Revoltas

Motim de soldados dos terços de Salvador (1728)

Capitania da Bahia de Todos os Santos (1534 – 1821)Salvador

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10 de maio de 1728 / 12 de maio de 1728

Em 10 de julho de 1728, a cidade de Salvador, capital da América portuguesa e uma das principais praças comerciais do império ultramarino português, acordou sobressaltada. Apesar das constantes ameaças que pairavam sobre a localidade, provocadas pelas velas de navios estrangeiros que rondavam a barra, o sábado traria outros motivos para tirar a população de suas atribuições. Sete militares da tropa paga da cidade, os Terços, desfilariam pelas ruas, não em patrulha como faziam habitualmente, para a contenção de conflitos no mercado ou para tomar posição diante de um ataque de um reino inimigo. A caminhada dos militares era em direção ao patíbulo, onde pouco depois pagariam com suas vidas a insolência de terem se rebelado contra a autoridade do vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses.

Exatos dois meses antes, na noite de 10 para 11 de maio, esses soldados – aliados a mais algumas dezenas de companheiros de farda – declararam-se em estado de rebelião por discordar da conduta de um magistrado militar que, segundo eles, era de extrema severidade na aplicação de penas aos soldados infratores.

Diferentemente de outras ocasiões, quando soldados se rebelavam pelo atraso no pagamento dos soldos, esses homens tiveram como justificativa fundamental para a rebelião uma questão que concernia à cultura política vigente na monarquia portuguesa. Revoltaram-se por considerarem-se vítimas da tirania de uma autoridade régia. Para conseguir o seu intento usaram de violência mas também de negociação. Os que participaram foram convencidos pelas palavras dos líderes (motores no vocabulário da época) ou obrigados a participar às custa de pancadas. Ameaçaram saquear a cidade e, perigo supremo, entregá-la à sorte dos escravos, que formavam grande parte da população de Salvador.

Argumento melhor não poderia existir para convencer o vice-rei da gravidade da situação. Após muitas confabulações com o Arcebispo, Ouvidor e mestres de campo dos terços envolvidos, o vice-rei D. Vasco concede o perdão aos amotinados ao som de caixas. Os revoltosos retornam aos seus quartéis, não sem antes desfilar pelas ruas da cidade dando vivas a D. João V e ao próprio vice-rei, rezando-se na sequência uma missa em ação de graças pela realização de seus intentos.

Em meio à euforia pelo perdão concedido e a contrição motivada pelo Te Deum os revoltosos não desconfiaram do agastamento do vice-rei com a atitude deles e da vingança que acalentava em seu espírito. Tudo feito dentro das regras da política barroca, reinante naquele momento histórico, calcadas na dissimulação e no segredo. Assim, D. Vasco primeiramente desmobilizou boa parte dos envolvidos naquele escândalo, dividindo-os os militares por diferentes fortes da cidade. Nesse interim, realizou uma devassa, responsabilizando o mestre de campo do Terço Velho João de Araújo de Azevedo pelo levante de seu terço. Não faltaram acusações de que o comandante do terço teria agido como “mecenas de seus homens, quando deveria ter sido o verdugo deles”. Ao final da devassa, os sete homens que nos referimos no início do texto balançavam seus corpos na forca, tendo dois deles destino ainda mais infame: foram esquartejados como as reses do mercado de carne e seus membros espalhados por Salvador como símbolos do castigo.

Contudo, os aborrecimentos de D. Vasco não cessariam com esse espetáculo tétrico. O Conselho Ultramarino em Lisboa o questionou severamente pelo perdão concedido e revogado posteriormente. Sua autoridade era inquestionável diante de escravos, índios ou gente de menor qualidade. Mas eram soldados, homens livres, súditos do rei. Poderiam ser executados por crime de rebelião? Sim, as Ordenações do Reino previam isso. Mas ele usou o recurso do perdão, graça concedida legitimamente somente pelo rei. Não poderia tê-lo concedido. Tendo concedido só poderia revogá-lo com a chancela régia. Os conselheiros se debruçaram sobre esse aspecto e criticaram veemente o vice-rei, produzindo uma extensa consulta, algo reservado somente para questões muito importantes da governança do império. Mas, ao final, prevaleceu a argumentação de D. Vasco que, traduzida para poucas palavras, justificava sua atitude por não estar no reino, próximo ao Conselho e ao rei. Ao contrário, além de distante, tinha diante de si centenas de soldados furiosos, uma enorme costa coalhada de naus inimigas e milhares de escravos que não hesitariam em se revoltar caso a situação assim permitisse. O tempo para conjecturas jurídicas era escasso e a realidade espinhosa da América se impunha. Urgia aplicar a pena capital antes que a desordem ficasse incontrolável.

A argumentação foi convincente e, apesar da reprimenda ao vice-rei, ele foi titulado, meses depois, como o 1º Conde de Sabugosa, nobilitando o já conceituado clã dos César de Meneses.

(Fernando Pitanga, doutorando do PPGH da UFF e colaborador do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ-CNE/2018-2021)

Conjuntura e contexto

Os soldados queixam-se dos castigos empreendidos pelo ouvidor geral do crime, magistrado responsável por decidir quais punições os militares, sobretudo, os de baixa patente deveriam receber por faltas cometidas. Por isso, deixam seus postos e declaram-se em estado de rebelião, abrigando-se na Casa da Pólvora.

Números da Revolta

2 dias de duração
aproximadamente 300 participantes
7 condenados
2 executados

Outras designações

Revolta do Terço Velho

Grupos sociais

Autoridades

Lideranças

Réus e Condenados

Ações de protesto não-violentas

  • "Viva el rei"
  • Aclamação de autoridades
  • Marchas
  • Palavras de Ordem
  • Reunião com autoridades para negociar

Ações de protesto violentas

  • Conflitos de rua
  • Convocação forçada de moradores
  • Linchamento
  • Mobilização de forças militares
  • Ofensas Públicas

Repressão

Contenção

  • Negociações e acordos de paz
  • Prisões
  • Procissão religiosa
  • Promessa de perdão (ou comutação de pena)

Punição

  • Açoite e castigos público
  • Degredo / Desterro
  • Enforcamento
  • Esquartejamento
  • Execução
  • Exposição dos quartos e da cabeça
  • Salgamento do Corpo e de propriedade

Bibliografia Básica

BOXER, Charles Ralph. A Idade de Ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial (1695-1750). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

COSTA, Luiz Monteiro. Na Bahia Colonial. Apontamentos para a história militar da cidade do Salvador. Bahia, Livraria Progresso Editora, 1958 (série Marajoara, volume 23).

FIGUEIREDO, Luciano. Rebeliões no Brasil Colônia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

PITANGA, Fernando. Cair em desgraça ou cair nas graças: D. Vasco Fernandes César de Meneses e a repressão à revolta de soldados de Salvador (1728). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universo. Niterói, 2017.

RODRIGUES, Gefferson Ramos. A Revolta de soldados na Bahia em 1728. In: Mnemosine Revista. Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Campina Grande, 2015a.

Fontes impressas

Documentos Históricos da Biblioteca Nacional (DH), Vol. LXXXVI, Rio de Janeiro, 1949.

Documentos Históricos da Biblioteca Nacional (DH), Vol. XC, Rio de Janeiro, 1950, p. 168-169 e 178-196.

IHGB. Códice de Registros de Cartas e provisões de S. Majestade e do Secretário de Estado a que respondeu o Vice-rei do Brasil, Vasco Fernandes Cesar de Menezes, Conde de Sabugosa (1727-1734), 4 vols, Bahia, Administração Colonial, Conselho Ultramarino (DL 865.1).

MIRALES, D. José de. História. História Militar do Brazil (1762). In: Anais da Biblioteca Nacional. vol XXII, Rio de Janeiro, 1900

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