O maior revolucionário das Américas. Essa é uma das alcunhas que Toussaint L´Ouverture carrega, o que não é mero acaso. Ele foi o maior líder da Revolução do Haiti (1791-1804), movimento protagonizado por escravizados e homens negros livres que não só criaram a segunda República das Américas, como também fizeram a façanha de abolir a escravidão com suas próprias mãos, em feito inédito na história da humanidade.
A data de nascimento de Toussaint é imprecisa, com fontes que apontam os anos de 1736, 1740 e 1743 como prováveis de sua natalícia. Mas sabemos que Toussaint nasceu na condição de escravizado na plantation de Bredá, que ficava próxima à vila de Haut-du Cap na região norte de Saint-Domingue, atual Haiti. Ele foi o filho primogênito de Hippolyte e Pauline, africanos escravizados de origem aladá, que se conheceram já na ilha. Foi com seu pai que Toussaint aprendeu sobre o poder medicinal das plantas, conhecimento que lhe rendeu o título de “doutor das folhas”. Na sua infância e juventude, Toussaint aprendeu a ler e escrever, estabeleceu uma relação muito próxima com o catolicismo e também se tornou um excelente cavaleiro. Sua inteligência e perspicácia eram facilmente notadas, o que fez com que ele se tornasse o braço direito de Bayon de Libertat, um importante colono branco da época. Essa posição garantiu melhorias na sua condição de vida e da sua família, fato que, conforme defendem alguns biógrafos, foi fundamental para sua alforria, adquirida em 1776.
Nos momentos iniciais da Revolução do Haiti em 1791, Toussaint se manteve distante, adentrando ao movimento no final daquele ano. Rapidamente sua inteligência e perspectiva militar o destacou dentre os demais, fazendo com que ele ganhasse espaço nas tropas chefiadas por Georges Bissou e Jeannot Bullet, momento em que ele “adquire” o sobrenome L´Ouverture: aquele que abre caminhos. A liderança de Toussaint ganhou novas proporções em 1794, ano em que a França decretou a abolição da escravidão. Essa medida faz com que ele (já reconhecido por suas façanhas militares) abandonasse o apoio à Espanha e se juntasse à causa francesa, o que se mostrou uma boa escolha, já que num curto intervalo de tempo, Toussaint governou a colônia como uma figura autônoma, implementando reformas sociais e econômicas que assegurassem a prosperidade local. Embora ele se autoproclamasse leal à França, muitas de suas ações mostravam uma inclinação por maior independência.
Nesse contexto, além de exímio comandante militar, Toussaint passou a arquitetar um projeto político no qual ele era a principal liderança, e que tinha como objetivo recolocar Saint-Domingue na economia mundial. A economia da ilha havia entrado em franca decadência com o início da revolução e a abolição da escravidão. Toussaint defendia não só a volta dos proprietários brancos que haviam fugido, como um esquema de trabalho livre ordenado numa sistemática exploração. Essa proposta foi muito polêmica e causou uma série de desavenças entre Toussaint L´ Ouverture e outros revolucionários, que não queriam o retorno de uma lógica de trabalho que se assemelhasse àquela vivida das plantations escravistas.
Com a ascensão de Napoleão Bonaparte em 1799, as relações entre Toussaint e o governo francês se tornam cada vez mais difíceis. Bonaparte desejava não só o fim da revolução, como o retorno da escravização negra em Saint-Domingue. Frente esse projeto Bonapartista, Toussaint promulgou uma constituição em 1801 que consolidava a abolição da escravidão e declarava sua liderança vitalícia, desafiando abertamente a autoridade francesa.
A resposta de Bonaparte foi imediata. Ele enviou seu cunhado Charles Leclerc, que liderou uma grande expedição militar com o objetivo de suprimir os líderes locais e restabelecer a autoridade francesa. Ainda que profundamente brutais, suas ações não conseguiram vencer as tropas revolucionárias compostas pelos ex-escravizados liderados por Toussaint. Numa última tentativa, o general francês propôs um acordo, prometia paz e segurança para Toussaint e seus aliados que, em tese, poderiam continuar vivendo na ilha. Mas aquele foi um pretexto para atrair Toussaint para uma emboscada. Ele foi preso sob ordens expressas de Napoleão Bonaparte, e em junho de 1802 foi encaminhado para a isolada fortaleza de Joux, nos Alpes franceses.
Toussaint morreu menos de um ano depois, em 7 de abril de 1803. As causas da sua morte também são tema controverso. Alguns historiadores defendem que ele teria morrido de pneumonia, por conta do frio e das péssimas condições da prisão. Mas há também quem defenda que ele tenha sido envenenado pelos franceses.
A saída de Toussaint da cena revolucionária de Saint-Domingue não significou o fim do movimento que ele liderou. Com a sua deportação, Jean Jacques Dessalines (ex-escravizado que era seu braço direito) assumiu a liderança do exército revolucionário e imprimiu uma série de vitórias contra a França bonapartista, declarando a independência do Haiti em 1º de janeiro de 1804. Ainda que Toussaint não tenha visto o desfecho da Revolução do Haiti, ele é considerado o maior nome desse movimento até os dias de hoje.
(Ynaê Lopes dos Santos, Professora de História da América da Universidade Federal Fluminense)
Fontes de referência para esse texto:
DUBOIS, Laurent. Os vingadores do Novo Mundo. A história da Revolução haitiana. Niterói, EDUFF, 2023.
JAMES, C. R. L. Jacobinos Negros. Toussaint L’ouverture e a Revolução de São Domingos. São Paulo, Boitempo, 2020
HAZAREESINGH, Sudir. O maior revolucionário das Américas. A vida épica de Toussaint Louveture. Rio de Janeiro, Zahar, 2020.
Sem Nome, "Toussaint L´Ouverture". Impressões Rebeldes. Disponível em: https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/pessoa/toussaint-louverture/. Publicado em: 12 de dezembro de 2024.
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