Revoltas

Motim de soldados contra o atraso dos soldos

Capitania Real do Rio de Janeiro (1567 – 1821)Rio de Janeiro

Início / fim

julho de 1724 / 20 de dezembro de 1725

Data aproximada
Fuzileiro no ano de 1740, aquarela de Ribeiro Artur (séc. XIX)

No segundo semestre de 1724, na cidade do Rio de Janeiro, motivados pelo atraso de nove meses em seus soldos, militares deixaram os quartéis e proclamaram-se em estado de rebelião. Armados, aclamaram como seu comandante um simples cabo de esquadra que liderava o motim, deixando de reconhecer a autoridade de seus superiores e do governador da Capitania fluminense, Aires Saldanha, então à frente da Capitania do Rio de Janeiro (1719-1725). Este foi ao lugar em que acontecia o protesto, e sob a mira de baionetas, se comprometeu com as pautas dos amotinados. O Conselho Ultramarino, algum tempo depois, repudiou o motim, afirmando que seus líderes mereciam um duro castigo, mas não houve punição aos envolvidos.

O ouro de Minas Gerais, que era escoado no porto da cidade do Rio de Janeiro, passou a despertar a cobiça de piratas e corsários que logo intensificaram as investidas no litoral fluminense. Em resposta, houve a necessidade de mobilizar mais tropas para a proteção dessa região que dava acesso à principal fonte de riquezas do reino.

Esse e outros problemas estavam na alçada do recém-empossado governador da capitania Luiz Vahia Monteiro, militar experiente, condição fundamental para exercer o governo daquela região da América portuguesa. E foi sobre uma questão militar que ele escreveu ao rei em 2 de junho de 1725, logo no início de sua gestão, informando da ocorrência de um motim dos soldados poucos meses antes dele assumir o posto. Em sua missiva, Luiz Vahia chamou a atenção para a diminuição constante do número de soldados, o que se devia a dois fatores fundamentais. Primeiro, a total aversão ao serviço militar. Invocava-se qualquer motivo para não sentar praça na tropa paga, desde privilégios estamentais à mais explícita e desavergonhada fuga ao recrutamento. E, em segundo lugar, depois do ingresso nas fileiras dos terços, muitos desertavam para Minas Gerais em busca do sonho do enriquecimento rápido. Por meios honestos ou desonestos.

O governador alertava que era preciso recrutar os nascidos na América para comporem as tropas do Rio de Janeiro, pois era comum que os soldados que vinham de Portugal desertassem, como pode ser visto no trecho a seguir:

“E de tudo verá V.M a fraqueza daquela guarnição, principalmente pelo diminuto dos terços para cujo aumento intentava logo fazer soldados se os achar no país, que são os que subsistem mais, porque os do reino todos fogem. E esta circunstância se faz atendível de V.M para preferir nos acrescentamentos os filhos do Brasil, o que redundará em grande utilidade dos serviço de V.M. porque de outra sorte ninguém quer dar filhos para assentar praça, tendo-o por desonra.” (IHGB – ARQ.1,1.21 – Cópias extraídas do Arquivo do Conselho Ultramarino (1721-1726): f 341 v).

Além disso, a cidade contava com um contingente de apenas dois terços para sua defesa. No Terço do mestre de campo Domingo Teixeira de Andrada havia 377 homens. Já o terço do mestre de campo Manuel de Freitas contava, por sua vez, com 353 homens naquele momento.

O motivo para o levante dos soldados foi algo corriqueiro no Império Português: o atraso no pagamento dos soldos. Os militares estavam há nove meses sem receber. No segundo semestre de 1724, eles saíram a campo aberto e anunciaram terem entrado em estado de rebelião, recusando-se a obedecer às ordens de seus superiores e a cumprirem com suas obrigações. José de Souza foi o cabo de esquadra que liderou os amotinados. Luiz Vahia descreve o episódio ao Rei, informando que os amotinados:

“[…] se puseram no campo com as armas na mão, pólvora e bala, nomeando cabo que os governasse, rondando o campo e, finalmente indo-lhes falar seu antecessor, obrigaram a fazer alto tudo o que acompanhava, mandando-o receber por uma esquadra com baioneta na arma, e levando-o até o corpo principal o meteram dentro e, falando com o cabo que os governava, lhe abanou a cabeça e desobedecendo a tudo o quanto lhe propôs, o tornaram a por fora do campo com a mesma ordem até que conseguiram o perdão, a que deram forma com suas súplicas, pretendendo obrigar ao provedor a que lhes fosse pagar no mesmo campo.”(IHGB – ARQ.1,1.21 – Cópias extraídas do Arquivo do Conselho Ultramarino (1721-1726): f 341/342 v).

Essa atitude evidenciou que os levantados já não reconheciam seu comandante e nem o governador da capitania. Aires de Saldanha que, como narra o documento acima, foi até a presença dos soldados na tentativa de apaziguar a situação e acabou se colocando em uma posição delicada, pois ficou sob a mira de baionetas. Os amotinados exigiram o pagamento dos seus soldos atrasados e o perdão pelo motim. Saldanha teve que se comprometer com as demandas dos soldados, acabando por atender as reivindicações.

Tudo teria ficado no mais perpétuo segredo se Luiz Vahia Monteiro, sucessor de Aires Saldanha, o governador que negociou com os amotinados, não tivesse a preocupação de comunicar o fato ao rei. O governador que ganharia notoriedade pela ânsia que nutriu em reprimir os descaminhos, não admitiria que homens como o cabo José de Sousa, apontado como um dos líderes do movimento, deixassem de ser punidos por sua audácia.

No dia 2 de junho de 1725, Luiz Vahia escreveu ao rei informando sobre um motim de soldados que ocorrera poucos meses antes dele assumir, a respeito do qual, inexplicavelmente, Aires Saldanha, não havia feito uma comunicação ao Rei. O governador do Rio de Janeiro reclamava punição aos amotinados:

“[….] mui escandaloso que fiquem sem castigo os agressores de um delito tão horrível; porque se não se usar com ele da demonstração que ele pede, será por um grande risco a conservação daquela capitania e a seu exemplo se moverão as mais milícias que guarnecem as mais praças do Estado do Brasil.”(IHGB – ARQ.1,1.21 – Cópias extraídas do Arquívo do Conselho Ultramarino (1721-1726): f 342 v).

Como de costume, o Conselho Ultramarino deu o seu parecer. Neste alvitre, os conselheiros repreenderam severamente o governador anterior pela concessão do perdão e, fato mais grave, pela omissão em comunicar Lisboa sobre o motim, aconselhando D. João V a pedir esclarecimentos ao “esquecido” governador.

Ainda que deixassem claro que o recurso ao motim fosse inaceitável, que os líderes mereciam um duro castigo, as ações tomadas não foram além das palavras condenatórias. Assim como oito anos antes, o medo da carestia de homens para compor os terços falou mais alto pois a deserção tinha atingido graus preocupantes na tropa do Rio de Janeiro. A ameaça do cadafalso fomentaria ainda mais fugas de soldados, o que motivou o Conselho a silenciar sobre mais esse motim.

Fato curioso é que, quando Aires Saldanha assumiu o governo da capitania em 1719, também comunicou à Coroa sobre um motim militar ocorrido dois anos antes que havia sido “esquecido” pelo governador anterior.

(Fernando Pitanga, doutorando do PPGH da UFF e colaborador do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ-CNE/2018-2021)

(Moisés Bernardo, graduando no curso de História da UFF e pesquisador do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ-CNE/2018-2021)

Antecedentes

Atraso de nove meses no pagamento do salário dos soldados

 

Conjuntura e contexto

O atraso no pagamento dos salários das tropas era algo comum no Império Português. Esses atrasos eram um dos principais motivos de motins militares no período.

 

Números da Revolta

um dia de duração

Outras designações

Motim Militar

Grupos sociais

Autoridades

Lideranças

Ações de protesto não-violentas

  • Aclamação de autoridades
  • Desobediência
  • Ocupação de Ruas/Praças

Ações de protesto violentas

  • Mobilização de forças militares

Repressão

Contenção

  • Envio de autoridade
  • Perdão
  • Promessa de atendimento das demandas rebeldes

Punição

  • Não Houve

Instâncias Administrativas

  • Conselho Ultramarino

Bibliografia Básica

PITANGA, Fernando. Cair em desgraça ou cair nas graças: D. Vasco Fernandes César de Meneses e a repressão à revolta de soldados de Salvador (1728). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, 2017. p. 66-67.

Fontes impressas

IHGB- ARQ.1,1.21 – Cópias extraídas do Arquivo do Conselho Ultramarino (1721-1726) f 340v-342v.

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