Revoltas

Motim de oficiais mecânicos contra ouvidor

Capitania de Minas Gerais (1720 – 1821)Vila Rica

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1751 / 1751

"The Bench", gravura satírica de William Hogarth, de 1758, denuncia a indiferença de quatro juízes na Inglaterra, situação oposta à do magistrado de Vila Rica alvo da motim de oficiais mecânicos. Wikimedia Commons: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:William_Hogarth_-_The_Bench_(BNRJ).jpg

As tensas relações entre os os moradores e os responsáveis pela justiça na capitania de Minas Gerais por diversas vezes chegaram ao limite no século XVIII. Em 1751, o Ouvidor Geral da Comarca de Vila Rica, Caetano da Costa Matoso, conheceu a fúria dos pedreiros, marceneiros, seleiros e outros trabalhadores urbanos de Vila Rica (atual Ouro Preto) quando insistiu em manter a cobrança de uma oitava de ouro para que os oficiais mecânicos tirassem licença e pudessem manter abertas suas lojas. Insatisfeitos com as ações do Ouvidor, os oficiais mecânicos se amotinam, atacando o magistrado em sua sala, o que resultou em três homens presos, uma devassa e um grande mal estar nas relações políticas locais.

Os ouvidores que antecederam Caetano da Costa Matoso em seu cargo (1749-1752) já haviam provocado uma série de descontentamentos na região. Em 1713, o ouvidor Manuel da Costa Amorim causou grande indignação ao distribuir as terras minerais em Vila do Carmo e não contemplar antigos mineradores com propriedades (datas). Atuar como funcionário da Coroa em lugares inóspitos gerava certa necessidade de negociação, vantagens e corrupções a favor dos oficiais régios para compensar o baixo salário; a exigência do pagamento pela renovação das licenças dos oficiais mecânicos, ou para terem suas lojas abertas, colaborava com as receitas dos ouvidores.

Em 6 de outubro de 1750, a mudança da interpretação do governador da capitania, Gomes Freire de Andrade, sobre a cobrança de uma oitava de ouro sobre os oficiais mecânicos dá início a tempos de instabilidade. Ele afirmou então que não tinha fundamento a cobrança de uma oitava de ouro e no dia 26 de outubro, fazendo um comunicado aos oficiais da câmara de Vila Rica que os oficiais mecânicos não deveriam pagar coisa alguma. Costa Matoso, porém, com sua autoridade judicial, rejeita o comunicado e questiona o governador. Tanto o governador quanto o ouvidor possuíam jurisdição para decidir a respeito e, diante do impasse, Gomes Freire convoca uma junta de ministros e envia ao Rei suas arguições. 

Em maio de 1751, um edital lançado em Mariana informava que os oficiais mecânicos deveriam pagar a taxa até que o Rei chegasse a uma decisão final. Logo a resposta do soberano chega, desfavorável ao ouvidor: Sua Majestade decidiu manter a ordem do governador de que não haveria mais a cobrança. Apesar da decisão real, Caetano da Costa Matoso insiste no recolhimento da taxa e, confiante em sua autonomia como magistrado, ainda ameaça os trabalhadores com multas e punições.

Sentindo-se injustiçados uma vez que o ouvidor agiu de forma prepotente, desobedecendo a uma ordem do Rei, no dia 7 de junho de 1751 explode o motim. Um grupo agitado de ferreiros, marceneiros, pedreiros e outros donos de oficinas de Vila Rica subiu até a sala em que despachava do Ouvidor da Comarca, em companhia do procurador do concelho, e com muito vozerio declararam que não pagariam a oitava de ouro como era exigido no edital publicado em maio.

A situação foi controlada momentaneamente. Vistos como desobedientes e amotinadores, três dos trabalhadores foram presos pelo corregedor e enviados para a cadeia mais segura de Vila Rica. O motim teria um repique quando, no caminho para a prisão, a escolta foi atacada por vários homens armados, que faziam parte do grupo que foi até a sala do ouvidor, para tentarem retirar os prisioneiros das mãos da Justiça. Reagindo imediatamente ao ataque, o ouvidor Costa Matoso e alguns militares armados partem às pressas a cavalo e os rebeldes fogem sem conseguir libertar os presos, que chegam sem mais problemas à cadeia de Vila Rica. O Ouvidor Geral não perde tempo e logo abre uma devassa para investigar os envolvidos, compreendendo que aquele era um momento de sublevação, buscando legitimar a punição dos três oficiais mecânicos que serviriam de exemplo aos demais. 

Na carta que escreveu ao Rei, o ouvidor antecipou sua defesa argumentando que não haveria razões ou desculpas para um motim contra sua autoridade. Contudo, a reação do Rei e de seus conselheiros em Portugal não foi favorável a Costa Matoso. O procurador da Fazenda acreditava que tanto os oficiais mecânicos quanto o ouvidor eram culpados por tal desordem: o ouvidor porque havia descumprido uma ordem real e os trabalhadores por tentarem agir contra os oficiais Justiça, seja com o motim ou com a ação armada para impedir que os suspeitos pelo crime fossem levados à prisão. O procurador da Coroa acreditava que Caetano da Costa deveria ser punido, mas o procurador da Fazenda não. Por fim, o conselheiro do Conselho Ultramarino, Fernando José Marques Bacalhau, sugere ao Rei que repreenda o ouvidor e que liberte os presos. Acredita-se que a atitude de Matoso em desrespeitar uma ordem real e oprimir os súditos seria a razão para a explosão da sublevação.

Em 6 de abril de 1752, o rei Dom José I envia uma ordem régia ao governador da capitania, Gomes Freire, decretando o perdão e a soltura dos três presos, e que a devassa escrita pelo ouvidor deveria ser anulada. Sua Majestade também solicita que o ouvidor compareça à sua presença, registrando então seu estranhamento pela desordem causada em Minas Gerais.

 

(Wictória Peixoto, graduanda no curso de História da Universidade Federal Fluminense, bolsista PIBIC – CNPq)

Antecedentes

Em Minas Gerais, instaurou-se desde o final dos anos 40 do século XVIII uma instabilidade nas relações entre o Bispado e a Justiça exercida pelo ouvidor da comarca de Ouro Preto. Caetano da Costa Matoso havia encontrado desde 1749 gastos e receitas excessivas nos rendimentos do bispado de Mariana, o que o fez insistir em uma reforma na administração dos recursos eclesiásticos em Minas Gerais. Por outro lado, a população local de Vila Rica e Mariana viviam em desavenças com os ouvidores desde o início do século.

Conjuntura e contexto

A capitania de Minas Gerais em meados do século XVIII era a região do Império português que mais rendia riquezas para Portugal, graças à volumosa produção de minérios e pedras preciosas. O método de arrecadação do quinto real se altera em 1750 para Casas de Fundição, com a possibilidade de acionar a derrama em caso de déficit, provocando celeumas judiciais nas quais o ouvidor Caetano da Costa Matoso se envolve, o que causa a suspensão da arrecadação do quinto durante um ano. A situação expressava ainda um período de grande dificuldade nos esforços da autoridade do rei em se impor em  relação à autonomia dos magistrados, corporação zelosa de sua própria jurisdição. 

Números da Revolta

Aproximadamente 5 dias de duração
30 participantes

Grupos sociais

Autoridades

Ações de protesto não-violentas

  • Ameaça a autoridade
  • Desobediência
  • Gritos

Repressão

Contenção

  • Prisões

Punição

  • Envio de presos para vila

Instâncias Administrativas

  • Conselho Ultramarino
  • Governador da Capitania
  • Ouvidor Geral
  • Rei

Bibliografia Básica

FIGUEIREDO, Luciano. Rapsódia para um bacharel. Estudo crítico. In: Luciano Raposo de Almeida Figueiredo e Maria Verônica Campos (Orgs.).Códice Costa Matoso. Belo Horizonte: Fundação João Pìnheiro/FAPEMIG, Coleção Mineiriana – Série Obras de Referência, 2000, v. 2, 2000, p. 72-130.

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