Corria o ano de 1797 quando a vila de Nova Pombal (atual município de Ribeira do Pombal), no sertão da Bahia, foi sacudida por um levante indígena que atemorizou os portugueses da região e colocou em alerta as autoridades locais, exigindo a intervenção do governador da capitania. Alguns meses depois explodiria um segundo motim, de consequências dramáticas.
A conjuração dos Kiriris, em sua manifestação inicial, ocorreu em julho daquele ano, tendo como principal objetivo a nomeação do indígena José Félix Cabral, identificado como líder do movimento, para o posto de capitão-mor da vila. Cabral obteve apoio do capitão-mor da vila de Mirandela, Constantino Pereira Ribeiro, reunindo em torno de si um grupo de cerca de 400 indígenas.
O grupo ingressou na sede da vila de Nova Pombal armado e “a toque de caixa”, isto é, em formação militar, preparado, portanto, para a guerra. O movimento de aclamação de José Felix Cabral como capitão-mor da vila parece ter sido bem sucedido, mas o levante se dispersou após a ida de Cabral para a cidade de Salvador. Na capital, para onde se dirigiu em companhia do juiz ordinário Paulo de Freitas, que o apoiava, o rebelde tinha a expectativa – segundo uma das versões – de conseguir que o governador lhe passasse a patente de capitão-mor, confirmando a sua aclamação pelos moradores da vila.
Ao contrário do que imaginava, em Salvador ele foi preso, vindo a morrer no cárcere. O fato é que a sua retirada para a capital pôs fim à revolta, que seria retomada poucos meses depois.
Para ler o verbete do segundo levante, em outubro do mesmo ano, clique aqui.
(Fabricio Lyrio Santos, Professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e autor do artigo “A conjuração dos Kiriris: sublevação indígena e disputa de terras no sertão da Bahia no final do século XVIII (1797-1798)”, Boletim do Museu Goeldi Ciências Humanas, Belém, v. 19, n. 1, 2024)
Antecedentes
Governo de D. José I (1750-1777), com destaque para a atuação do Marquês de Pombal, e para as reformas que buscaram fortalecer o controle da Coroa portuguesa sobre o Brasil. A Lei de Liberdade dos Índios do Maranhão (1755) proibiu a escravização indígena, mas impôs sua integração forçada ao trabalho colonial. Em 1757, o Diretório dos Índios regulamentou essa política, buscando assimilar os indígenas à cultura europeia e reduzir a influência da Igreja em suas comunidades. Nessa direção em, 1759, D. José I determinou a expulsão dos jesuítas, confiscando seus bens e desmantelando suas missões, o que conferiu plenamente ao Estado a administração indígena.
Conjuntura e contexto
A ocupação das terras demarcadas em favor das comunidades indígenas na colônia se intensificou na segunda metade do século XVIII, incentivada pela legislação que visava “integrar” e “civilizar” os habitantes nativos mediante a miscigenação e a interação com os colonos portugueses. As mudanças trazidas pela legislação proporcionaram maior autonomia frente à sociedade colonial, mas também favoreceram a dispersão e a desarticulação de algumas comunidades. Ao mesmo tempo, os territórios que haviam sido destinados aos aldeamentos foram alvo do interesse econômico regional, impulsionado pelo crescimento do setor agropecuário no período.