MONTEIRO, John Manuel. Sal, justiça social e autoridade régia: São Paulo no início do século XVIII. Revista Tempo, v. 4, n. 8, 1999.
outubro de 1710 / outubro de 1710
200 índios flecheiros e mais uma quantidade de escravos africanos armada desceram a Serra do Mar, em direção a Vila de Santos no final de outubro de 1710. O objetivo da miscigenada tropa, liderada pelo poderoso proprietário Bartolomeu Fernandes de Faria, a quem esses homens estavam submetidos, era se apoderar de toda a carga de sal armazenada na vila e retornar para a sua fazenda em Jacareí. A partir deste episódio o potentado paulista se tornou uma pernona non grata aos olhos da administração régia na capitania de São Paulo. Após ser perseguido por anos a fio, foi preso em 1718 e, já bem idoso, encarcerado em Salvador onde viria a falecer pouco tempo depois, antes de seu julgamento.
Mas o que moveu Bartolomeu Fernandes de Faria a afrontar a autoridade da região? O ethos desafiador dos paulistas? Possivelmente, pois as relações dos habitantes do Planalto com representantes régios sempre foram marcadas por algum tipo de tensão. Ou a causa poderia ser outra, a perspectiva de lucro graças ao alto preço do produto? Talvez esta razão também contasse, pois o sal recolhido no depósito seria redistribuído serra acima para aqueles que necessitavam do produto, item que na Idade Moderna era imprescindível para a conservação de alimentos, sobretudo pescados e carnes e, por isso, muito valioso. No caso da América portuguesa, seu preço ainda era mais salgado por conta de sua comercialização ser controlada pela Coroa desde 1631, sendo o sal um estanco (monopólio) régio, importado de Portugal. Segundo o estanco, ou contrato, a Coroa repassava aos contratadores o direito exclusivo de comercializar certos produtos, sendo estes obrigados a disponibilizar uma determinada quantidade dele aos moradores a um preço estabelecido anteriormente.
Nesse ponto residiam os principais problemas desse sistema. Ávidos por um lucro considerável, muitos contratadores escondiam o artigo, normalmente com o auxílio de pessoas da região, forçando uma alta artificial dos preços. As vilas no alto da serra que integravam a capitania de São Paulo eram dependentes do sal vindo do porto de Santos, principalmente por seu papel de fornecedora de carnes e pescados para outras regiões da colônia. Este é um dos principais motivos do motim encabeçado pelo potentado paulista. O problema agravou-se no início do século XVIII, com o advento da economia mineradora. Se a demanda já era grande, com o afluxo de milhares de pessoas para as minas, consumidoras de charque, bacalhau e outros gêneros conservados no sal, o preço deste último atingiu níveis alarmantes. Logo, começou a faltar sal em todas as praças, de modo a forçar o aumento de seu valor. Lembremos que exatamente um ano depois, em outubro de 1711, a população de Salvador, capital da colônia, também se rebelaria dentre outras coisas pelo aumento em 50% do preço do sal. Definitivamente o sal não era só um pretexto para os paulistas se indisporem com as autoridades régias.
(Fernando Pitanga, doutorando do PPGH da UFF e colaborador do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ-CNE/2018-2021)
200 índios flecheiros e mais uma quantidade de escravos africanos armada participantes.
Motim do Sal em Santos
MONTEIRO, John Manuel. Sal, justiça social e autoridade régia: São Paulo no início do século XVIII. Revista Tempo, v. 4, n. 8, 1999.