SILVA, L. G. Sementes da sedição: etnia, revolta escrava e controle social na América Portuguesa (1808-1817). Afro-Ásia, Salvador, n. 25-26, 2001. p. 9-60 Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/afroasia/article/view/21008
03 de agosto de 1815 / 26 de agosto de 1815
Data aproximadaNa Capitania de Pernambuco, em 1815, na comarca de Alagoas, escravizados planejaram uma insurreição que deveria acontecer na noite de Natal As autoridades, percebendo uma movimentação incomum entre os cativos, trataram de prender alguns suspeitos em meados de julho. Mesmo assim, a insurreição eclodiu no dia 17 de agosto, com os negros invadindo a Vila das Alagoas (atual cidade de Marechal Deodoro). Logo em seguida, foram reprimidos e perseguidos nas matas da região. Ao todo, 38 insurrectos foram presos, sendo um deles um colono branco. Destes, 28 estavam diretamente envolvidos e foram julgados e condenados.
No ano anterior, em 1814, uma ocorrência próximo dali repercutiria na formação desse movimento de protesto, a revolta de escravizados na Bahia, da etnia haussá (adeptos a religião islâmica), que inflamou Salvador e o recôncavo. A revolta foi desmantelada, e os escravizados fugiram para as matas da comarca de Alagoas. Segundo o historiador Luiz Geraldo Silva, entre os anos de 1814 e 1815, os cativos da comarca de Alagoas, possivelmente em conjunto com negros ali aquilombados e provenientes de revoltas escravas da capitania da Bahia, começaram a tramar o levante. Sua intenção original era “matar e tomar as terras dos brancos na noite de Natal do ano de 1814”, mas circunstâncias imprevistas transferiram o plano de eclosão da revolta para a mesma noite de 1815. (Silva, 2001, p. 38).
A comarca de Alagoas possuía clima perfeito para um levante. Em primeiro lugar, tratava-se de um posto pouco guarnecido militarmente, sem força militar paga. Além disso, havia ali uma população extremamente multifacetada. Existia um número significativo de escravos negros, que eram empregados nas vilas, nas lavouras de algodão e nos engenhos; possuía também uma população indígena considerável.
As autoridades locais perceberam uma movimentação diferente entre os escravizados. O ouvidor da comarca de Alagoas enviou uma carta para o Governador da Capitania de Pernambuco, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, em 17 de julho de 1815, relatando que havia “indícios de emoção popular por parte dos pretos cativos e alguns forros, que pretendem se levantar.”. Houve denúncia “de alguns pretos convidados para o dito levantamento.” Ao mesmo tempo, já haviam sido encontradas “as armas com as quais estavam se preparando e fornecendo, que são umas preacas [i. é chicotes] de ferro que haviam mandado fazer”. O apelo ao governador era justificável pois a comarca de Alagoas estava mal guarnecida, com apenas dois corpos milicianos e um de ordenanças. Segundo um dos relatos, “estavam em tão desgraçada situação de armas que nada podiam fazer”. (Silva, 2001, p. 44).
No dia seguinte, também os vereadores da Vila das Alagoas enviaram uma carta ao governador, na qual solicitavam socorro para repelir a eventual sedição, pois a população daquela comarca não possuía qualquer arma. As autoridades já haviam mandado prender os líderes dessa suposta sedição e apreenderam algumas armas. No dia 19 de julho de 1815, já haviam 25 suspeitos presos e, desses, “alguns confessaram extrajudicialmente” sua participação. Porém o grande temor das autoridades não se localizava nas vilas, mas sim nos quilombos, afinal tantos rebeldes que fugiram da insurreição haussá em Salvador, quanto aqueles que fugiram das vilas da comarca de Alagoas estavam aquilombados. (Silva, 2001, p.45)
O principal mentor da insurreição, o preto Joaquim, planejou o levante com outros escravos da Vila das Alagoas e entrou em contato com um quilombo próximo dali, situado na gruta do Mija Cachorro. Joaquim também encomendou armas, que guardou consigo, além de angariar vários negros para o mesmo propósito. Os dois lados estavam se preparando para o confronto.
No dia 4 de agosto de 1815, o Governador enviou uma força repressiva composta por 37 soldados de tropa de linha, sob o comando do Capitão José de Barros Falcão e supervisão geral do marechal José Roberto Pereira da Silva, Inspetor Geral dos Corpos Milicianos da Capitania de Pernambuco.
O historiador Luiz Geraldo Silva menciona que a insurreição ganhou grandes proporções, a ponto de ocorrerem trocas de cartas entre o príncipe regente, D. João, e o Ministro da Junta da Fazenda Real de Pernambuco. No dia 17 de agosto, ocorreu um ataque inesperado na vila, porém o marechal conseguiu mobilizar 200 praças milicianos e ordenanças que botaram em fuga os invasores, que se embrenharam na mata. Na mesma tarde, os senhores de escravos denunciaram outros proprietários que escondiam, em suas propriedades, cativos suspeitos de serem sediciosos.
Ficou claro para as autoridades pernambucanas que era necessário dar fim definitivo ao quilombo situado na gruta do Mija Cachorro, próximo à Vila das Alagoas. Do ataque aos quilombolas, sete ex-escravizados e um “homem branco filho de Portugal” foram enviados para o Recife e interrogados em 26 de agosto de 1815. Um dos presos foi Gracia, considerada “Rainha” dos insurrectos e importante figura de liderança.. Com isso, obtiveram-se mais informações acerca de um suposto quilombo dos negros fugidos da Bahia que, segundo os relatos dos presos, reunia na mata 30 pretos originários da Bahia e 2 mulatos.
Ao longo de toda a repressão prenderam 38 pessoas, porém 10 delas não tiveram culpa formada; 28 foram acusadas e remetidas para o julgamento no Recife. Todos eram escravos, exceto Manoel José Guimarães – “o homem branco filho de Portugal” – que fora remetido separadamente, acompanhado de um ofício em 24 de julho de 1815. Desses 28 presos, 23 foram sentenciados, e dois foram mortos ainda no cárcere: o próprio Manoel José Guimarães – em 30 de janeiro de 1816 – e o escravo João, de nação haussá, cujo falecimento se dera ao longo das “perguntas judiciais”, em 6 de maio de 1816.
No dia 26 de agosto de 1816 publicou-se a sentença dos réus pelo crime de sedição na comarca das Alagoas. Ficou decidido que nenhum dos cativos poderiam tomar o caminho de casa. O preto Joaquim, principal mentor da insurreição, foi condenado “a que com baraço e pregão vá pelas ruas dessa vila [do Recife] até o lugar da forca onde morrerá morte natural para sempre, sendo-lhe depois decepada a cabeça, que será fixa em um poste aonde ficará até que o tempo consuma.” (Silva, 2001, p. 59)
(Caio Feitosa, graduando no curso de História da Universidade Federal Fluminense)
A ocorrência da conspiração dos Haussás, em Salvador em 1814 que, reunia negros libertos e escravos, tanto da cidade quanto no recôncavo baiano, onde a maioria dos engenhos estavam localizados, provocou pesada repressão que espalhou rebeldes pelas matas, inclusive na região da comarca de Alagoas. O contato entre os quilombolas fugidos da Bahia com escravizados de Alagoas propiciou a organização do levante.
As cartas enviadas ao Governador da Capitania de Pernambuco, Caetano Montenegro, sobre o movimento de cativos, o qual estava acontecendo na Comarca de Alagoas, deixaram a Capitania em estado de alerta. O Governador da Capitania, temendo a possibilidade de uma revolta semelhante à Revolução de São Domingos (atual Haiti), na qual os cativos conquistaram a ilha com os negros libertos, despachou tropas visando desmantelar e sufocar a revolta antes que eclodisse.
Aproximadamente 23 dias de duração
23 condenados
SILVA, L. G. Sementes da sedição: etnia, revolta escrava e controle social na América Portuguesa (1808-1817). Afro-Ásia, Salvador, n. 25-26, 2001. p. 9-60 Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/afroasia/article/view/21008
Sem Nome, "Insurreição de escravizados". Impressões Rebeldes. Disponível em: https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/revolta/revolta-de-escravos-em-alagoas/. Publicado em: 05 de abril de 2022.