Revoltas

Inconfidência do Curvelo

Capitania de Minas Gerais (1720 – 1821)Arraial de Santo Antônio do Curvelo

Início / fim

1773 / 07 de outubro de 1776

Data aproximada
Gravura de Joaquim Carneiro da Silva (1771) foi peça da campanha de Pombal contra os Jesuítas, cuja expulsão de Portugal levou a protestos em Minas Gerais. Arquivo Municipal do Porto.

Minas Gerais é popularmente conhecida como palco da Inconfidência Mineira. Porém, antes mesmo da conjuração de 1789 com a participação de Tiradentes, o território já havia passado por outra Inconfidência, a de Curvelo em 1776,  evento que começou com uma série de acusações ao Rei de Portugal, D. José I, e a seu ministro, o Marquês de Pombal. O vigário local, padre Carlos José de Lima, foi o principal responsável pelas críticas que protestavam contra a expulsão dos jesuítas de Portugal, acontecida em 1759, e a perseguição aos nobres. Denunciado por seus inimigos, o vigário foi declarado culpado e preso depois de uma rigorosa investigação que transcorreu no mesmo ano.

O Arraial de Curvelo, muito antes de 1776, era um local marcado por tensões de diversas origens. A expulsão dos jesuítas nos anos anteriores havia aumentado as insatisfações ainda mais. Dessa forma, em 1760 começaram a circular várias críticas direcionadas ao Rei Dom José I. Foi espalhado na região o boato de que o Papa Clemente XIII havia desaprovado publicamente o Rei Dom José I e seu ministro, Marquês de Pombal, pela perseguição aos nobres e a expulsão da Companhia de Jesus. O padre Carlos José de Lima, suspeito de fazer circular críticas àquelas decisões, apareceu como suspeito, justificando a abertura de três investigações judiciais (devassas) entre 1761 e 1763. 

Graças à sua posição e riqueza, o clérigo conseguiu escapar de ser condenado, porém a sua péssima reputação o levaria à ruína  dezesseis anos depois. A Inconfidência de Curvelo, como foi chamada essa movimentação de protagonistas locais que atacavam e disseminavam  ideias de oposição ao monarca e sua corte, não pretendia romper com Portugal, como ocorreria na Inconfidência Mineira de 1789. A do Curvelo foi uma reação à expulsão dos jesuítas, que também envolveu um conflito de interesses que transcorreu na região, aumentando a repercussão das críticas, e que culminou com a abertura de uma investigação bastante rigorosa em 1776 contra seus autores. 

O padre Carlos José de Lima era um homem extremamente rico e influente na região e contava com uma lista considerável de inimigos, que incluíam não só comerciantes e fazendeiros, mas também eclesiásticos, como o padre João Gaspar Barreto, vigário encomendado, ou seja, um sacerdote  que atuava em caráter provisório nas pequenas comunidades ainda desprovidas de uma paróquia canônica e legalmente constituída. O testemunho desse seu adversário seria decisivo na devassa de 1776. Na realidade, o historiador Leandro Pena Catão defende que existia um grupo de régulos locais que tinha o desejo de se livrar do padre Carlos José de Lima e de sua autoridade na região, desejo esse expresso desde o ano de 1763. Essa vontade não diminui com o passar dos anos, na verdade foi reforçada com a chegada do padre João Barreto. (CATÃO, 2007, p.321-329).

Na apuração de 1776, o padre João Barreto narrou um evento ocorrido três anos antes, uma tentativa de denúncia contra o padre Carlos José de Lima por dizer “sediciosas palavras” que não foi adiante graças à influência do clérigo. Neste mesmo ano, no final de agosto, a investigação foi aberta com a maioria das testemunhas formada por pessoas residentes em Curvelo desde 1760, pois foi a partir dessa data que o réu havia iniciado seus discursos sediciosos contra a figura do Rei José I. O primeiro a testemunhar foi o ancião Sebastião de Almeida, que disse: “na ocasião em que correu a notícia da exterminação dos jesuítas, mostrou-se muito sentido o Reverendo denunciado, por ter, na mesma Companhia, o padre José de Andrade, seu tio, no Colégio da Bahia, e que, nessa ocasião, ouvira ele dizer ao mesmo denunciado que era tirania e grande injustiça a expulsão dos jesuítas, que eram as Luzes do Mundo […]” (testemunho de Sebastião de Paiva Almeida, 75 anos, homem branco, sesmeiro, lavrador, natural do Rio de Janeiro à investigação do juízo ordinário. AHU. Cx. 110 doc. 29 fl. 9). As testemunhas seguintes foram o seleiro Bento do Rego Figueiredo, o padre João Gaspar Barreto, o Capitão-Mor Luiz Carneiro de Souza e Luiz Rodrigues Alvarenga, que também incriminam o padre sem nenhuma exceção. Por fim, o ex-soldado granadeiro Antônio de Azevedo Castro teve papel fundamental no processo, pois, segundo ele, as falas revoltosas que o padre proferiu foram influenciadas por ele próprio. Antônio de Azevedo ainda declarou que eles haviam sido bons amigos por um breve momento antes de se desentenderem. Após este testemunho, o juiz ordinário Agostinho Mendes da Silva encerrou a apuração dos fatos e no dia 26 de agosto de 1776, o padre Carlos José de Lima foi declarado culpado pelo crime de Inconfidência.

 No dia 28 de agosto o caso acabou por se complicar, porque  o padre resistiu à prisão. A situação ficou tão preocupante que o governador da capitania  de Minas Gerais, Dom Antônio Noronha, ordenou a realização de uma nova apuração e no dia 25 de setembro duas testemunhas que não haviam prestado depoimento foram ouvidas pelo juiz ordinário da Vila do Papagaio: o alferes João Perez de Souza Soto e o furriel João Guedes Pinto. Como ambos incriminaram o padre, a sentença foi a mesma da anterior. 

O governador, depois de receber um pedido de ajuda do juiz do distrito de Curvelo, enviou uma diligência que capturou e prendeu o padre Carlos José de Lima. Ao mesmo tempo, o governador também enviou para Curvelo o recém-chegado ouvidor de Sabará, José Antônio Barbosa do Lago, com o objetivo de servir de escrivão em uma nova apuração bastante rigorosa sobre o caso, agora comandada pelo bacharel Antônio de Gouvêa Coutinho, juiz de fora da cidade de Mariana. Em 4 de outubro de 1776 foi aberta uma nova investigação. As inquirições que começaram no dia seguinte, passando a convocar as mesmas testemunhas da devassa anterior mas dessa vez narrando o que sabiam com mais detalhes. Como na apuração anterior, todos as testemunhas depuseram contra o padre Carlos, com exceção de João Araújo Cunha, que testemunhou a favor do vigário, defendendo-o ao dizer que aqueles que o incriminavam fizeram-no sem provas e com o único desejo de expulsá-lo da freguesia. Todavia, essa testemunha não foi o suficiente para mudar a decisão do ouvidor Barbosa do Lago. 

Feitas duas investigações, ambas confirmaram o envolvimento do padre por verbalizar publicamente críticas políticas ao soberano, o que juridicamente constituía então crime de inconfidência. Porém, a segunda apuração levou o ouvidor a tomar uma decisão surpreendente, a de não só prender o padre Carlos José de Lima, como também a todos aqueles que haviam sido testemunhas nas investigações e se encontravam na posição de acusadores.

No dia 7 de outubro de 1776, a sentença final era lida no arraial de Curvelo: “Obrigam as testemunhas dessa devassa à prisão e ao sequestro do denunciado reverendo Carlos José de Lima, vigário colado da freguesia de Santo Antônio do Curvelo, por se acharem plenamente provados os fatos contidos no Auto da mesma devassa; a José Góes de Ribeiro Lara, Ouvidor que foi desta comarca, por não tomar conhecimento, como devia, dos fatos contemplados no dito auto, que lhe foram denunciados no ano de setenta e três”. Várias testemunhas que moravam no distrito são condenadas, “por não delatarem imediatamente os fatos que declararam em seus juramentos, como por não encontrarem as práticas tendentes a sedição”. Até mesmo um dos envolvidos, que a essa altura morava em Salvador, foi condenado. A todos recaiu o peso da lei. Segundo a sentença, “Proceda-se à captura contra os sobreditos e sequestros de todos os seus bens.” (AHU. Cx. 110, doc. 29 fl. 36.)

Após uma tentativa fracassada de convencer o padre Carlos José de Lima, preso na Vila de Sabará, a confessar seus crimes, o governador Dom Antônio Noronha decidiu por enviar o padre Carlos José e o padre João Gaspar Barreto para Lisboa, onde seriam julgados. O governador temia que uma conspiração pudesse se repetir caso não fossem tomadas medidas mais extremas, por isso, decidiu não realizar o julgamento em Minas Gerais. Ambos foram enviados para o Rio de Janeiro, onde ficaram em isolamento na Fortaleza da Ilha das Cobras sob os cuidados do Marquês de Lavradio, Vice-Rei do Brasil. Em 1777, eles chegaram a Lisboa, mas ficaram por pouco tempo, já que o Marquês de Pombal  havia se afastado do cargo de Ministro e Dona Maria I havia substituído o falecido Dom José I como soberano de Portugal. 

Graças à liberalidade de Dona Maria I, que decidiu libertar todos os prisioneiros da era pombalina, ambos retornaram a Curvelo e tiveram seus bens devolvidos. No dia 20 de janeiro de 1778, Dona Maria I ordenou a soltura dos prisioneiros restantes da Inconfidência de Curvelo que se encontravam nas masmorras de Vila Rica, bem como a restituição de seus bens.  

 

Izabella Thomaz Lopes, Henrique Heron de Oliveira Sanchez e Théo Marques de Paula, graduandos em História na UNIFESP. Este texto é resultado da disciplina Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão I (2022/2).

Números da Revolta

Aproximadamente 4 anos de duração
7 participantes

Outras designações

Conspiração de Curvelo

Grupos sociais

Autoridades

Delatores

Réus e Condenados

Ações de protesto não-violentas

  • Desobediência
  • Fuga
  • Pasquins
  • Sermões
  • Troca de cartas

Ações de protesto violentas

  • Ofensas Públicas

Repressão

Contenção

  • Envio de autoridade
  • Prisões

Punição

  • Confisco e venda de bens
  • Envio de presos para Metrópole
  • Envio de presos para vila
  • Prisão

Instâncias Administrativas

  • Auditório eclesiástico
  • Governador
  • Governador da Capitania
  • Rainha

Bibliografia Básica

CATÃO, Leandro Pena. Inconfidências, jesuítas e redes clientelares nas Minas Gerais. In: VILLALTA, Luiz Carlos; RESENDE, Maria Efigênia Lage de. História de Minas Gerais: As Minas setecentistas. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, Pág. 321; 329.

CATÃO, Leandro Pena. “Sacrílegas Palavras”: Inconfidência e presença jesuítica nas Minas Gerais durante o período pombalino”. Programa de Pós-Graduação em História da UFMG, 2005 (Tese de doutorado).

Arquivos e fontes manuscritas

Fonte Primária

Auto da Devassa da Inconfidência contra o reverendo Carlos José de Lima, 4 de Outubro de 1776 - Disponível no Projeto Resgate do Arquivo Histórico Ultramarino, Caixa 110-Nº 29, pág. 6-32.

Fonte Primária

Autos da tomada de bens de Carlos José da Silva Lima, 16 de Dezembro de 1776 - Disponível no Projeto Resgate do Arquivo Histórico Ultramarino, Caixa 110-Nº 52.

Fonte Primária

Carta de Ordem que determina a libertação dos condenados Carlos José de Lima e João Gaspar Barreto, detidos por ordem de D. Antônio Noronha, governador de Minas, 11 de Novembro de 1777 - Disponível no Projeto Resgate do Arquivo Histórico Ultramarino, Caixa 111-Nº 68.

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