Rebeldes / Personalidade

Tereza de Benguela

  • Capitania de Mato Grosso (1748 – 1821)

Biografia

Nascida nas primeiras décadas de 1700, Tereza de Benguela foi uma africana e líder quilombola que resistiu à escravidão nas minas do rio Guaporé, no extremo oeste da América portuguesa, na capitania do Mato Grosso. Na condição de Rainha, comandou por alguns anos o Quilombo de Quariterê, ou “Quilombo Grande”, arrasado pela primeira vez em 1770, quando foi capturada, presa e morta. O núcleo de rebeldia que Tereza comandou foi, depois desse ataque, repovoado e rebatizado como Quilombo do Piolho, permanecendo no mesmo local até 1795, quando outra expedição militar o destruiu.

Tereza deve ter sido aprisionada e submetida ao cativeiro  no interior de Angola e possivelmente embarcada para o Brasil no porto de Benguela. Por isso, seguindo o nome de batismo cristão que lhe foi atribuído, recebeu o sobrenome “Benguela”, uma vez que era comum empregar a denominação do local ou porto de procedência na África como sobrenome dos escravizados. Seu último senhor no Brasil foi o capitão Timóteo Pereira Gomes, morador na capitania do Mato Grosso, contra quem resistiu e fugiu.

Ela assumiu o comando do quilombo, gerando uma situação bastante representativa de uma liderança quilombola feminina. Conforme a tradição de alguns povos africanos, replicada no Novo Mundo, a liderança comunitária possuía o título de Rei, condição que Tereza herda com a morte de José Piolho, homem considerado o “maior oráculo” da comunidade e conselheiro do “parlamento” que lá havia. Alguns pesquisadores julgam que havia sido marido de Tereza. O Quilombo do Quariterê, formado na década de 1730 no vale do Guaporé, junto ao rio Galera, contava com cerca de 100 moradores quarenta anos depois, sendo 69 “negros da guiné”, designação genérica para os africanos, e os restantes homens e mulheres indígenas.

O quilombo comandado por Tereza não era um simples ajuntamento de escravizados fugidos, mas uma comunidade organizada, estável e muito bem estruturada sob o ponto de vista político, militar e econômico. Era o maior da região. Havia roças e plantações de milho, feijão, carás, batatas, amendoim e algodão, que fiavam e abasteciam os teares que confeccionavam as próprias roupas. Talvez a mineração fizesse parte da economia local. O excedente, possivelmente, era vendido no mercado regional. Havia ainda duas tendas de ferreiro, em que se fabricava e consertava ferramentas. 

Tereza precisou ser muito hábil como liderança política, militar e religiosa. Apesar da distância em relação aos núcleos portugueses, afetados pelas fugas e desestruturação na produção causadas pelos quilombos, o risco de ataques era permanente. As relações com os povos nativos nos arredores exigiam também sua atenção. Arriscadas, embora necessárias,  eram as conexões comerciais clandestinas que mantinham, maneira de se obter certas armas para a defesa,. Internamente os desafios eram grandes.

Durante seu governo no quilombo, Tereza dirigia a tradicional assembleia, que a auxiliava no comando administrativo, político e econômico do local. Numa fonte de época, foi registrada a autoridade de Tereza, cujo título de “Rainha” era usado pelos seus súditos: “Chamavam esta muito intitulada rainha Teresa“. Nos Anais de Vila Bela informa-se que “Governava-se esse quilombo a modo de parlamento, tendo para o conselho uma casa destinada, para a qual, em dias assinalados de todas as semanas, entravam os deputados […]”. Quem convocava o “parlamento” sempre que necessário era Tereza, sobre o qual tinha poderes políticos, militares e jurídicos: “Isso faziam, tanto que eram chamados pela rainha, que era a que presidia e que naquele negral Senado se assentava, e se executavam à risca, sem apelação nem agravo.” (Anais de Vila Bela)

A ancestralidade forjou sua liderança na medida que a organização política do quilombo seguia as tradições dos povos guerreiros Imbangalas e Ovibundos, que ocupavam o planalto de Benguela, na África, possível local de captura e escravização de Tereza. Eram extremamente hostis aos portugueses, a quem não davam trégua.

Isso se mostrou decisivo quando do ataque liderado pelo sargento mor Ignacio Leme da Silva, sob ordens do governador do Mato Grosso, que partiu de Vila Bela em final de junho de 1770 e chegou à região do quilombo após três semanas de expedição. “A maldita rainha”, em reação ao ataque militar dia 22 de julho, “mandou os seus que pegassem em armas e tudo matassem. Alguns de seus súditos assim o fizeram acudindo à voz e pegando em armas; mas não puderam usar delas pela força que viram contra si”, anotou o escrivão nos Anais de Vila Bela. Mais de 30 escaparam para o mato. Apesar da defesa armada e das fugas, ainda assim 9 quilombolas foram mortos e 41 aprisionados, conduzidos para Vila Bela.

Mesmo protegida na sua fuga por José Cavalo, seu “valoroso” guarda-costa e “capitão-mor do quilombo”, onde era a principal autoridade militar, Tereza é capturada ao se ferir, ficando impedida de prosseguir.  Narra o escrivão: “Na apressada fuga em que foram, no saltar de um riacho se estrepou aquela desaventurada rainha em um pé”.

Presa na cadeia de Vila Bela, sua desaventura fica ainda pior ao ser tomada pela melancolia e tristeza profundas, em tormento, segundo alguns, negando a alimentar-se, recusando-se retornar à escravidão. A negra definhou na cadeia até falecer. “Morta ela”, reporta mais uma vez o escrivão, “se lhe cortou a cabeça e se pôs no meio da praça daquele quilombo, em um alto poste, onde ficou para memória e exemplo dos que a vissem”.

“Para memória e exemplo…” sublinhava a intenção dos poderosos daquele tempo de tornar aquela mulher um caso exemplar para atemorizar e controlar novas manifestações pela liberdade. Os anos foram se passando e a figura de Tereza foi registrada em fontes de época e representada de muitas formas, chegando a ser comparada  às mitológicas Amazonas e mesmo à Cleópatra por autores de memórias da região desde o século XIX.

Em homenagem a Tereza de Benguela, em junho de 2014 foi sancionada a Lei nº 12.987/2014 que torna o dia 25 de julho o “Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra”. A medida reconhece  a importância e o empoderamento de Tereza (cujo nome assinalamos com a letra “z” pois assim está registrado na lei que institui o seu dia) como mulher preta e rebelde, que lutou contra a escravidão e a favor dos seus de maneira ativa, tornando-se símbolo de força, liderança e de busca pela liberdade.

Além da data comemorativa, Tereza foi homenageada nos versos do samba enredo da escola Unidos do Viradouro em 1994, intitulado “Tereza de Benguela – Uma Rainha Negra no Pantanal”, e também em 2020 com o samba enredo “Benguela… a Barroca Clama a Ti, Tereza!”, da escola Barroca Zona Sul, de São Paulo. Do mesmo modo, o Mestre Barrão, de Recife – PE, em abril de 2020 compôs uma canção chamada “Tereza de Benguela” exaltando sua liderança e representatividade.

O esforço para preservação da sua memória e do seu legado como rebelde nas letras musicais e na literatura expõe a sua força e coragem e exalta a ancestralidade africana e sua cultura.

 

(Bianca Novais Cambruzzi, graduanda do curso de História da Universidade Federal Fluminense e bolsista do Programa Bolsa de Desenvolvimento Acadêmico; Revisão: Luciano Figueiredo. Agradecimento: Nauk Maria de Jesus (UFGD))

 

 

Fontes de pesquisa para esse texto: 

FARIAS JUNIOR, Emmanuel de Almeida. Negros do Guaporé: O Sistema Escravista a as Territorialidades Específicas. Revista Ruris, v. 5, n. 2, 2011. p. 85-116.

RODRIGUES, Bruno Pinheiro. Homens de ferro, mulheres de pedra: resistências e readaptações identitárias de africanos escravizados: do hinterland de Benguela aos vales dos rios Paraguai-Guaporé e América espanhola – fugas, quilombos e conspirações urbanas (1720-1809). 372 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Cuiabá, 2015.

 

Fonte impressa

AMADO, Janaína; ANZAI, Leny Caselli. Anais de Vila Bela 1734 -1789. Cuiabá. EdUFMT, 2006. Coleção documentos preciosos.

 

Legislação

Lei 12.987, de 2 de junho de 2014. Cria o dia 25 de julho como Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

 

Nascimento

1/1/1715Data atribuída
Capitania de Mato Grosso (1748 – 1821)

Revolta

Quilombo de Quariterê

Origem Étnica

Etnia Africana e portos de procedência

Cargos

Comentários

  1. José Luiz de Oliveira disse:

    Fico muito orgulhoso dessa RAINHA TEREZA DE BENQUELA ,uma guerreira que lutou muito pela Liberdade de seu povo,sua luta deveria ser seguida nos dias de hoje .Com a peça de empoderamento,que tanto se fala hoje em dia ,pois esse “empoderamento já se fazia presente desde aquela época,onde com muita luta e determinação.Hoje o que vemos é um bando de pessoas desocupadas usando esse tal empoderamento pra se alto promover e se fazendo de Defensora das classes mais oprimidas.Esta Tereza de Benguela deveríamos muito saber quem foi e muito mais respeitar essa grande mulher que se destacou no tempo com muita garra.MUITO PRAZER MINHA RAINHA TEREZA DE BENGUELA ,MUITO OBRIGADO.

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