Revoltas

Guerra de Cabo Frio

Capitania Real do Rio de Janeiro (1567 – 1821)Cabo Frio

Início / fim

27 de agosto de 1575 / 22 de setembro de 1575

"Colonos de São Vicente e aliados Tupiniquins defendo a Ilha de Santo Amaro de um ataque Tupinambá", gravura de Theodore de Bry (1596). A Guerra dos Tamoios envolveu europeus e indígenas de ambos os lados em uma série de conflitos que visavam a posse da região do Rio de Janeiro - Fonte: Jornal Correio do Brasil.

Dez anos após a fundação da cidade do Rio de Janeiro (1565) e da expulsão dos franceses e tamoios da Baía de Guanabara (1567), ainda restava nos arredores de Cabo Frio um último foco de resistência de tamoios e franceses, responsáveis pelo contrabando de pau-brasil e ataques aos navios portugueses. O novo Governador do Rio de Janeiro, Antônio Salema (1574-1577), visando sepultar a resistência franco-tamoia, convocou, em agosto de 1575, tropas portuguesas para agirem, em conjunto com uma força militar de indígenas catequizados. A questão foi resolvida em pouco tempo. Os inimigos se renderam rapidamente mas, ao invés de uma resolução pacífica e pouco custosa, o desfecho foi violento: aldeias foram queimadas ,  milhares de indígenas assassinados e os sobreviventes escravizados.

A ameaça franco-tamoia não era uma novidade para os portugueses na costa brasileira. Desde a fundação da França Antártica em 1555 (colônia francesa na Baía de Guanabara), os lusitanos viram sua soberania ser ameaçada. Isto os motivou a enviar expedições para a região em 1560 e 1567 que resultaram na destruição do Forte Coligny e na expulsão dos franceses e tamoios da Baía de Guanabara e na criação da cidade do Rio de Janeiro. A “Guerra de Cabo Frio” é a continuação do processo de expulsão, cativeiro e extermínio desses grupos que se arrastava há décadas no litoral sudeste.

O protagonista desse episódio e responsável pelo genocídio foi Antônio Salema, nomeado Governador da Capitania Real do Rio de Janeiro em 1574 para suceder Cristóvão Barros (1572-1574). Logo após se instalar na cidade, recebeu reclamações de ataques tamoios em plantações de cana de açúcar, por isso tomou como primeira ação se livrar dos franceses e tamoios remanescentes em Cabo Frio, que também participavam ativamente do tráfico de pau-brasil.

Em 27 de agosto de 1575 foram reunidos 400 europeus e 700 tupiniquins para marchar sob a vila tamoia chefiada por Japuguaçú. Os indígenas estavam armados de arcabuzes e canhões franceses, fruto da aliança franco-tupi para resistir aos portugueses. Essa coalizão também garantiu a chegada de 500 guerreiros tamoios vindos da região da Paraíba do Sul, para reforçar as fortificações da vila e teria sido liderada por dois oficiais franceses e um inglês. Esse mesmo grupo estaria quebrando uma paz estabelecida com os portugueses em 1574.

Ao contrário das grandes batalhas da fundação do Rio de Janeiro que contavam com feitos militares de Araribóia e Estácio de Sá, essa se deu de maneira diferente. O primeiro contato foi um conflito que forçou os tamoios a recuarem para sua fortificação. O governador não estava disposto a realizar um descuidado ataque direto e escolheu montar um cerco na aldeia fortificada. Dias se passaram e, durante esse tempo, Salema teve sucesso ao convencer parte dos franceses da área a abandonar seus aliados indígenas, aceitando uma rendição separada. O cerco continuou e os suprimentos e água do assentamento diminuíram, até chegarem num estado crítico. O governador temendo um ataque desesperado, enviou um jesuíta, padre Baltasar, para ter com o cacique.

A conversa entre o padre e Japuguaçu provavelmente ocorreu bem, já que, no dia 22 de setembro, o cacique emergiu de seus muros, ricamente trajado e de cabeça erguida, para  negociar com o governador português. Uma rendição foi acordada:  os dois franceses e o inglês foram entregues aos lusitanos e enforcados na praia após uma última confissão com o padre. Os reforços de guerreiros tamoios vindo da Paraíba do Sul também tiveram um destino sombrio, sendo 500 deles executados ou oferecidos como escravizados para os oficiais a serviço do governador Salema. Tanta violência seria uma punição pela quebra da paz estabelecida com os portugueses no ano de 1574. A última exigência seria a destruição das fortificações de sua aldeia e o levantamento de uma cruz na mesma. Em troca, seu povo poderia continuar vivendo ali como vassalos dos portugueses.

Antônio Salema, no entanto, não estava satisfeito. Esta era apenas a primeira aldeia – e a mais forte – da região a ser atacada. Em seguida adentrou as matas de Cabo Frio até Búzios hasteando a cruz de malta. As aldeias seguintes teriam se rendido sem muita resistência, mas isso não o impediu de queimá-las, nem de assassinar e escravizar milhares de tamoios no processo. Os números estimados chegam a quase 10.000. Parte das famílias que sobreviveram foram separadas e enviadas para diferentes vilas. Com isso, uma fração da baixada litorânea do Rio de Janeiro foi transformada em um vazio demográfico, pois os que conseguiram escapar foram se abrigar na Serra do Mar ou em outras áreas do interior, onde a presença européia era menor. Restaram apenas as cinzas das aldeias abandonadas.

Frei Vicente do Salvador, que tardiamente descreveu o episódio da guerra de Cabo Frio em sua obra História do Brasil: 1500-1627,  apresenta uma versão menos violenta e mais comprometida em assinalar a missão evangelizadora da conquista:

“[…] pelo que  determinou [Antônio Salema] logo lançá-los [os indígenas] fora, e para isto se ajuntou com Cristóvão de Barros, e com 400 portugueses, e 700 gentios amigos, cometeram animosamente os franceses, e posto que os acharam  já fortificados com os Tamoios, e se defenderam com muito ânimo, todavia apertaram tanto com  eles, que tiveram por seu bem entregar-se, e os  Tamoios, que escaparam, com espanto do que  tinham visto se afastaram de toda aquela costa, mas os cativos, que quiseram receber a Fé, pôs o  governador Antônio Salema em duas aldeias no recôncavo do Rio de Janeiro, a que chamaram uma  de S. Barnabé, e outra de S. Lourenço, e se encomendaram aos padres da companhia, para que  como aos outros catecúmenos lhes ensinassem o ministério de nossa Fé.” (1931; p.68).

 

No relato de Frei Vicente do Salvador não é mencionado o massacre e a escravização após a rendição dos inimigos, mas sim a transferência dos nativos, que estivessem dispostos a se converterem ao catolicismo, para duas aldeias.

As ações inclementes de Salema em relação aos indígenas foram uma constante durante seu governo. Um exemplo disso ocorreu quando assassinou indígenas não belicosos nas proximidades da atual lagoa Rodrigo de Freitas ao espalhar roupas contaminadas com varíola entre eles, visando desocupar o espaço para construir o Engenho d’El-Rei. Ou quando reclamou da maneira “descortês” que Araribóia se sentou – de pernas cruzadas – numa reunião. Nessa ocasião, o herói de guerra temiminó (etnia indígena aliada aos portugueses) deu a famigerada resposta que ecoa até hoje: “Se tu soubera quão cansadas eu tenho as pernas das guerras em que servi a El-Rei, não estranharias dar-lhes agora este pequeno descanso; mas, já que achas pouco cortesão, eu me vou para minha aldeia, onde nós não curamos desses pontos e não tornarei mais à sua corte”.

Observando essas ações de Salema, não é difícil entender sua mentalidade violenta no tratamento dos nativos, um tipo de ação nada incomum no cenário colonial. A guerra de Cabo Frio não é apenas uma parte da história da atual região dos Lagos, no Rio Janeiro, mas um episódio que evidencia o trato violento do colonizador com o colonizado. Reforça a tendência de os europeus se aproveitarem das rivalidades dos grupos indígenas para atingir seus objetivos, fortalecer sua presença no Novo Mundo e lutar tanto contra outras potências europeias e contra outros grupos indígenas.

 

(Eduardo Chu, graduando no curso de História da UFF e pesquisador do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ -CNE/2018-2021)

Antecedentes

Guerra entre Franco-tamoios e os portugueses em conjunto com os portugueses e temiminós.

Conjuntura e contexto

Esse conflito marca o final de um longo processo desde 1560, em que os portugueses e tupiniquins têm lutado para expulsar os franceses e tamoios da região.

Números da Revolta

26 dias de duração
aproximadamente 10.000 (pelo menos 700 tupiniquins e 300 portugueses, assim como 500 tamoios vindos do Vale da Paraíba) participantes

Grupos sociais

Autoridades

Lideranças

Ações de protesto não-violentas

  • Negociações e acordos de paz

Ações de protesto violentas

  • Flechas Disparadas
  • Mobilização de forças militares

Repressão

Contenção

  • Expedição armada ou repressão militar

Punição

  • Envio de presos para vila
  • Escravização e reescravização

Instâncias Administrativas

  • Governador da Capitania

Bibliografia Básica

CANDIDO, Juliano Klevanskis. Ethnohistorical Sources and the Tupi-Guarani Peoples of Brazil during the Colonial Period. Dissertação de Mestrado. Haifa: Universidade de Haifa, 2010.

DORIA, Pedro. 1565: Enquanto o Brasil nascia: A aventura de portugueses, franceses, índios e negros na fundação do país. Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2017.

HEMMING, John. Red Gold. The conquest of the Brazilian Indians. Southampton: The Camelot Press Ltd, 1978.

Fontes impressas

SALVADOR, Frei Vicente. História do Brasil 1500-1627. 3a. ed. revista por Capistrano de Abreu e Rodolpho Garcia. São Paulo: Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1931.

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