ALVAREZ, José Mauricio Saldanha. “O Reino Noturno da Ronda da Guarnição: Agitação Militar no Rio de Janeiro do Século XVII”. CLAHR: Colonial Latin American Historical Review 15, no. 2 (2006): 143-75.
20 de maio de 1640 / 20 de maio de 1640
No dia 20 de maio de 1640, na cidade do Rio de Janeiro, jesuítas espanhóis divulgaram o Breve Papal de 1639, que reforçava a proibição do cativeiro indígena sob pena de excomunhão. Revoltados com a imposição, os “homens bons” da localidade (designação recebida pela elite formada pelos grandes senhores enobrecidos), que ouviram a proclamação do Breve, juntamente com soldados e moradores do recôncavo, invadiram o Colégio dos Jesuítas, no Morro do Castelo, ao som de gritos contra os padres. O tumulto foi controlado temporariamente pelo governador Salvador Correia de Sá e Benevides, mas a crise só foi resolvida de fato em 22 de junho do mesmo ano, com a assinatura de um acordo.
Os jesuítas espanhóis, em especial o padre Dias Taño, que trazia consigo cópias do Breve, aportaram no Rio em 15 de abril de 1640 e decidiram divulgar o documento imediatamente. Em reunião a 22 de abril no Colégio dos Jesuítas – juntamente com Salvador Correia de Sá – a pauta foi discutida e o desejo dos padres foi acatado (inclusive pelo prelado administrador do Rio, Pedro Homem Albernaz). No dia 4 de maio, no entanto, autoridades civis e religiosas da cidade demandaram um prazo maior para a divulgação, que foi desrespeitada pelos jesuítas. Em 20 de maio a proclamação foi feita, dando início aos tumultos.
O Breve buscava proteger as missões jesuíticas na América, alvo de frequentes ataques bandeirantes. Os bandeirantes paulistas, especializados no apresamento e escravização de nativos possuíam interesse no uso da mão-de-obra indígena, que estava diretamente ameaçado pelo Breve. A elite senhorial do Rio de Janeiro se beneficiava largamente dos índios capturados para o trabalho forçado nos engenhos e nos domicílios. Logo, o Breve também prejudicava os homens bons fora de São Paulo. Soma-se ao conflito de interesses o fato de o documento ter sido publicado em espanhol. No contexto da União Ibérica (1580-1640), para uma lei ser validada nas colônias portuguesas, sua publicação deveria ser feita em português e aprovada pelo Conselho de Portugal. Como nenhuma dessas exigências haviam sido cumpridas, os “homens bons” do Rio se posicionavam contra o Breve, defendendo sua ilegalidade.
A publicação foi feita pelo Padre Matias Gonçalves ao fim da terceira missa do dia, na qual estavam presentes membros do clero e moradores. Logo após a divulgação, uma multidão furiosa, composta inicialmente pelos “homens bons” que haviam presenciado ou souberam nas ruas sobre a leitura do Breve, foi em direção à casa do prelado Pedro Homem Albernaz, clamando por justiça. O prelado, em um primeiro momento, argumentou que não responderia pois era feriado, mas com a insistência da população, lançou a culpa sobre os jesuítas espanhóis. Os colonos dirigiram-se então ao Morro do Castelo rumo ao Colégio dos Jesuítas, onde se juntaram à cerca de 500 soldados, segundo relatam algumas fontes, encarregados de proteger o Colégio e um grupo de “gente mal afamada” vindo de Macacu, no recôncavo carioca. No local, eles arrombaram as portas a machadadas e invadiram o prédio aos gritos “mata, mata, bota fora, bota fora da terra, Padres da Companhia”. O controle do motim só foi estabelecido com a chegada de Salvador Correia de Sá, acompanhado de seus “guarda-costas”. A multidão concordou em desistir da ameaça de expulsão, mas só deixou o local quando o padre superior assumiu o compromisso de não divulgar mais o Breve.
A tentativa de conciliação se deu primeiro em reunião de 21 de maio do mesmo ano. Porém, com os ânimos ainda aflorados e a falta de confiança mútua, nenhum acordo foi feito. Já em 22 de junho, sob a mediação do Governador do Rio, as duas partes chegaram a um entendimento. Os jesuítas se comprometeram a atenuar os efeitos do Breve, não interferindo nos índios que estivessem prestando algum tipo de “serviço pessoal” aos colonos, seja nos engenhos, em domicílios ou no campo e devolvendo aos seus donos aqueles que estivessem refugiados nos aldeamentos. Os civis, por sua vez, desistiram de expulsar os padres da Companhia de Jesus do Rio.
O Breve papal não causou tumultos apenas no Rio, mas sua divulgação gerou conflitos nas vilas de Santos, São Vicente e São Paulo, onde a expulsão foi efetivada.
(Giovanna Wermelinger, graduanda no curso de História da UFF e pesquisadora do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ -CNE/2018-2021)
Jesuítas espanhóis chegam no Brasil portando uma cópia do Breve papal de 1639, que decretava a liberdade indígena na América.
Divulgação do Breve papal de 1639, que decretava a liberdade indígena na América.
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ALVAREZ, José Mauricio Saldanha. “O Reino Noturno da Ronda da Guarnição: Agitação Militar no Rio de Janeiro do Século XVII”. CLAHR: Colonial Latin American Historical Review 15, no. 2 (2006): 143-75.
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