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O que é um Scriptorium?


O Scriptorium é quase sempre uma grande sala ou compartimento de um mosteiro para uso dos escribas e copistas destas comunidades. A idéia de lugar fechado e solitário, destinado a guardar os “tesouros do saber” aparece em muitas obras de caráter historiográfico e até mesmo no clássico O Nome da Rosa de Umberto Eco. Na verdade, os scriptoria desde cedo, constituíram-se em lugares de trocas humanas importantes, agregando monges e não monges que se colocavam a serviço da produção, preservação, circulação e venda de manuscritos. Esta atividade, intensa em muitos mosteiros, aglutinava antiquarii, librarii, scriptores, illuminatores que foram responsáveis pela produção de códices em boa parte da Idade Média. O crescimento da vida urbana e o surgimento das universidades e do ofício de intelectual trouxeram novas necessidades à sociedade. Multiplicaram-se as cópias simplificadas e baratas, os manuscritos destinados aos estudantes e aos habitantes da cidade que liam ou ouviam as narrativas de cavalaria ou as hagiografias. Ampliou-se um público rico oriundo em boa parte da corte régia ou da rica aristocracia urbana, que demandou produção sofisticada de códices iluminados e ricamente ilustrados. Estas mudanças tão profundas na sociedade dos séculos XII e XIII modificaram a produção dos textos na Idade Média. Neste momento, o termo scriptorium confunde-se muitas vezes com a oficina de produção de livros e códices que agregava copistas, desenhistas, iluminadores, livreiros e, até mesmo, bibliófilos. Ampliam-se suas funções e, muitas vezes, o scriptorium-atelier é centro de uma rede de relações de empréstimos e trocas que aumentaram socialmente o universo da leitura.

Quem somos?

O Scriptorium Laboratório de Estudos Medievais e Ibéricos inspirou-se neste duplo sentido de troca humana, acadêmica e de produção do saber para estruturar-se como um grupo de formação de especialistas em Idade Média. Com mais de duas décadas de existência originou-se do Grupo de Estudos Medievais, que tinha por objetivo o diálogo de pesquisadores em níveis diferenciados de formação. Atualmente agrega uma ampla gama de pesquisadores e colaboradores que participam de maneiras diversas em suas atividades. Este frutífero diálogo resultou em mais de oito dezenas de teses e dissertações, além de uma vasta produção de monografias. Hoje, muitos dos medievalistas formados neste Laboratório atuam em universidades brasileiras e multiplicam a formação de pesquisadores e o gosto pela medievalidade. Somos assim, com outros grupos, uma espécie de arquivo vivo da produção científica em História Medieval no Brasil, inovando-se a cada ano com a chegada de novos pesquisadores, novas gerações de professores e alunos que se atualizam e atualizam nosso trabalho. O Scriptorium tem-se caracterizado também pela produção de inúmeros eventos nacionais e internacionais, sobretudo em parceria com pesquisadores franceses, espanhóis e portugueses. A atuação de pesquisadores em música medieval junto ao grupo, tem garantido muitas atividades de concertos, oficinas de música e de teatro. Do mesmo modo, o crescente interesse pelos estudos de iconografia, viabilizou a organização de exposições com imagens de Livros de Horas, reconstituindo os mecanismos da escrita e de produção destes códices. Os cursos de atualização para professores constituem também preocupação constante do Laboratório.

Nossa produção

No que diz respeito à produção científica do Scriptorium, existem grandes eixos temáticos que representam as preocupações em comum deste centro de pesquisa. Desde a fundação do antigo Grupo de Estudos Medievais, tais eixos ordenadores articulam-se em torno da produção da imagem régia e da construção das monarquias, com ênfase em Portugal. As investigações sobre imaginário e construção de discursos políticos vinculados aos nascentes Estados do baixo-medievo articulam-se a problemas ligados às formas de exibição do poder régio, dos mecanismos de produção de memória social, dos debates sobre a sacralidade régia, dos rituais do poder, da relação entre história de gênero e construções de identidades. Mais recentemente, os estudos comparativos estenderam-se também à Alta Idade Média, particularmente à Gália franca. Outra linha de trabalho que tem preocupado os pesquisadores do Scriptorium liga-se à história cultural, organizando-se em torno das questões relativas aos mecanismos de cura e suas relações com os rituais cristãos, aos procedimentos médicos e aos diferentes discursos sobre o corpo. Dentro desta linha de trabalho estão também os estudos das práticas de leitura, escrita, produção de textos e imagens considerados em sua materialidade. Por outro lado, os aspectos éticos da leitura, as relações texto, oralidade e imagem organizam-se em eixos de trabalho preocupados com as questões das relações entre literatura e história e as singularidades do universo medieval. Recentemente o Scriptorium desenvolve vários projetos coletivos que agregam pesquisadores de diferentes níveis de formação. Entre estes destaca-se o projeto Viagens e Viajantes na Idade Média, com a constituição de um amplo universo comparativo dentre as viagens que têm como principal eixo o Mediterrâneo. Além das pesquisas articuladas em diferentes tempos e espaços, estes pesquisadores estão a construir um banco de dados e mapas específicos de cada viagem. Este material será disponibilizado em nosso site, bem como textos e jogos com finalidade didática. Apesar de existir uma predominância das pesquisas relativas à Portugal, não se pode deixar de considerar que as desenvolvidas neste Laboratório, também se abriram para outros espaços da Cristandade medieval e para os estudos do mundo árabe, sobretudo o ibérico. Tal processo do crescimento do campo de observação, ampliou-se numa perspectiva de história comparada, como, por exemplo, a problematização sobre os modelos das monarquias de Portugal e Castela, bem como a reflexão sobre o universo do político na Alta Idade Média. Os desafios para a produção de conhecimento científico sobre a medievalidade são muitos, desde os preconceitos sobre o direito de se fazê-lo no Brasil, até a falta de suportes para pesquisas no país. A formação de laboratórios e grupos de pesquisa constitui iniciativa fecunda e o Scriptorium é certamente um exemplo desta prática que vem se multiplicando em nosso país, com grandes benefícios para a investigação e o ensino da Idade Média.


Vânia Leite Fróes
Professora Titular de História Medieval da Universidade Federal Fluminense
Janeiro de 2016