Revoltas

Guerra dos Emboabas

Capitania Real do Rio de Janeiro (1567 – 1821)Sabará | Caeté | Arraial Novo do Rio das Mortes | Arraial da Ponta do Morro de Santo Antônio | Vila Rica

Início / fim

1707 / outubro de 1709

Guerra dos Emboabas, de Carybé (1962, óleo sobre tela), exposto no Museu Mineiro.

Na região das Minas Gerais, no ano 1707, um paulista mata um forasteiro – “emboaba” – que era aparentemente dono de uma estalagem. Esse evento acarretaria uma série de conflitos mais intensos entre esses dois grupos – paulistas e forasteiros – que disputavam o controle político, econômico e social da região. Os paulistas, na condição de descobridores e povoadores da região, se consideravam no direito de ocupar os melhores cargos e receber as melhores datas minerais, além de reivindicar a exclusividade no direito de exploração das minas de ouro e do comércio monopolista de abastecimento. Já os forasteiros, também chamados pejorativamente de “emboabas” (em tupi, galinha de pernas emplumadas), vindos das capitanias do Brasil e de Portugal e que haviam chegado posteriormente à região, disputavam esses mesmos cargos e outros direitos. Até o final de 1709 sucessivos confrontos entre os grupos se desenrolaram até que os emboabas chegassem à vitória e fosse criada a capitania de São Paulo e Minas do Ouro.

A descoberta de veios auríferos espalhados pelos rios no sertão montanhoso da capitania de São Paulo pelos bandeirantes aconteceu nas últimas décadas do século XVII. Sem demora, os moradores das vilas do planalto paulista migram para o local. A prerrogativa de descobridores de minas “gerais” (porque dispersas pelo território) tornou-se um sentimento muito forte usado para legitimar o direito de explorar a terra em detrimento daqueles não-paulistas que passam a chegar. Com a migração massiva e descontrolada de forasteiros, melhor armados e em maior número, os ditos descobridores foram perdendo o monopólio dos cargos, tendo a partir de então novos concorrentes. Por outro lado, nos primeiros anos do século XVIII, a região das minas era marcada por uma grave crise alimentícia, agravada pela falta de sal e por uma onda inflacionária nos preços, provocada pelo grande volume de ouro extraído. Em razão dessa circunstância, um dos grandes focos de insatisfação surgiu a partir da renovação em 1706 do contrato que garantia o monopólio das carnes.

No ano seguinte, em 1707, esse contrato foi arrematado por Amaral Gurgel, do grupo dos emboabas, que já detinha o contrato anterior, e também o de fumo, em sociedade com Frei Francisco de Meneses, Frei Firmo e Corrado, Frei Pascoal Moreira Guimarães e o testa de ferro Salvador Viana da Rocha. Preteridos do estanco alimentício, os paulistas, liderados por Domingo da Silva Monteiro e Bartolomeu Bueno Feio, opuseram-se ao contrato na vila de São Paulo e no arraial de Ouro Preto, provocando uma revolta contra Gurgel, que se viu obrigado a fugir para a localidade de Bananal. Frei Francisco dos Meneses, por sua vez, não quis abandonar o negócio e, a fim de manter seus planos, partiu para Sabará. Os paulistas, apesar da insistência do Frei, decidiram não recuar e, para tanto, nomearam procuradores do povo (D. Francisco Renson, Julio Cesar Moreira e outros) que seguiram para o Rio de Janeiro e, junto às autoridades, argumentaram contra esse arrematante, alegando que o contrato era direito dos paulistas. Eles estavam tão firmes em suas posições que se comprometeram, caso não revertessem a causa junto ao governador da capitania do Rio de Janeiro D. Fernando Martins Mascarenhas Lencastre, que tinha jurisdição sobre a região, reclamariam diretamente com o rei em Portugal. O ato de recorrer ao rei, caso o governador não anulasse o contrato, demonstra que os paulistas tinham algum conhecimento do possível envolvimento do governador na sociedade que venceu o contrato.

Nesse motim, os paulistas até conseguiram suspender o contrato, contudo, os emboabas reagiram. Prenderam Domingos da Silva Monteiro e o Bartolomeu Bueno Feio, que ainda tiveram suas armas tomadas. Embora não fizesse parte diretamente da guerra dos emboabas, esse levante serviu para acirrar os ânimos, tornando a situação ainda mais inflamada. A prisão dos dois paulistas e a falta de reação imediata dos compatriotas pode ter servido como evidência de que os emboabas tramavam para assumir a hegemonia na região. Talvez até um plano de levante dos emboabas possa ter surgido ali, bem como a consolidação da liderança dos forasteiros, Nunes Viana, exemplificada quando esse conduziu presos Domingos da Silva Monteiro e o Bartolomeu Bueno Feio para Rio das Velhas.

Após o assassinato de um forasteiro dono de estalagem por um paulista, em 1707, as tensões entre os dois grupos ficaram evidentes e ainda maiores. Nesse cenário conturbado, já no ano seguinte, mais especificamente em outubro, uma disputa pela posse de uma espingarda acirrou os ânimos. Esse evento marcou o início da guerra nas Minas Gerais. Um emboaba havia perdido a arma que pegou emprestada de um paulista. Para solucionar o impasse, um duelo foi proposto entre representantes locais de cada grupo: o português Manuel Nunes Viana e o paulista Jerônimo Pedroso. Na porta da Igreja de Caeté, houve uma discussão entre eles, contudo, os paulistas recuaram evitando uma escalada dos confrontos. Os seus congêneres, no entanto, ofendidos pela recusa do desafio, iniciaram um motim em direção a casa de Nunes Viana onde estavam à espera dos adversários cerca de 600 a 700 forasteiros, vindos dos arraiais de Caeté, Rio das Velhas e Sabarabuçu. Borba Gato, paulista, e superintendente das minas, conduziu então uma série de negociações para apaziguar temporariamente as tensões.

Ainda no ano de 1707, uma importante vitória dos emboabas passou a determinar os rumos do conflito. Tudo começou quando um paulista chegou a Sabará alegando que possuía ouro para vender. Estranhando aquela atitude de aproximação, os emboabas da região, entenderam a oferta como uma ameaça e organizaram uma ofensiva, liderada por Nunes Viana, para expulsar os paulistas e garantir o controle do arraial e das minas de ouro pelos forasteiros. Derrotados pelas forças militares dos emboabas os paulistas  seguiram o fluxo do Rio das Velhas até se reunirem em Cachoeira do Campo. Seguidos pelos forasteiros, mais uma vez foram expulsos do local e Nunes Viana foi aclamado governador das Minas Gerais. O restante das tropas seguiu para Ribeirão do Carmo e Guarapiranga a fim de submeter os moradores ao poder do novo governador, poreḿ, sofreram sua primeira derrota.

A muitas léguas dali, outro episódio decisivo transcorreu. Temerosos de um  novo  ataque e sentindo-se ameaçados por estarem em menor número na região do Rio das Mortes, os emboabas pediram socorro para Nunes Viana, que enviou tropas lideradas por Bento do Amaral Coutinho, para atacar os paulistas na área. Em dezembro de 1708, os emboabas chegaram na região com cerca de 200  homens prontos para o ataque, enquanto os paulistas dividiram-se em grupos a fim de espreitar o inimigo no mato. Ficaram sitiados no capão – uma espécie de matagal – e, para responderem a tal cerco, atacaram os emboabas, matando um negro e ferindo outros soldados. Após uma noite e um dia de cerco, os paulistas enviaram um boletim de rendição para Bento do Amaral, o que foi aceito pelos emboabas, no entanto, depois que entregaram as armas, foram executados. Alguns se salvaram e partiram para São Paulo. Esse episódio ficou conhecido como Capão da Traição, considerado pela historiografia como um dos principais eventos da Guerra dos Emboabas.

A fim de apaziguar os conflitos, Antônio de Albuquerque, governador do Rio de Janeiro que havia substituído D. Fernando de Lencastre, chegou à zona de guerra entre setembro e outubro de 1709 em um momento de crise do governo emboaba. Quando assumiu o poder após ser proclamado pelo povo, Nunes Viana desagradou seus aliados com a partilha dos cargos e com a divisão do contrato das carnes, que privilegiava o gado de Nunes Viana em detrimento de outros criadores. Auxiliado por esta circunstância a intervenção  do governador fluminense foi bem sucedida (ao contrário da ensejada anteriormente por D. Fernando de Lencastre) conseguindo destituir Manuel Nunes Viana do cargo e afastá-lo para o sertão de São Francisco.

Apesar da contenção do poder dos emboabas, aparentemente controlados pelo governador, os paulistas tentaram um último contra-ataque. Cerca de 2000 paulistas, liderados por Amador Bueno, partiram de Guaratinguetá (São Paulo)  para uma vingança na região do Arraial Novo. Antônio de Albuquerque até tentou demovê-los do ataque, mas os paulistas estavam insatisfeitos com a forma como o governador conduziu o processo de apaziguamento dos embates, que, seguindo algumas recomendações do Conselho Ultramarino, concedeu perdão geral aos envolvidos no levantamento. Em resposta à ameaça vinda de São Paulo, os emboabas montaram um fortim para a sua defesa. Após oito dias de cerco, os paulistas souberam que uma tropa emboaba de Ouro Preto estaria chegando para socorrer aquele arraial e em 22 de novembro de 1709 fugiram novamente para São Paulo, deixando um total de 88 mortos e feridos, sem conseguir o domínio da região.

Foi criada, então, a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, em 9 de novembro do mesmo ano, sob o governo do próprio Albuquerque, marcando o fim da Guerra dos Emboabas. A região em que ocorreu esse motim, embora distante geograficamente do centro da capitania do Rio de Janeiro, estava sob sua jurisdição, e assim permaneceu até o ano de 1709, segundo consta a Carta Régia de 23 de novembro do mesmo ano. Ainda no mesmo mês, no dia 27, o Alvará régio confirmou a decisão antes tomada pelo governador: indulto geral para todos os envolvidos na revolta.

(Giovanna Wermelinger, graduanda no curso de História da UFF e pesquisadora do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ -CNE/2018-2021)

(Leandro Machado, graduando no curso de História da UFF e pesquisador do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ -CNE/2018-2021)

Grupos sociais

Autoridades

Lideranças

Ações de protesto não-violentas

  • Aclamação de autoridades
  • Nomeação de autoridades
  • Nomeação de procuradores
  • Reunião com autoridades para negociar

Ações de protesto violentas

  • Ameaça de destruição da cidade
  • Ataques Noturnos
  • Batalhas e combates
  • Cerco a imóveis
  • Cerco e destruição de cidade ou vila
  • Convocação forçada de moradores
  • Execuções
  • Expulsão de adversários
  • Flechas Disparadas
  • Incêndios
  • Invasão de cidade ou vila
  • Mobilização de escravos armados
  • Mobilização de forças militares
  • Morte de inimigos
  • Queima de plantações
  • Tiros

Repressão

Contenção

  • Envio de autoridade

Punição

  • Não informadas

Instâncias Administrativas

  • Conselho Ultramarino

Bibliografia Básica

BARREIROS, Eduardo Canabrava. Episódios da Guerra dos emboabas e sua Geografia. 83. ed. Belo Horizonte: Livraria Itatiaia Editora Ltda, 1984.

CAMPOS, Maria Verônica. Governo de mineiros. “De como meter as minas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado”, 1693 a 1737. Tese de Doutorado. São Paulo: USP, Departamento de História, 2002, p. 390-392.

ROMEIRO, Adriana. Paulistas e emboabas no coração das Minas: ideias, práticas e imaginário político no século XVIII. 1. ed. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2008.

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