Localizando a Revolta de Carrancas no tempo e no espaço (15 minutos)
Distribua para cada um dos estudantes uma folha contendo 1 mapa representando a divisão político administrativa do Brasil Império e 1 mapa representando a divisão político administrativa do Brasil na atualidade. Realize oralmente um exercício de comparação dos mapas. Sugerimos a introdução das seguintes questões para direcionar a discussão:
1. Localize no mapa, criando uma legenda, a capital do Brasil no tempo do Império (1822-1889) e a capital do Brasil na atualidade
2. Quais as diferenças que vocês observam entre os dois mapas?
3. Quais as semelhanças?
Este exercício inicial tem a intenção de chamar atenção dos estudantes para o fato de que o território do Brasil no período imperial era dividido em províncias, e a cidade do Rio de Janeiro era a Corte do Império. Explique que com a proclamação da República, em 1889, o território do Brasil passou a ser dividido em estados e a cidade do Rio de Janeiro denominada capital federal.
Em seguida distribua para os estudantes o texto “Massacre em Carrancas” de Marcos Ferreira de Andrade, publicado na Revista Impressões Rebeldes. Caso a escola possua um laboratório de informática os alunos poderão acessar o texto no site
Introduza o tema da aula: a revolta escrava de Carrancas, ocorrida nas Fazendas Campo Alegre e Bela Cruz na província de Minas Gerais em 1833. Peça para que os estudantes localizem no mapa do Brasil Império a província de Minas Gerais e a pinte de laranja, elaborando sua respectiva legenda. Com um projetor apresente o mapa da província de Minas Gerais (material 1) no qual podemos visualizar as diferentes comarcas e as vilas mais importantes (Comarca do Rio das Velhas e a vila de Sabará; Comarca de Ouro Preto e a Vila Rica; Comarca do Rio das mortes e a Vila de São João Del Rei). Observe que as fazendas Campo Alegre e Bela Cruz ficavam na Comarca do Rio das Mortes e que esta fazia divisa ao sul e sudeste com as províncias do Rio de Janeiro e São Paulo. O arraial de Carrancas localizava-se a sudoeste da Vila de São João del Rei, próximo ao rio Capivari.
Comente que de acordo com documentos da época (Mapas populacionais de 1833-1835), a Comarca do Rio das Mortes possuía 91.979 habitantes, sendo que 55.146 livres (59,9%) e 36.833 escravizados (40,1%). Algumas das regiões dentro da Comarca apresentavam uma maior concentração de população escravizada, por exemplo o termo de São João Del Rei (55,6% de homens livres; 44,4% de escravizados) e a freguesia de Carrancas. (Andrade, 1998-1999, 46-47)
Articule essa informação com a dinâmica do tráfico transatlântico de escravizados na conjuntura da primeira metade do século XIX, caracterizada pela entrada de número expressivo de africanos até a extinção do tráfico internacional em 1850. Relembre que apesar da Lei de 1831 ter considerado o tráfico internacional de cativos ilegal, este continuou sendo praticado: nos primeiros cinco anos após esta lei houve uma redução no tráfico, no entanto nos anos seguintes observa-se um aumento constante da entrada de escravizados nos principais portos do Brasil (Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco). O principal destino de muitos desses africanos escravizados era a região sudeste, em áreas ligadas ao abastecimento interno da Corte. Este era o caso da província de Minas Gerais que se tornou o destino de 48% dos cativos desembarcados no Rio de Janeiro entre 1825 e 1833 (Andrade, 2017, 265). O Atlas Histórico-Econômico do Brasil no século XIX possui mapas sobre o tráfico transatlântico de escravizados no período, que podem ser apresentados aos estudantes para uma melhor compreensão do conteúdo. (Ver Mapa 12 “Tráfico legal e ilegal de escravos, 1776-1860 (por áreas de desembarque)” e Mapa 12A “Regiões de embarque na África”, páginas 52 e 53. E também o gráfico com o número de escravizados desembarcados no Brasil entre 1776 e 1860, página 53) Outra sugestão é acessar com os estudantes a plataforma Slave Voyages.
Comente sobre a dinâmica da economia escravista das Minas nas primeiras décadas do século XIX a partir da interpretação da seleção de documentos 1 (material 2). Realize a leitura oral com os estudantes e peça para que sublinhe nas passagens documentais as atividades econômicas mencionadas. Informe que desde meados do século XVIII as atividades econômicas da região centro-sul da província de Minas Gerais foram se diversificando, processo este que se intensificou ao longo do século XIX. Neste período ocorreu o aumento do comércio ligado ao abastecimento de certos mercados, sobretudo o da Corte (Rio de Janeiro), bem como o desenvolvimento da pecuária e da agricultura. Explique o que era o comércio de tropas e quem eram os tropeiros. Como estratégia para a sistematização do conteúdo, solicite aos estudantes que representem no mapa do Brasil Império o comércio entre a região centro-sul da província de Minas Gerais e a Corte descrito nas passagens documentais, indicando os artigos comercializados e criando sua respectiva legenda.
Projete, ou desenhe na lousa, a linha do tempo do Brasil Império (1822-1889). Relembre com os estudantes que o período do Brasil Império é subdividido em Primeiro Reinado (1822-1831) e o Segundo Reinado que compreende a regência (1831-1840) e o governo de D. Pedro II (1840-1889). Situe a Revolta de Carrancas na linha do tempo mostrando que a insurreição ocorreu durante a Regência, período pontuado por outras revoltas escravas como a do Malês (Salvador, Bahia, 1835) e a do Manuel do Congo (Paty do Alferes, Rio de Janeiro, 1838).
Leitura e compreensão textual (30 minutos)
Sugerimos a Introdução das seguintes questões:
1) Quais as características da população escravizada de Carrancas na década de 1830?
2) Que atividades eram realizadas pelos escravizados das fazendas Campo Alegre e Bela Cruz?
3) Essas fazendas pertenciam a que família?
4) Qual a importância desta família na província de Minas Gerais?
Peça para que os estudantes, reunidos em grupos, leiam os três parágrafos iniciais do texto “Massacre em Carrancas” e analisem as informações do documento 2 “Quadro dos escravos indiciados no processo de insurreição de 1833 na Freguesia de Carrancas” (material 2). Explique brevemente o que significa ser indiciado em um processo. Tomando como base as informações do texto e do documento 2, solicite que respondam às questões propostas acima.
Durante a correção oral é importante destacar e explicar algumas ideias: 1 – a de que os escravizados da região centro-sul da província de Minas Gerais, tinham procedências distintas na África, conforme podemos notar pelo registro no quadro dos escravizados indiciados. Interessante destacar que tais denominações – Benguela, Cassange, Angola, Mina dentre outras – foram construídas por traficantes, agentes administrativos e senhores que identificavam os africanos escravizados de forma genérica pelo nome do porto ou das regiões onde tais indivíduos embarcaram da África rumo às Américas, silenciando sobre os lugares onde haviam nascido, suas aldeias, famílias e os nomes de suas etnias. Por outro lado, no processo de construção de novas identidades no contexto da sociedade escravista, tais indivíduos acabaram adotando essas novas designações, assim como, em larga medida, se socializaram e construíram suas novas relações com indivíduos do seu mesmo grupo de origem (Souza, 2006, p: 84-85; 104-106) 2 – a diferença entre escravizados africanos e escravizados nascidos no Brasil, denominados “crioulos”. Aproveite esse momento para chamar a atenção para as diferentes experiências e trajetórias de homens e mulheres escravizados no Brasil, desconstruindo imagens estereotipadas. Uma dessas diferenças se relaciona ao local de origem na África, o que significa dizer que tais indivíduos genericamente designados como “africanos” eram de variadas etnias, falavam línguas diferentes e pertenciam a sociedades e culturas particulares. Existia ainda a diferença entre os escravizados que vivenciaram a violenta captura na África e a travessia do atlântico, sendo obrigados a se adaptar à nova realidade da escravidão no Brasil, e aqueles já nascidos no Brasil, que cresceram no contexto do escravismo. Comente que geralmente as relações entre os escravizados africanos e “crioulos” eram permeadas por tensões, uma vez que os últimos eram vistos e tratados de forma diferenciada pelos seus senhores em relação aos primeiros. No entanto, no caso do movimento insurgente de Carrancas observamos que africanos de variadas procedências na África se juntaram para fazer o levante, unindo-se também a escravizados “crioulos” que aparecem entre as lideranças. Sugerimos que tal reflexão seja realizada de forma dialogada com os estudantes, recuperando passagens do primeiro parágrafo do texto.
A Revolta Escrava de Carrancas (30 minutos)
O objetivo desta aula é compreender o desenrolar da revolta de Carrancas, identificando os sujeitos históricos envolvidos e suas respectivas motivações e interesses com o movimento insurgente.
Sugerimos iniciar a aula chamando atenção dos estudantes sobre a data do início da revolta “(…) A tarde do dia 13 de maio de 1833 seria fatídica e traçaria um novo rumo para alguns escravos das fazendas da família Junqueira (…)”. O 13 de maio nos faz lembrar de outro acontecimento relacionado a história do Brasil? Esta pergunta tem o propósito de realizar uma avaliação diagnóstica sobre o conhecimento que os estudantes já possuem sobre o tema. Espera-se que alguns deles façam menção ao 13 de maio de 1888, data da abolição da escravidão no Brasil.
Problematize e desconstrua a ideia da abolição da escravidão como uma dádiva concedida pela princesa Isabel. Explique que, durante o século XIX, as revoltas escravas, ao lado de outras ações, como fugas e crimes contra os seus senhores, contribuíram para desestabilizar a ordem escravista e difundir o medo do “haitinianismo” no Brasil. Explique brevemente o que foi a revolução de São Domingos/Haiti (1791-1804). Em meio a essa conjuntura de temor começaram a surgir na década de 1830 discursos de jornalistas e políticos defendendo que a escravidão, como instituição legal, deveria ser combatida para garantir a segurança dos brancos (Albuquerque, 2018, 328).
Comente que anos antes, em 1831, os escravizados da Freguesia de Carrancas já haviam tentado se revoltar, movidos por boatos disseminados pelo vigário Joaquim José Lobo de que o ex-imperador, no caso D. Pedro I, tinha a intenção de conceder a liberdade a eles. A revolta não se concretizou pois os planos foram descobertos antes de sua execução. Neste momento leia os trechos de Documentos 3 (material 2). Comente que ao longo do Primeiro Reinado e da Regência os padres da província de Minas Gerais exerciam outras atividades para além do sacerdócio, sendo proprietários de terras, comerciantes, advogados e assumindo cargos políticos. Alguns deles ganharam projeção no cenário político da província de Minas Gerais e na Corte do Império. (Andrade, 1998-1999, 57)
Relembre que o ano de 1831 foi o da abdicação de D. Pedro I, momento marcado, sobretudo, pelas divergências políticas entre portugueses e brasileiros, e pela formação da facção restauradora. Pressupõe-se que em aulas anteriores o docente já tenha trabalhado com a turma as características políticas da regência. Relembre brevemente os três agrupamentos políticos do período e suas respectivas ideias, que eram defendidas em jornais, no Parlamento e por seus líderes nas localidades onde residiam. Tais disputas entre a facção liberal moderada e os “caramurus” foram também vivenciadas no âmbito da província de Minas Gerais, opondo as famílias influentes e com fortunas da região. Destaque que a primeira tentativa de insurreição em 1831, aconteceu em um momento do acirramento das divergências políticas na Corte (Rio de Janeiro), também sentidas naquela província.
Apresente o seguinte questionamento: Qual o interesse do vigário acusado de incitar os cativos a fazer uma revolta em 1831 contra os seus senhores, já que ele mesmo era um grande proprietário de terras e escravos? A rebelião não representaria um risco para ele próprio? A introdução desta pergunta neste momento tem uma intenção desequilibradora e convidativa, instigando a mobilização intelectual dos estudantes para tentarem refletir sobre o desafio apresentado. Abra espaço para que os estudantes apresentem e desenvolvam oralmente os seus argumentos, valorizando a participação de cada um. Faça uma reflexão de forma dialogada sobre as contribuições feitas, registrando-as no quadro, para que mais adiante sejam recuperadas.
Comente que a revolta de Carrancas de 1833 ocorreu em um momento no qual as disputas entre Liberais e restauradores (“caramurus”), como mencionado acima, ganharam expressão na província de Minas Gerais, no episódio conhecido como Sedição Militar de 1833, em que um grupo identificado pelos liberais moderados como sendo dos restauradores tomaram o poder em Ouro Preto, capital da Província, durante os meses de abril e maio. Os sediciosos retiraram do poder o presidente da província, que foi para São João del-Rei onde organizou a guarda nacional para retomar o controle de Ouro Preto. A Sedição Militar de 1833 foi um conflito de poder que envolveu as elites mineiras. Foi justamente neste contexto que a Revolta de Carrancas eclodiu. Destaque para os estudantes que tanto a tentativa de rebelião de 1831 como a Revolta de Carrancas em 1833 aconteceram em momentos de tensão política. (Andrade, 2017, 272)
Peça para que os estudantes, ainda organizados nos grupos, leiam o restante do texto e completem o quadro a seguir. (obs: docente, você pode solicitar para que os estudantes façam o quadro no próprio caderno, ou então distribuir uma folha com o quadro para que eles preencham com as informações a partir da leitura).
A REVOLTA ESCRAVA DE CARRANCAS | |
Onde aconteceu? | |
Quando? | |
Quais os sujeitos históricos envolvidos? | |
Como aconteceu? | |
Como terminou? |
Realize a correção oral. Releia o final do terceiro parágrafo do texto: “Alguns deles [escravos] exerciam a atividade de tropeiro e estabeleciam contato frequente com a Corte. Com isso ficavam sabendo, a seu modo, dos últimos acontecimentos do período das Regências, dos conflitos entre brasileiros e lusitanos e dos significados da liberdade, além de se tornarem responsáveis, não só pelo transporte de mercadorias, mas também de notícias”. Observe que dentre as notícias que chegavam à província algumas tinham relação com a conjuntura política da época.
Informe que o proprietário Gabriel Francisco Junqueira era um dos principais políticos representantes da facção liberal moderada tendo sido eleito deputado em 1831, derrotando o candidato favorito do Imperador D. Pedro I. Por outro lado, Francisco Silvério Teixeira – natural de Ouro Preto, homem branco, fazendeiro (proprietário de 19 cativos) e negociante – foi apontado pelas testemunhas de incitar os cativos e de promover o levante.
Recupere o questionamento feito anteriormente sobre o vigário Joaquim José Lobo na tentativa de revolta em 1831, que espalhou o boato de que o Imperador D. Pedro I queria conceder liberdade aos escravos. Anos depois, em 1833, Francisco Silvério era acusado de difundir boatos de que os fazendeiros de Ouro Preto queriam a liberdade dos seus escravos. Francisco Silvério Teixeira era proprietário de terras e cativos. Qual seria o seu interesse em incitar com que se revoltassem?
Relembre as respostas apresentadas pelos estudantes para a questão. Comente que de acordo com os testemunhos, Francisco Silvério teria agido daquela forma com a intenção de dispersar a Guarda Nacional que se preparava em São João del-Rei para partir em direção a Ouro Preto e combater os sediciosos na capital da província. De acordo com os depoimentos, Francisco Silvério teria agido em apoio à Sedição Militar, sendo partidário da facção restauradora. Conclua com os estudantes que as conjunturas de 1831 e a de 1833 foram de tensionamentos entre os grupos políticos, e que tanto o vigário como o proprietário Francisco Silvério espalharam tais boatos provavelmente com a intenção de atingir os seus oponentes políticos e não porque defendiam a libertação dos cativos. (Andrade,1998-1999, 59-60)
Chame atenção para o fato de que os escravizados tinham algum conhecimento sobre as notícias políticas da Corte, como também acompanhavam e observavam as divergências políticas entre as elites locais da província de Minas Gerais, elaborando suas próprias percepções sobre a situação.
Construindo hipóteses (15 minutos)
Nessa parte da aula os estudantes serão convidados a realizarem um exercício de construção de hipóteses a partir dos trechos documentais (material 2) e da gravura da Revolta de Nat Turner, rebelião escrava ocorrida na Virgínia em 1831, que abre o texto sobre a Revolta de Carrancas.
Peça para que reunidos nos mesmos grupos elaborem uma hipótese para cada uma das questões abaixo, identificando as passagens documentais e os elementos da imagem que sustentam as hipóteses formuladas:
Questão 1: O que teria motivado os cativos das Fazendas de Campo Alegre e Bela Cruz a se envolverem em um confronto direto contra seus senhores e os matarem de forma tão violenta em 1833?
Questão 2: Descreva a imagem que aparece no início do texto sobre a Revolta de Carrancas. O que você vê? Que acontecimento representa? Onde e quando a situação representada aconteceu? Faça essa discussão em seu grupo. Em seguida, construa uma hipótese a partir da seguinte indagação: O que um episódio de revolta escrava ocorrido em outro país, nos permite dizer sobre a escravidão nas Américas na década de 1830? O que você sabe que lhe faz pensar isso?
A atividade tem a intenção de promover a mobilização intelectual dos estudantes para que construam suas próprias explicações, exercitando um raciocínio baseado em evidências. Para tanto precisam interagir com o conteúdo trabalhado nas aulas, apropriando-se dele na construção dos seus argumentos. Essa tarefa não é fácil sendo importante que o docente, ao longo da atividade, observe as discussões travadas em cada um dos grupos e faça intervenções no sentido de colaborar para que os estudantes consigam caminhar na construção de suas hipóteses. Esse é um bom momento para perceber o caminho do pensamento dos estudantes e identificar possíveis dúvidas.
Realize a correção coletiva da atividade solicitando que cada grupo apresente as hipóteses formuladas. Aproveite esse momento para que os estudantes exercitem a argumentação oral e troquem ideias sobre as hipóteses apresentadas, estimulando-os a perceberem as diferentes perspectivas que apareçam. Ao final é importante que o docente realize uma conclusão recuperando as hipóteses elaboradas e as ideias discutidas.
Em relação à primeira questão, espera-se que os estudantes formulem a hipótese de que os escravizados agiram daquela forma porque visualizaram naquele momento a expectativa de alcançar a liberdade, como evidenciam os testemunhos de Julião Crioulo de que “tinha sido mandado e tivera esperanças de ficar forro” e de José Mina de que ouvira de Ventura “que os brancos no Ouro Preto estavam se guerreando entre si, matando aos outros, e que era boa ocasião deles se levantarem e ficarem forros matando a seus senhores”. Outra hipótese possível é a de que alguns escravizados aderiram à rebelião devido aos castigos excessivos que recebiam dos seus senhores, conforme o depoimento de Julião Congo que respondeu “que seu senhor o tratava de mandrião [i. é, malandro, preguiçoso], não estava contente com o seu serviço, dava-lhe pancadas, ainda mesmo quando estava doente (…)”. Ou ainda, de que alguns escravizados se viram ameaçados pelos rebeldes a aderirem ao movimento, como sugere a passagem do depoimento de Manoel Joaquim de “que havia acompanhado os outros mais velhos que os ameaçavam de tirar-lhes a cabeça se assim não fizesse”. Pondere que tal afirmação pode ter sido prestada pelo depoente como uma estratégia de defesa, para se livrar das acusações.
Alguns estudantes poderão elaborar uma hipótese mais sofisticada apontando a relação entre a disputa política dos grupos liberais moderados e os “caramurus” na província de Minas Gerais em 1833 e a revolta escrava de Carrancas no mesmo ano. Essa relação pode ser pensada a partir do depoimento de Maria Joaquina do Espírito Santo de que “o preto Antônio Benguela pulava no seu terreiro e batia nos peitos dizendo para ela e seu companheiro: vocês não costumam a falar nos Caramurus, pois conheçam agora os Caramurus. Nós somos os Caramurus, vamos arrasar tudo”. De acordo com o testemunho, os revoltosos se identificavam como “caramurus”, uma vez que para eles ser “caramuru”‘ significava defender o fim da escravidão e, por conseguinte, se posicionar contra os fazendeiros de Carrancas. Caso essa hipótese não seja formulada pelos estudantes, apresente-a de modo a pôr em evidência a perspectiva dos envolvidos na insurreição. É importante destacar que os cativos construíram suas próprias percepções sobre os conflitos entre as elites em sua região, entendendo que a aliança a um dos lados lhes dariam chances na conquista da liberdade. Apesar da notícia de que os “caramurus” estivessem libertando os escravos em Ouro Preto fosse, ao que tudo indica, um boato forjado por Francisco Silvério para atingir os seus oponentes políticos, isso não quer dizer que os revoltosos estivessem sendo meramente manipulados. Assim como os brancos, os cativos fizeram suas leituras sobre as tensões políticas da época e se posicionaram diante delas a partir do que consideravam ser vantajoso para si próprios. (Andrade, 1998-1999, p: 78-80)
Em relação à segunda questão espera-se que os estudantes comentem sobre a opressão a que estavam submetidos os escravizados nas Américas e como as revoltas escravas da Virgínia (1831) e de Carrancas (1833) foram caracterizadas por ações violentas. Os estudantes poderão apontar como uma evidência para tal afirmação as informações sobre o desenrolar da insurreição de Carrancas apresentadas no texto estudado, assim como a frase que aparece em destaque na gravura “Horrid Massacre in Virginia”, acompanhada pela cena de cativos atacando os seus senhores e senhoras. Outra hipótese possível é a de que a menção à revolta de Virginia nos permite deduzir que a revolta de Carrancas não foi um fato isolado ou específico da escravidão no Brasil. A partir da observação da imagem e do texto “Massacre em Carrancas” é possível compreender que as rebeliões escravas aconteceram em espacialidades diferentes, tanto dentro do Brasil, como em outras regiões das Américas.
Como conclusão é interessante fazer menção a Revolta dos Malês, em Salvador na Bahia, em 1835, e a de Manuel Congo, em 1838, no município de Paty do Alferes, no Rio de Janeiro, como exemplos de outras insurreições escravas durante a Regência. Recupere o último parágrafo do texto para refletir com os estudantes sobre o significado da Revolta de Carrancas, como um episódio que marcou a província de Minas Gerais e repercutiu em outras províncias do Império, difundindo o temor entre as autoridades e grandes proprietários de que insurreições semelhantes pudessem acontecer. Comente que a rebelião de Carrancas surpreendeu pela forma como foi organizada, envolvendo um número significativo de cativos de diferentes fazendas, bem como pela carnificina praticada pelos rebeldes. Destes 16 receberam o castigo exemplar, sendo condenados à pena de morte por enforcamento. Foram executados em praça pública na vila de São João del Rei: 12 deles em dezembro de 1833, e os demais em abril de 1834. Foi a maior maior condenação coletiva à pena de morte e aplicação da pena a escravos da história do Brasil Império. Além disso, meses após a revolta de Carrancas, o Ministro da Justiça, Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, apresentou um projeto à Câmara dos Deputados que versava sobre o julgamento de crimes praticados por cativos. Conforme argumenta Marcos Andrande em seu texto “Depois do massacre…”, publicado na Revista Impressões Rebeldes, o projeto foi amplamente discutido na Câmara e no Senado e antecipou pontos do texto da Lei n. 4, de 10 de junho de 1835, que estabeleceu a pena de morte para escravos envolvidos no assassinato de seus senhores e familiares (Andrade, 2016 e 2017; Ribeiro, 2005, 43-67; Pirola, 2012, 31-88). Caso considere interessante, é possível em aulas subsequentes abordar a Revolta dos Malês (janeiro,1835) e trabalhar com os estudantes o significado do projeto de lei encaminhado à Câmara no ano de 1833, após a revolta de Carrancas, identificando os pontos semelhantes com a Lei n. 4, de 10 de junho de 1835.
Sem Nome, "A Revolta Escrava de Carrancas". Impressões Rebeldes. Disponível em: https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/plano_de_aula/a-revolta-escrava-de-carrancas/. Publicado em: 20 de novembro de 2024.