REIS, João José. O MAPA DO BURACO DO TATU. In: GOMES, Flávio dos Santos & REIS, João José (orgs.).Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p 501-505.
1743 / 1763
Data aproximadaO Buraco do Tatu, fundado aproximadamente em 1743, foi lugar de residência e resistência de quase uma centena de escravos e escravas fugidos de seus senhores na Bahia. Localizado próximo da atual praia de Itapuã – região de desembarque de povos africanos – o quilombo manteve sua independência por vinte anos, vizinho a Salvador, capital da América portuguesa, seu centro político e um dos principais eixos dos circuitos comerciais atlânticos. Descrições de documentos de época, dentre os quais um valioso mapa retratando a organização comunitária, indicam uma organização social, política, econômica, religiosa e militar complexa. O quilombo era comandado por dois negros e duas Rainhas. Com a repressão, houve quatro mortes e a prisão de mais de sessenta quilombolas, punidos com açoites, obrigados a trabalhar nas galés, marcados com ferro em brasa e reescravizados.
O Buraco do Tatu era um povoado bem organizado, com cerca de sessenta e cinco adultos, residências, estabelecimentos para fins cerimoniais, agricultura e possivelmente atividades de pesca. A defesa do local era engenhosamente elaborada, havia armadilhas ponteadas, escondidas nos matos, além de fossas, estepes e caminhos falsos que contribuíram para a proteção e manutenção do local, impossibilitando o acesso de capitães do mato e demais inimigos. A retaguarda era protegida por um canal pantanoso, chegando na altura de um homem. Ou seja, era um complexo sistema de proteção e defesa, com elaboradas estratégias militares protegendo a entrada do local. Além disso, o espaço possuia coesa organização social, que continha: pequena produção de hortaliças e maracujá, um plano linear de 6 fileiras de casas, dividido por uma grande rua central e 32 residências retangulares, nove casas separadas da parte principal do povoado – o que leva a sugestão de que essas habitações estariam ligadas aos “recém-chegados” ao quilombo, ou alguma liderança política dividida. É possível identificar também a existência de uma casa cerimonial ou de debates.
Tais mocambos se organizavam em estruturas sociais independentes, baseada tanto em uma cultura de subsistência, tendo como base a agricultura e a pesca, sobrevivendo também graças aos saques rotineiros a estradas, fazendas vizinhas e à cidade, em busca tanto de suprimentos como também meios de proteção para possibilitar a sobrevivência da comunidade.
A comunidade, conforme os estudiosos afirmam, era formada por negros naturais do Brasil (“crioulos”) e africanos de diversas procedências. Em sua organização política havia dois chefes ou capitães: o capitão de guerra Antonio de Sousa e o administrador Theodoro. Há também registro de que havia duas Rainhas na liderança.
Além do quilombo do Buraco do Tatu em Itapoã, havia outros em Cairu e Ipitanga.
Parte da sobrevivência econômica dos quilombolas dependia dos ataques feitos a pequenos comerciantes que se dirigiam a Salvador para vender seus produtos de subsistência. Uma rede de colaboradores cooperava com os quilombolas, como agricultores das proximidades, negros da cidade que facilitavam a compra de pólvora e chumbo.
A existência do quilombo estimulava novas fugas e mesmo a possibilidade de revolta de escravos generalizada. Em razão disso, o vice-rei e governador geral do Brasil, Dom Marcos de Noronha, Conde dos Arcos, sediado em Salvador, organizou uma série de campanhas militares contra comunidades de fugitivos nas regiões próximas da capital a partir de 1760. O capitão-mor Joaquim da Costa Cardozo recebeu a incumbência de destruir diversos quilombos de negros nos arredores da cidade.
O ataque fulminante ao Buraco do Tatu ocorreu em 2 de Setembro de 1763. Apesar da resistência dos quilombolas, não houve condições para fazer frente à força bélica das autoridades coloniais. A expedição de ataque contou com duzentos homens, dentre os quais estava uma tropa de granadeiros e soldados indígenas auxiliares e índios de um povoado em Jaguaripe. A ordem era clara: capturar os escravos, matar os que resistissem e queimar tudo.
Antes do ataque, indígenas haviam percorrido o local fazendo o reconhecimento das condições de defesa do quilombo. Os mesmos foram usados de guia no dia da invasão, o que influenciou no sucesso da expedição uma vez que já conheciam o teatro de guerra. A preparação da ação bélica permitiu ainda a criação de uma representação gráfica do mocambo, tanto de sua estrutura quanto organização.
Nos combates em que as forças se digladiam houve sessenta e um prisioneiros e quatro quilombolas mortos. Os detidos foram levados para a prisão em Salvador e trinta e um deles marcados no ombro com a letra “F” (alusiva a “fugido”) feita com o calor do ferrete em brasa, conforme previa a legislação. A maioria foi reescravizada, devolvida aos seus antigos senhores. Os líderes do quilombo sofreram penas de açoites e galés. Mais brandas foram as penas contra duas mulheres que exerciam a função de Rainhas.
Após o ataque, as tropas produziram um relatório de extrema importância, pois a partir dele se tem acesso a detalhes do contexto e a uma planta do Buraco do Tatu, que descreve e retrata tanto organização física do local . A planta também representa o momento da invasão da expedição colonial ao quilombo, ou seja, é uma a narrativa da ação das tropas e dos quilombolas e suas atitudes visando resistir. O ataque teria acontecido de surpresa, até o momento que, como representado na legenda, uma mulher (T), deu o alarme para a situação. As forças de defesa, como representado pela letra P, se prontificaram, porém o superioridade do inimigo sobressaiu.
Após vinte anos de resistência, os escravos fugidos localizados no mocambo do Buraco do Tatu se viram diante do extermínio de sua comunidade.
Gabriela Frederica Freitas Rodrigues, graduanda em História da Universidade Federal Fluminense.
A resistência de escravizados por meio de fugas e da formação de quilombos transcorria na região desde a chegada maciça de africanos em resposta à violência do cativeiro.
Da cidade de Salvador, Bahia, o governador geral do Brasil, Dom Marcos de Noronha, Conde dos Arcos, organizou na década de 1760 intensas e coordenadas campanhas militares contra diversas comunidades quilombolas nas regiões próximas da capital.
20 anos de duração
100 participantes
61 condenados
4 executados
REIS, João José. O MAPA DO BURACO DO TATU. In: GOMES, Flávio dos Santos & REIS, João José (orgs.).Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p 501-505.
SCHWARTZ, Stuart B. “Mocambos, quilombos e Palmares: a resistência escrava no Brasil colonial”. In: Estudos Econômicos. São Paulo: IPE USP, v. 17, número especial, 1987, pp. 61-88.
CASTRO DE ALMEIDA, Eduardo (ed.). Inventários dos Documentos Relativos ao Brasil. Rio de Janeiro, 1914, 8 vols.. vol. 2 (Bahia 1763-86), p. 44-45.
Arquivo Histórico Ultramarino, Bahia, Avulsos, no. 6449.
Arquivo Histórico Ultramarino, Bahia, Avulsos, no. 6451.
"Certidao da sentença condemnatoria dos negros do quilombo Buraco de Tatu (12 jan 1764)" Arquivo Histórico Ultramarino, Bahia, Avulsos, no. 6456.