Oscar Pereira da Silva - Retrato de Joaquim José da Silva Xavier - Tiradentes, Acervo do Museu Paulista da USP.jpg. Fonte: Wikimedia Commons.
Joaquim José da Silva Xavier, o conhecido Tiradentes, é o maior herói nacional. Na história do Brasil é o personagem mais amplamente citado e sua história é recuperada em filmes, novelas, romances, músicas, peças de teatro, pinturas, esculturas, etc. Passou à História como o líder da Inconfidência Mineira, revolta organizada contra a cobrança abusiva de impostos em Minas Gerais.
Tiradentes nasceu na Fazenda do Pombal, localizada no atual município de Ritápolis, em Minas Gerais. Não conhecemos a data de seu nascimento, apenas a de seu batizado em 12 de novembro de 1746. Era descendente da elite branca, tendo seu pai Domingos da Silva Santos, natural de Portugal, servido como fiscal de pesos e medidas (almotacel) em 1746 e vereador na Câmara de São José del-Rei, atual cidade de Tiradentes nos anos de 1755-1756. Com Antônia da Encarnação Xavier, o casal teve sete filhos, sendo Tiradentes o quarto. De seus irmãos, três eram homens (dois padres e um capitão de ordenanças) e três mulheres (duas delas casadas com importantes figuras locais e uma faleceu ainda pequena). Além disso, tinha uma meia-irmã, nascida quando seu pai era solteiro. A família não era pobre e na fazenda onde morava trabalhavam 35 escravizados, inclusive em atividades de extração de ouro. Na casa havia vários trastes de prata, estanho e cobre, além de muitos móveis, objetos de ferro para minerar e animais de criação.
Sua mãe faleceu em 2 de dezembro de 1755 e seu pai em 12 de dezembro de 1757. A morte prematura de seus pais fez com que a família se dispersasse e os filhos passassem a ser criados pelos parentes próximos. Tiradentes, órfão de mãe aos 9 anos e de pai aos 11 anos, foi criado na casa de seu tio e padrinho Sebastião Ferreira Leitão, possuidor de lavras de mineração e cirurgião-dentista, com quem aprendeu a arte do tratar e do tirar dentes. Apesar de afastado da família, herdou herança, não podendo ser classificado como um “pobre coitado” jogado no mundo!
A extração de ouro e diamantes em Minas Gerais proporcionou um rápido e intenso desenvolvimento econômico e comercial. Como muitos jovens de sua geração, Tiradentes, por volta dos 20 anos, já trabalhava como tropeiro nas rotas com a Bahia e o Rio de Janeiro. Também se arriscou como minerador em Minas Novas. Mas sem a perspectiva de um futuro próspero nessas atividades, decidiu ingressar na carreira militar aos 29 anos de idade. Alistou-se no Regimento de Cavalaria em 1º de dezembro de 1775, no posto de alferes, posição intermediária entre o cabo e o tenente. Foi designado pelo governador dom Rodrigo José de Meneses para a 6ª Companhia, sob a chefia do tenente João Gonçalves de Castro e do capitão comandante Baltazar João Mayrink, pai de Maria Doroteia Joaquina de Seixas, a “Marília de Dirceu”, a amada do poeta Tomás Antônio Gonzaga.
Há vários documentos sobre a vida militar de Tiradentes, marcada pela dedicação, competência e coragem ante as dificuldades que lhe foram impostas. Esteve, por exemplo, em missão oficial no Rio de Janeiro, entre o segundo semestre de 1777 a 1779, integrando as forças de defesa da cidade contra ameaças externas. Em 1780 se encontra em Sete Lagoas, Minas Gerais, como comandante do Destacamento local, encarregado da defesa do registro de entrada de mercadorias e passagem de pedestres. Em 9 de abril de 1781, é nomeado comandante do Destacamento do Caminho Novo, com a função de construir uma variante até o registro do Paraibuna da estrada que ligava Minas Gerais ao Rio de Janeiro. Com conhecimento e experiência por ter cruzado de cima a baixo a serra da Mantiqueira, subindo e descendo caminhos que cruzavam os sertões mineiros, responsabilizou-se ainda pela abertura do Caminho do Meneses, na fronteira leste, nos limites com o Rio de Janeiro. A estrada ficou pronta em 1783.
Os conhecimentos adquiridos nessas ações exploratórias o levaram a ser designado, em 1784, pelo governador Luís da Cunha Meneses, responsável por mapear áreas para o possível erguimento de novos espaços de extração de ouro e a criação de povoados. Após isto, entre 1786 e 1789, empreendeu constantes viagens ao Rio de Janeiro para vender ao governo projetos de melhoramentos urbanos.
Justamente na cidade do Rio de Janeiro que Tiradentes entrou em contato com o naturalista José Álvares Maciel, recém-chegado da Europa, quando conversaram sobre a política econômica implantada pela Coroa portuguesa nas Minas Gerais, assim como o desejo da capitania tornar-se independente. A partir de então nasce o Tiradentes conspirador ou o aglutinador da insatisfação popular que desejava melhorias e progresso econômico, segundo ele, barrados pela administração que gerenciava a capitania de Minas.
Ao lado de importantes moradores de Minas Gerais, como religiosos, militares, fazendeiros, comerciantes, ex-contratadores de tributos e mineradores, participou de conversações que pretendiam romper os laços coloniais, propondo a independência da capitania. Após a delação do coronel Joaquim Silvério dos Reis, Tiradentes foi preso em 10 de maio de 1789, no centro da cidade do Rio de Janeiro. No movimento, ele foi um homem de ação, com participação decisiva. Aliciou muitas pessoas para a revolta. Entregou-se inteiramente à proposta de independência de Minas Gerais, falando a quem tivesse interesse em ouvir propostas de que era necessário a eclosão de uma revolução para alterar substancialmente nossa situação de colônia. Nas suas pregações, ocorridas nas casas de comércio, nos caminhos, em bordéis, nos quartéis, e muitos outros locais que frequentava, defendia a preparação de um levante. Acreditava que seu início deveria ocorrer no Rio de Janeiro, após um possível golpe contra o vice-rei Luís de Vasconcelos e Souza e, de lá, os ares revolucionários tomariam Minas Gerais, com a deposição do governador Luís Antônio Furtado de Castro, o visconde de Barbacena.
Na prisão prestou 11 depoimentos, sendo o mais importante o quarto deles, ocorrido em 18 de janeiro de 1790, quando confessou toda a responsabilidade pela revolta em Minas, assumindo sozinho a responsabilidade e isentando todos os demais participantes de qualquer culpa. Este ato o elevou ao patamar de herói.
Após quase três anos encarcerado, em um longo processo de apuração das responsabilidades e crimes, em 21 de abril de 1792, Tiradentes foi condenado à morte na forca, sendo depois decapitado e o seu corpo esquartejado. Seus passos rumo ao cadafalso assemelham-se no imaginário popular com os passos dados por Jesus Cristo nos Passos da Paixão. Tiradentes foi obrigado a percorrer as ruas do centro do Rio de Janeiro em procissão, numa encenação simbólica enaltecedora do governo e da força da Coroa portuguesa. O cortejo contou com a participação de toda a tropa militar local. Sua morte foi festejada três dias.
Cem anos depois, Tiradentes ressuscitou como herói republicano, com a proclamação do novo regime em 1889, com ares atrelados à tradição religiosa católica que valorizou a semelhança de sua “possível” fisionomia com a figura bíblica de Jesus Cristo. Sua memória passou à História como a de um herói sem rosto, já que não existem desenhos de sua face ou descritivos de como era. Aos diversos autores foram dadas licenças poéticas para representá-lo como desejavam e a figura escolhida foi aquela associada a Jesus Cristo. Na imagem de Pedro Américo, Tiradentes esquartejado, bem se vê como a arte reproduziu essa relação cristológica do alferes inconfidente.
(André Figueiredo Rodrigues, professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e bolsista CNPq)
Fontes de referência para esse texto:
JARDIM, Márcio. A Inconfidência Mineira: uma síntese factual. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1989.
RODRIGUES, André Figueiredo. A fortuna dos inconfidentes: caminhos e descaminhos dos bens de conjurados mineiros (1760-1850). São Paulo: Globo, 2010.
RODRIGUES, André Figueiredo; CABREIRA, Maria Alda Barbosa. Em busca de um rosto: a República e a representação de Tiradentes. São Paulo: Humanitas FFLCH-USP, 2020.
VIEIRA, José Crux Rodrigues. Tiradentes: a Inconfidência Mineira diante da história. Belo Horizonte: 2º Clichê Comunicação & Design Ltda., t. 1, v. 1, 1993.
Sem Nome, "Tiradentes". Impressões Rebeldes. Disponível em: https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/pessoa/tiradentes/. Publicado em: 21 de abril de 2023.
Excelente texto.
Excelente dissertação sobre a vida de “Tiradentes”
Espetacular a pesquisa.Meus Parabéns!
O professor André Figueiredo Rodrigues sem nenhuma dúvida hoje ´´e a maior autoridade no estudo do movimento ocorrido nas Minas Gerais no final do século XVIII chamado de Inconfidência Mineira . Além do seu rígido suporte metodológico, baseado em vasta pesquisa documental, suas obras primam pela elegância da escrita. Parabéns pelo excelente texto .
Mais um excelente trabalho do professor André Figueiredo Rodrigues, bem abrangente e detalhado. Gostaria de obter mais informações sobre o Caminho do Meneses.
O escrito acima carece de atualização. Ler os Autos da Devassa é muito importante. Tiradentes, quando foi para o enforcamento, com uma aparência cristianizada. Os Presos na época, tinham seus cabelos raspados, basta uma pesquisa com os historiadores da Polícia Militar de Minas Gerais, que será constatado.
Caro leitor José Geraldo da Silva,
Agradeço seu comentário e informo que o texto apresenta informações fundamentais sobre a trajetória do alferes Tiradentes. Na verdade, essas informações vão além dos poucos textos recomendados para leitura e estão apoiadas em fontes manuscritas e publicadas, como os Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, além de uma vasta bibliografia resultante de pesquisas que venho desenvolvendo há anos. Os Autos de Devassa não aparecem referenciados de maneira explícita, pois eles se encontram nominalmente indicado na seção “Documentos”, que contém a reprodução de trechos extraídos dos “Autos de perguntas” feitas a Tiradentes, disponível em https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/documento/auto-de-perguntas-a-joaquim-jose-da-silva-xavier/. Além disso, em relação à aparência física de Tiradentes no momento de sua execução, ele realmente teve os cabelos raspados, pois era uma prática comum em execuções públicas, onde o condenado deveria estar visivelmente limpo, sem pelos, cabelo, bigode ou barba. Essa informação, antes de constar em anotações explicativas dos Autos de Devassa, em sua edição moderna de 1976 a 1983, já se encontra em obras de autores que escreveram na época do Império brasileiro, não sendo uma descoberta exclusiva de pesquisadores ou historiadores da Polícia Militar de Minas Gerais, que focaram seus estudos mais na narrativa do Tiradentes como integrante do Regimento de Cavalaria, além de sua participação em ações militares ou sobre sua vestimenta militar. Informações não apresentadas – não por serem desconhecidas – mas sim por serem dados demasiadamente detalhistas que interessam mais aos especialistas na história de Tiradentes do que para leitores que buscam uma compreensão mais ampla sobre episódios e personagens que forjaram a história dos protestos no Brasil.