Revoltas

Motim de soldados da Infantaria, Cavalaria, Dragões e Artilharia

Capitania de São José do Rio Negro (1755 – 1821)Arraial de Mariuá

Início / fim

01 de março de 1757 / 19 de dezembro de 1757

A idealização das vestimentas dos soldados contrastava com a realidade nos quartéis, onde a falta de fardas motivou a revolta. Uniformes militares desenhados pelo engenheiro e militar José Joaquim Freire durante expedição amazônica na década de 1780. Aquarela. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural

A rotina e a disciplina militares nunca mais seriam as mesmas a partir de 1757 nos territórios da fronteira norte da América portuguesa. Em março daquele ano, cerca de 120 soldados aquartelados no Arraial de Mariuá, à beira do Rio Negro, na capitania de São José do Rio Negro, surpreenderam os guardas do quartel ao formarem patrulhas e invadirem o depósito  de pólvora, o armazém real e a residência do comandante Gabriel de Sousa Filgueiras. Os soldados foram liderados por dois cabos de esquadra: Manoel de Correia Cardoso e Fernando de Souza Ferreira. O atraso de um ano e dez meses no pagamento dos soldos, a falta de alimentos, de fardas e os castigos físicos constantes levaram os soldados ao motim, que durou até dezembro do mesmo ano, quando uma devassa foi aberta e foram estabelecidas as punições. 

A região oeste do Rio Negro era um espaço fronteiriço entre os domínios de Portugal de um lado e de Castela de outro, local onde a demarcação de limites territoriais entre as coroas ibéricas foi estabelecida e formado em grande parte por uma população indígena, largamente utilizada como mão de obra. Por isso, ali foi instalado um núcleo militar em Mariuá.

Na alvorada do dia 1º de março de 1757, irrompeu o motim dos soldados da Infantaria, Cavalaria, Dragões e da Artilharia,  com muito vozerio seguido de uma invasão à casa de pólvora e de todo arraial de Mariuá. Ao tomarem o Palácio do governo, obedecendo ordens dos cabos Manoel Correia e Fernando de Souza, os soldados protestaram contra o sargento mor e comandante Gabriel de Sousa Filgueiras, prendendo-o em sua residência e deixando quatro soldados de vigia. 

Após a prisão do comandante, os soldados invadiram a casa de Lourenço Anésio, onde obtiveram as chaves dos armazéns. Dos armazéns pegaram caixas de mantimentos, barris de pólvora e munições. O saque à casa de pólvora garantiria munição para a defesa, caso as forças leais reagissem. Do cofre real, os soldados saquearam 1:400$000 réis, dinheiro repartido entre os amotinados como forma de  pagamento do soldo atrasado. Em seguida, os rebeldes se dirigiram ao arraial de Mariuá, saqueando as casas de indígenas, havendo relatos de terem violentado sexualmente uma mulher (“forçado uma mulher”, diz uma das fontes) . 

Por dois dias os soldados foram os senhores do arraial de Mariuá, até organizarem sua fuga dali graças ao dinheiro, alimentos, munições, canoas e índios remeiros. No dia de sua saída do local, os amotinados descarregaram mosquetes,  bradando “Viva El-Rei e morra o mau governo !”. Comandados pelos soldados Manoel de Correia Cardoso, Fernando de Souza Ferreira, Manoel Monteiro e Manoel José, chegaram na primeira parada após a fuga, a fortaleza da Barra do rio Negro. Segundo o tenente de infantaria do Pará, João de Sousa Meneses, os amotinados foram recebidos de boa fé pela guarnição da fortaleza, já que afirmaram serem integrantes de  uma escolta do arraial. Com sua entrada autorizada, ocuparam armados a fortaleza , prenderam o tenente e o cabo.

Em fuga contínua, os soldados seguiram para o Rio Solimões, onde a canoa que carregava a pólvora ficou avariada, o que os deixou sem munição e com dois soldados a menos porque estes se afogaram nas águas do rio. Sem pólvora e com poucos mantimentos, os revoltosos saqueavam pesqueiros e feitorias que encontravam pelo caminho. Ao chegarem na povoação castelhana no rio Içá, houve uma discórdia entre os líderes da revolta e o desentendimento fez com que quarenta soldados abandonassem a povoação e partissem para a aldeia dos padres da Companhia de Jesus Omaguás.

Em carta escrita para o rei D. José I, os soldados deixaram claro suas reclamações: a falta de soldo, de alimentos, fardas e o descontentamento com o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado, uma vez que ele não teria tomado nenhuma medida para evitar a situação. Assim, legitimaram sua revolta com base na defesa de  seus direitos e costumes diante do serviço militar que desempenhavam. O governador, em comunicação ao Rei,  ressaltou que as proposições dos soldados sobre o que vinha acontecendo no arraial eram o mais tremendo absurdo.

Para reprimir o motim, o sargento mor Gabriel de Sousa Filgueiras enviou uma escolta de oitenta homens à Caiena, “costa de Macapá”- capital da atual Guiana Francesa -, onde ele acreditava que os soldados haviam se escondido, mas não obteve sucesso. A sorte das ações repressivas mudou quando o capitão de granadeiros e procurador de soldados, José da Silva Delgado, informou o local em que os sublevados estavam, segundo ele, perturbando a ordem ao insultarem os indígenas que ali viviam.

Sem demora, o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado enviou uma escolta de cinquenta soldados comandada por José da Silva Delgado e Aniceto Francisco Távora para reprimir os revoltosos. Ao chegarem ao rio Içá, os amotinados e seu líder capitão Manuel de Correia Cardoso escolheram o próprio capitão dos granadeiros José da Silva Delgado, encarregado da repressão, como procurador dos revoltosos, aquele que deveria apresentar as representações dos soldados à Junta de Guerra, em Belém.

Em 12 de junho de 1757, a Junta de Guerra foi formada por “oficiais maiores” e realizada uma devassa  pelo Desembargador Auditor Geral da gente da guerra, Pascoal de Abranches Madeira Fernandes. A inquirição dos envolvidos no motim foi feita entre 22 de novembro e 17 de dezembro do mesmo ano, sendo a rebelião  julgada segundo o Regimento das Novas Ordenanças por se inclinar à sedição, prática proibida. Desta forma, os soldados deveriam ser punidos com a pena de morte.

Dos cento e vinte soldados envolvidos no levante, alguns obtiveram perdão, como foi o caso de Antônio José, Antônio José Lopes, José Raimundo e Miguel, da companhia de granadeiros, Cláudio da Costa e Miguel Ferreira da companhia de Siqueira, João Vieira da companhia de Martel e Francisco da Silva da companhia da costa, todos do Regimento de Álvaro José Mendonça, da cidade do Pará.

A decisão não seria a mesma para todos os implicados: foram punidos com pena de morte os dois cabos de esquadra e cabeças do motim, Manoel de Correia Cardoso e Fernando de Souza Ferreira.

 

Wictória Peixoto, graduanda de História na Universidade Federal Fluminense e bolsista de Iniciação Científica PIBIC-CNPq.

Antecedentes

A militarização da região oeste da fronteira do Rio Negro foi muito dispendiosa  à coroa de Portugal, tanto para a manutenção do arraial quanto para o pagamento dos soldados. Assim, a situação na capitania do Grão Pará era de penúria, já que a inflação aumentou o preço da farinha de mandioca e das fardas e os salários dos soldados não acompanharam a inflação. Além disso, as reformas das novas ordenanças em meados do século XVIII culminaram em mudanças  das práticas costumeiras nas forças militares do Estado do Grão-Pará e Maranhão, divisão que reunia capitanias acima do Estado do Brasil.

Conjuntura e contexto

A coroa Portuguesa se preocupava em defender o território da capitania do Rio Negro de invasões holandesas e castelhanas, que estava numa das fronteiras com a região de Caiena, na costa do Macapá. Por isso, a  construção de fortalezas, a manutenção do arraial e o pagamento dos soldados custava muito  para a Coroa Portuguesa. Havia ainda um choque entre as novas medidas e as práticas costumeiras sob o governo pombalino a partir de 1755.

Números da Revolta

10 meses de duração
120 participantes
2 executados

Grupos sociais

Autoridades

Lideranças

Réus e Condenados

Ações de protesto não-violentas

  • "Viva el rei"
  • Deserção
  • Desobediência
  • Fuga
  • Marchas
  • Nomeação de procuradores
  • Ocupação de Ruas/Praças
  • Reunião com autoridades para negociar
  • Roubo de armas e munição
  • Roubo de comida
  • Roubo de pessoas

Ações de protesto violentas

  • Agressão de Autoridade
  • Mobilização de forças militares
  • Prisão de autoridade
  • Saques a casas e armazéns
  • Tiros
  • Violência Sexual

Repressão

Contenção

  • Expedição armada ou repressão militar
  • Perdão

Punição

  • Execução

Instâncias Administrativas

  • Desembargador Auditor Geral da gente da guerra
  • Governador
  • Junta de Guerra

Bibliografia Básica

SILVA, Leonardo Augusto Ramos. “Pátria das sublevações”: Descontentamento e revoltas da gente de guerra no Rio Negro (1754-1777). 222 p. Dissertação de Mestrado em História Social da Amazônia. Universidade Federal do Pará, Belém – Pará, 2023. pp. 105-141.

Comentários

  1. Herminia Totti disse:

    Muito interessante e bem escrito este verbete sobre um episódio pouco conhecido de nossa história.

  2. Fernando Pitanga disse:

    Parabéns pelo texto!

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