Revoltas

Revolta de moradores contra os jesuítas

Capitania de São Vicente (1534 – 1709)Vila de Piratininga

Início / fim

agosto de 1640 / 1653

"Palácio do Governo de São Paulo em 1827”, em que aparece o antigo Colégio dos Jesuítas, invadido pelos paulistas que protestavam contra a liberdade dos indígenas. Aquarela sobre papel de Jean-Baptiste Debret (1827). Coleção Aluízio Rebelo de Araújo e Ana Helena Americano de Araújo.

Em julho de 1640, os moradores da Vila de São Paulo de Piratininga se levantaram  contra os jesuítas após eles divulgarem a decisão do Papa de proibir a escravidão indígena. Como tal medida se contrapunha aos interesses dos colonos, que se utilizavam largamente da mão de obra dos nativos, eles invadiram o colégio dos jesuítas, exigindo que partissem imediatamente. Os jesuítas foram efetivamente expulsos da capitania de São Vicente no dia 3 de agosto de 1640 e só puderam retornar no dia 12 de maio de 1653, desde que atendessem  a uma série de condições, em especial, a de não publicar o Breve Papal.

Na madrugada de 13 de julho de 1640, os colonos da Vila de São Paulo se reuniram na praça, em frente ao prédio da Câmara, para ler a sentença contra os jesuítas que haviam divulgado o Breve Papal de 1639. Esse comunicado de Roma defendia a liberdade dos povos indígenas e proibia o cativeiro, fato que prejudicava os negócios dos moradores que dependiam dessa mão-de-obra. Além disso, durante o período da União Ibérica (1580-1640), as leis precisavam ser traduzidas e aprovadas pelo Conselho de Portugal para serem consideradas válidas no Brasil. Como o Breve foi publicado em espanhol, os colonos não reconheciam sua legitimidade em terras brasileiras. No dia 13, após o pronunciamento, o povo seguiu para o colégio dos jesuítas, localizado no alto de uma colina entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú (atual Pátio do Colégio, no centro da cidade), onde iniciaram os protestos contra os padres.

Amotinados no colégio dos jesuítas, os colonos exigiram a retirada imediata deles por meio de empurrões e gritos de “Bota fora! Bota fora!”. Os revoltosos acompanharam os jesuítas até a Vila de Santos, no litoral, onde a situação não se apaziguou. A Câmara declarou apoio aos colonos, efetivando a expulsão dos padres da Capitania de São Vicente em 3 de agosto. Os jesuítas saíram em barcos com direção ao Rio de Janeiro, nos quais havia mais de cem homens armados disparando tiros e tocavam tambores ao longo da rota.

Apesar do conflito ter eclodido apenas no dia 13 de julho de 1640, as atas da Câmara de São Paulo, desde o dia 2 de julho do mesmo ano já haviam notificado os jesuítas sobre a expulsão iminente. No entanto, a desobediência dos padres fez com que o povo usasse da violência para garantir que eles realmente deixassem a capitania.

Os jesuítas não foram somente expulsos, mas também tiveram seus bens confiscados. Isso significou que a administração de suas terras e aldeias, incluindo os indígenas que nelas habitavam, agora estava vaga. Em 1640 e 1641 cresceu a disputa por esses bens, tanto por parte da população de São Paulo, conforme registrado nas atas da Câmara, quanto por parte dos padres, estes recorrendo ao Conselho Ultramarino. Como se podia prever, sem a Companhia de Jesus na cidade, aumentaram os ataques e saques a essas aldeias para a captura de força de trabalho, mesmo com as leis de liberdade indígena. A Coroa também tentou, em vão, resolver a situação em São Paulo com o lançamento dos Alvarás de 30/10/1645 e de 07/10/1647 que, respectivamente, ordenava a restituição dos padres em seus colégios e concedia perdão geral aos colonos participantes da revolta. Essas ordens régias não foram acatadas pela população.

A volta dos padres só foi autorizada em 12 de maio 1653, por meio de um documento publicado pela Câmara Municipal. Nele, os camaristas reconheciam a falta que os jesuítas faziam para a administração dos povos indígenas, porém apresentavam uma série de exigências para o retorno. Os padres deveriam desistir de todas as queixas contra os colonos revoltosos, eram proibidos de apanhar os índios fugidos que pertencessem a moradores, não poderiam publicar o Breve Papal durante um tempo e os colonos que desejassem poderiam ajudar na reconstrução dos colégios.

A crise em torno da administração dos índios foi finalmente acordada em 1694 entre jesuítas e paulistas quando promulgadas as cartas régias de 26 de janeiro e 19 de fevereiro. Essas leis, que ficaram conhecidas como Administrações do Sul, representaram uma vitória dos paulistas, pois concediam a eles a administração das aldeias de São Paulo, Mogi das Cruzes e Itanhaém. Os jesuítas continuariam com suas estruturas em colégios, missões e teriam apenas a administração religiosa das aldeias.

A tensão entre esses dois grupos sociais não nasceu em 1640 e nem terminou em 1653, porém esse episódio é marcante tanto para a história da Vila de São Paulo quanto para a história dos jesuítas no Brasil pela efetividade que se obteve. Mesmo que os padres tenham retornado, o povo conseguiu restringir minimamente a influência da Companhia  de Jesus. No entanto, vale ressaltar que o grupo social prejudicado de ambos os lados eram os povos nativos. Ora eram escravizados pelos colonos, ora agrupados pelos padres e introduzidos a uma dinâmica que resultava na destruição dos seus próprios costumes.

Também é importante mencionar que Salvador Correia de Sá, então Governador do Rio de Janeiro, era responsável oficial pela manutenção dos padres na sede das capitanias do Centro-Sul. Portanto, mesmo o evento tendo ocorrido em São Vicente, sua administração estava subordinada ao Rio. Outro fato que merece destaque foi a repercussão da publicação do Breve que também gerou confusão e tumultos semelhantes em Santos e na cidade do Rio de Janeiro.

(Giovanna Wermelinger, graduanda no curso de História da UFF e pesquisadora do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ -CNE/2018-2021)

Antecedentes

O Comissum Nobis De Urbano VIII (breve papal) lançado em 1639, condenava a escravidão indígena, o que foi interpretado pelos colonos como uma ameaça a sua liberdade e sua condição de súditos. Os colonos reivindicavam que os antigos usos da mão de obra indígena se mantivessem, o que gerava embate com a nova posição adotada pelos jesuítas. Poderosas famílias locais eram simpáticas à caça indígena, ao mesmo tempo que os papas perdiam cada vez mais influência e poder na região com a chegada dos franciscanos.

Ações de protesto não-violentas

  • Gritos
  • Humilhação

Ações de protesto violentas

  • Expulsão dos jesuítas
  • Invasão de propriedade
  • Ofensas Públicas

Repressão

Contenção

  • Não Houve

Punição

  • Não Houve

Instâncias Administrativas

  • Câmara Municipais

Bibliografia Básica

BOXER, Charles Ralph. Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola 1602-1686. São Paulo. Brasiliana, 1973. p. 143-147.

LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Informação sobre as minas de S. Paulo [e] A expulsão dos jesuítas do Collegio de S. Paulo com um estudo sobre a obra de Pedro Taques por Affonso de E. Taunay. São Paulo: Melhoramentos. N/D.

LIMA, Sheila CS. Rebeldia no Planalto: a expulsão dos padres jesuítas da Vila de São Paulo de Piratininga no contexto da restauração (1627-1655). Tese (doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Niterói, RJ. 2006.

PINHEIRO, Joely Aparecida Ungaretti. Conflitos entre jesuítas e colonos na América Portuguesa: 1640-1700. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Campinas, SP. 2007.

ZERON, Carlos. Interpretações de Francisco Suárez na Apologia pro paulistis (1684). In: O Império por escrito. Formas de transmissão da cultura letrada no mundo ibérico (séc. XVI–XIX), eds. Leila Mezan Algranti and Ana Paula Torres Megiani. São Paulo: Alameda, 2009, p. 111-126.

Fontes impressas

LISBOA, Balthazar da Silva. Annaes do Rio de Janeiro: contendo a descoberta e conquista deste paiz, a fundação da cidade com a historia civil e ecclesiastica, até a chegada d’El Rey D. João VI; além de noticias topographicas, zoologicas, e botanicas. Tomo I. Rio de Janeiro: Na Typ. Imp. e Const. de Seignot-Plancher e Ca. p.138

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