graças à criação da Companhia do Comércio. É nesse cenário que a resistência fiscal baiana começa a se desenhar.

Conjuntura e contexto

No final do século XVII, a capitania da Baía de Todos os Santos possuía uma população estimada em cem mil habitantes. Na região de Salvador, viviam diversos agentes representativos do sistema colonial, assim como comerciantes, padres, soldados e outros. A resistência anti fiscal em Salvador se mostra desde 1638, quando para sustentar tropas e construir quartéis, o imposto sobre produtos da população civil foi aumentado. Em 1711, com o aumento do controle régio na capitania, do preço do sal e das taxas nos portos para a compra de escravos sobre a população civil, acabou culminando nos motins do Maneta.

Grupos sociais

Autoridades

Lideranças

Ações de protesto não-violentas

  • Desobediência
  • Destruição ritual de mercadorias
  • Gritos
  • Invasão da Câmara
  • Negociações e acordos de paz

Ações de protesto violentas

  • Cerco a imóveis
  • Cerco a Palácio
  • Invasão de propriedade
  • Saques a casas e armazéns

Repressão

Contenção

  • Negociações e acordos de paz
  • Procissão religiosa
  • Promessa de perdão (ou comutação de pena)

Punição

  • Açoite e castigos público
  • Degredo / Desterro
  • Demissão/Desligamento de cargos
  • Indenização dos prejuízos causados

Instâncias Administrativas

  • Conselho Ultramarino
  • Ouvidor-Mor
  • Rei
  • Tribunal da Relação BA

Bibliografia Básica

CALMON, Pedro. História do Brasil, Volume III (Séc. XVII e XVIII) São Paulo, Livraria J. Olympio.1953. p. 992 – 996.

FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Revoltas, fiscalidade e Identidade colonial na América portuguesa: Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais (1640-1769). São Paulo: USP, 1996 (Tese de doutorado). Capítulo 2 – Da revolta popular do Maneta a revolta patriótica: Bahia, 1711. p. 71 – 122.

FIGUEIREDO, Luciano. Rebeliões no Brasil Colônia. São Paulo, Zahar, 2005.

HOLANDA, Sérgio Buarque de (Orgs). História Geral da Civilização Brasileira. 2° volume do I tomo. “A época colonial”. Administração Economia e Sociedade. Difusão Europeia do Livro. São Paulo, 1960, p. 32-33.

HYLLO, Nader de Araújo Salles. Negócios e negociantes em uma conjuntura crítica: o porto de Salvador e os impactos da mineração, 1697 – 1731. Minas Gerais: UFJF, 2014 (Tese de mestrado). Capítulo 2 – A dízima da Alfândega da Bahia.

SANTOS, Gilberto dos. A dízima da Alfândega da Bahia: Estabelecimento, forma e conflitos (1711-1720). Revista Angelus Novus, [S. l.], v. 13, n. 13, p. 93-113, 2019.

SANTOS, Gilberto dos. O Tributo de Saída dos Escravizados da Bahia para as Áreas Mineradoras na Primeira Metade do Século XVIII. São Paulo, USP 2021 (tese de Mestrado). Capítulo 1.2 – “Não queremos tributos”: o direito de saída dos escravos da Bahia para as Minas, a dízima e o motim do Maneta. p. 40 – 56.

SOUZA, Laura de Mello. 2000. “Motines, revueltas y revoluciones en la América portuguesa de los siglos XVII y XVIII.”. In Tandeter, Enrique & Lehuedé, Jorge Hidalgo (Orgs.). Historia General De América Latina: Processos Americanos Hacia La Redefinición Colonial, 459-73. Paris: Ediciones Unesco/Editorial Trotta.

SOUZA, Laura de Mello. BICALHO, Maria Fernanda. 1689-1720: O império deste mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. pp. 74 – 77.

Fontes impressas

ACCIOLI, Ignácio , AMARAL, Braz do. Memória Histórica e Política da Província da Bahia. Salvador: IOE, v. 2., 1931

DOCUMENTOS HISTÓRICOS: Consultas do Conselho Ultramarino. Rio de Janeiro –Bahia, 1721-1725. Pernambuco e outras capitanias, 1712-1716. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1952, v. 96, p. 41-53.

LAMEGO, Alberto. Os motins do Maneta na Bahia. Revista do IGHBa, v. 55,1929. p. 357

PITTA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa. Introdução e notas de Pedro Calmon. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1976.

Arquivos e fontes manuscritas

Fonte Primária

Carta dos oficiais da câmara da Bahia ao Rei. Bahia, 16 de abril de 1712. Arquivo Histórico Ultramarino, Bahia, DANI, cx. 6, doc. 118.

Fonte Primária

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