Revoltas

Rebelião de escravizados na fazenda de Santa Cruz

Capitania Real do Rio de Janeiro (1567 – 1821)Rio de Janeiro

Início / fim

1794 / 1817

Fazenda Real de Santa Cruz. Litografia (26,4 x 23,9 cm) de Thierry Frères, publicada em 1839. Domínio público, Biblioteca Nacional Digital

A Fazenda de Santa Cruz, sesmaria da Capitania do Rio de Janeiro, foi palco de diversas formas de resistência de escravizados, principalmente ao longo do século XVIII e início do século XIX. Eram  recorrentes as fugas, roubos de gado e formação de quilombos nos morros. Alguns fatores, como a extensão territorial  da Fazenda, a grande quantidade de escravizados e a precariedade no fornecimento de alimentos e roupas para os mesmos, corroboraram para o número elevado de conflitos na região. A condição dos escravizados e, consequentemente, as tensões e enfrentamentos, variavam de acordo com a gestão da Fazenda, sendo o período mais conturbado os meses iniciais de 1808, com a administração de Leonardo Pinheiro de Vasconcelos. A constante perda dos poucos direitos costumeiros e o aumento dos castigos e repressões desencadearam um sentimento de revolta nos escravizados da fazenda.

As terras da Fazenda de Santa Cruz foram concedidas a Cristóvão Monteiro por meio de uma mercê do Rei em 1556 em agradecimento por sua participação na tomada do forte Coligny que ajudou  a expulsar os franceses da Baía de Guanabara. Esse terreno concedido estava localizado entre a aldeia de Sapeagoera e Guaratiba e cortado pelo rio Guandu (no atual bairro de Santa Cruz, região oeste da cidade do Rio de Janeiro). Já em meados do século XVII, os limites da Fazenda chegavam a região que hoje é o  município de Vassouras.

Após a morte de Cristóvão Monteiro em 1589, parte significativa das terras da Fazenda foram concedidas à Companhia de Jesus, que com o tempo, anexaram outros territórios à propriedade. Após a expulsão dos jesuítas do Brasil em 1759, o território passou a ser patrimônio da coroa portuguesa. A fazenda acabou sendo colocada sob a direção do Erário Régio em 1808 – órgão que deveria receber uma prestação anual de contas da receita e das despesas da administração.

Entre 1759 a 1794 os escravizados da Fazenda de Santa Cruz foram impedidos de ter acesso aos recursos de subsistência: cultivo de roça e uso do pasto. No ano de 1794, quando Manoel Martins do Couto Reis assumiu o cargo de administrador de Santa Cruz, recebeu uma lista de escravizados que estavam roubando gado. Dessa lista, oito tinham sido vistos matando o gado e cinco foram vistos carneando em pleno pasto. Apenas um foi castigado na própria Fazenda, três passaram pela galés (pena de trabalho forçado) na Cidade Rio de Janeiro e o restante não se tem registro da forma de punição.

Couto Reis, a fim de cessar os roubos, permitiu que os escravizados voltassem a ter o direito de cultivar o próprio alimento pelo menos duas vezes por semana. A ação foi efetiva até que em 1801, chegaram ordens de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho – Presidente do Real Erário e conselheiro de D. João VI – para que os engenhos de Itaguaí e Piaí fossem vendidos, justamente as terras destinadas ao plantio de mandioca dos escravizados.

A tradição das fugas e formação de quilombos nas florestas próximas eram comuns entre os escravizados. Em 1803 tornou-se de conhecimento dos moradores que os escravizados da Fazenda, recebiam auxílios dos quilombolas durante a noite. Nesse mesmo ano rumores circularam sobre um possível levante dos pretos da Fazenda da Paciência, próximo de Santa Cruz, a favor dos quilombolas. No entanto, não se tem informações dos motivos que impediram o levante de acontecer.

Em 1808, Leonardo Pinheiro de Vasconcelos substituiu o tenente Manoel Martins do Couto Reis na administração da Fazenda de Santa Cruz. A nova administração foi o motivo da deflagração de uma série de tensões. A gestão de Vasconcelos foi conhecida pelo aumento dos castigos físicos ao ponto de serem acionadas as milícias e o próprio exército, visto que ele era contrário ao tratamento de caráter jesuítico mantido por Couto Reis. É importante lembrar que em 1809, a quantidade de escravizados chegava a cerca de 1.468 pessoas. Nessa conjuntura, as insubordinações escravas de Santa Cruz se intensificaram através de ataques aos feitores, roubos de carne e gado, fugas e o aumento das relações com os quilombos da região.

As primeiras reações aos efeitos da mudança de administração começaram quando dois escravizados roubaram um bezerro da Fazenda. Ambos foram castigados no tronco e um foi ferido ao ponto de precisar de tratamento médico. Além disso, os dois foram ameaçados de degredo para a Costa da África. Nessa gestão de Vasconcelos, os poucos direitos costumeiros dos pretos foram restringidos e eles perderam, assim, as roças de subsistência, o gado e a permissão para uso do pasto.

Diferente das gestões anteriores, os escravizados começaram a ser alugados com frequência e separados de suas famílias que desde a gestão dos jesuítas se formavam na Fazenda. Além disso, o fornecimento de alimentos e vestimentas tornou-se de inteira responsabilidade da administração. Nas receitas da Fazenda constavam as despesas com os cativos, porém a fome e a falta de vestimentas eram evidentes.

Em 1815, o visconde Francisco Cordeiro da Silva Torres denunciou a situação da Fazenda para Dom João VI, apontando o abandono das roças de comércio e subsistência. A defesa de Leonardo Pinheiro de Vasconcelos, foi acusar os escravizados de serem “indisciplinados e não trabalhavam o suficiente”. No ano de 1814, Vasconcelos, já requisitava mais repressão contra os fugitivos e ladrões para evitar um problema maior. Como forma de diminuir a força escrava, ele optou em separar os cativos para melhorar o supervisionamento.

A gestão da Companhia de Jesus, anterior à de Vasconcelos, permitia que os escravizados tivessem lavouras próprias para subsistência, permitia que constituíssem família e eram catequizados na fé católica desde crianças. Vale lembrar que essa forma de exploração, aparentemente branda, não retira o caráter desumano da mesma. Os casamentos eram permitidos e incentivados. A reprodução escrava era controlada pelos casamentos, além do equilíbrio no número de mulheres e homens. O que era produzido na Fazenda alimentava os funcionários, escravizados e jesuítas. O excedente era comercializado tanto para particulares quanto para o governo português, como por exemplo, a farinha de guerra das tropas portuguesas também eram produzidas nas roças da Fazenda.

No ano de 1817, um grupo de aquilombados, formado por pretos fugidos, invadiu a Fazenda. Nessa ocasião, eles atacaram um escravizado, porém o motivo do ataque não é conhecido. As fugas e formação de quilombos eram a forma de fugir da realidade dessa gestão. Por se tratar de domínios da Coroa, os escravizados também eram propriedades reais, o que não dava abertura para reclamações e denúncias. A troca de gestão, sobretudo pelos seus interesses e formas de promover lucro, foi significativa tanto para a Fazenda quanto para os cativos.

A maior lucratividade da Fazenda de Santa Cruz era a criação de gado. A troca do foco de atividade, ou seja, do gado para o aluguel de escravos e das terras, durante a administração de Vasconcelos, fez a Fazenda entrar cada vez mais na miséria. Na tentativa de retirar a culpa de si, Vasconcelos culpou os pretos pela situação da fazenda e propôs alternativas ao Príncipe Regente, como  o aforamento das terras sem uso e a venda da madeira da floresta.

Vasconcelos deixou a superintendência de Santa Cruz em 1814, ficando  vaga a administração até 1817. Como tentativa de ocupar a vacância da superintendência, além de apaziguar a situação dos escravos, Dom Pedro I, no começo de junho de 1821, convidou Manoel Martins do Couto Reis para voltar para a Fazenda. Presumia-se que junto com o retorno de Couto Reis a volta dos costumeiros direitos dos escravizados.

Levantes e diversas outras formas de resistência escrava permearam toda a história da Fazenda de Santa Cruz.

(Richard Enbel, graduando no curso de História da UFF e pesquisador do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ -CNE/2018-2021)

(Giovanna Wermelinger, graduanda no curso de História da UFF e pesquisador do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ -CNE/2018-2021)

Antecedentes

A perda de terras para plantio em 1801 foi um antecedente, porém a substituição de Manoel Martins do Couto Reis por Leonardo Pinheiro Vasconcelos na superintendência da fazenda foi  fator decisivo para os conflitos. Vasconcelos intensificou o castigo dos escravizados, os privou de vestimentas e alimentação apropriada, incentivando ainda mais as ações de rebeldia.

Conjuntura e contexto

No ano de 1759 os jesuítas foram expulsos do Brasil, e a fazenda de Santa Cruz deixou de ser controlada por eles após um longo período em que a tiveram sob seu domínio. A fazenda, desde a época de controle jesuítico, representava um grande centro de produção agrícola e pecuária, fornecendo produtos para o mercado interno e externo. Nesse mesmo período, a cidade do Rio de Janeiro se expandia, principalmente após a chegada da corte portuguesa, incentivando a produção na fazenda.

Grupos sociais

Autoridades

Ações de protesto não-violentas

  • Formação de comunidade independente
  • Fuga
  • Roubo de gado

Ações de protesto violentas

  • Não informadas

Repressão

Contenção

  • Açoite Público
  • Ameaças Verbais

Bibliografia Básica

VIANA, Sônia Bayão Rodrigues. A fazenda de santa cruz e a crise do sistema colonial (1790-1815). Revista de História, v. 49, n. 99, p. 61-96, 1974.

PEDROZA, Manoela da Silva. Capítulos para uma história social da propriedade da terra na América portuguesa e Brasil: O caso dos aforamentos na Fazenda de Santa Cruz (Capitania do Rio de Janeiro, 1600-1870). Tese (doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2018. p.463-507

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