Juliano Moreira

DALGALARRONDO, P.; ODA, A.M.G.R. Juliano Moreira: um psiquiatra negro frente ao racismo científico. Brazilian Journal of Psychiarty [on-line], v. 22, n. 4, 2000. DOI: https://doi.org/10.1590/S1516-44462000000400007.
JACOBINA, R.R. “Nem clima nem raça”: a visão médico-social do acadêmico Juliano Moreira sobre a sífilis maligna precoce. Revista Baiana de Saúde Pública, v. 38, n. 2, p. 432-465, 2014. DOI: DOI: 10.5327/Z0100-0233-2014380200015.
JACOBINA, R.R. Juliano Moreira da Bahia para o mundo. A formação baiana do intelectual de múltiplos talentos (1872-1902). Salvador, EDUFBA, 2019
SANTOS, Y.L. dos. Juliano Moreira: um médico negro na fundação da psiquiatria brasileira. Niterói: EdUFF, 2020.
Disponível em: https://www.eduff.com.br/produto/juliano-moreira-o-medico-negro-na-fundacao-da-psiquiatria-brasileira-e-book-pdf-472 (Site consultado em 14/03/2023)
Juliano Moreira
1827-1933, São Salvador, Brasil
médico, psiquiatra, cientista
Juliano Moreira nasceu no dia 6 de janeiro de 1872, na freguesia da Sé, na cidade de São Salvador. Filho de Galdina Joaquina do Amaral – mulher negra – e do português Manoel Alves do Carmo Moreira Júnior – funcionário público que atuava na inspeção de iluminação –, Juliano Moreira era afilhado do patrão de sua mãe, Luís Adriano Joaquina do Amaral, barão de Itapuã. Na ausência da figura paterna ao longo de sua infância e adolescência, Juliano Moreira teve como apoio a figura desse padrinho. Médico e professor da Faculdade de Medicina da Bahia, é provável que Luís Adriano Joaquina do Amaral tenha participado ativamente da educação de Juliano Moreira, alfabetizando-o, inclusive.
Ao finalizar o ensino fundamental, Juliano frequentou a instituição particular Colégio D. Pedro II, em Salvador, e, posteriormente, há indícios de que tenha frequentado o Liceu Provincial. Em 1886, aos 14 anos, Juliano Moreira seguiu os passos de seu padrinho e ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, na época chamada de Escola de Cirurgia da Bahia. Para tanto, precisou ser aprovado em um curso preparatório e pagar a quantia de 50 mil réis. Ainda durante a faculdade, Juliano foi interno da Clínica Dermatológica Sifilográfica, experiência que lhe serviu de base para a construção de sua tese de formatura. A tese Etiologia da sífilis maligna precoce foi defendida em 1891, quando Juliano Moreira tinha 19 anos. A abordagem foi um marco na medicina brasileira e sua produção se tornou referência internacional no estudo da doença. Esse destaque se deu, provavelmente, por apresentar aspectos biológicos, climáticos e sociais da sífilis, se distanciando do discurso eugênico da época que associava a doença a características raciais.
Pelas conexões da sua tese com doenças epidêmicas como a malária, por exemplo, em 1892 Juliano Moreira se tornou médico comissionado pela Inspetoria de Higiene, atuando nas cidades de Bonfim, Jacobina e arredores. Como fruto de seu trabalho escreveu o relatório “Endemo-epidemia da Jacobina” publicado na Gazeta Médica da Bahia. Em 1892, Juliano se desliga da Inspetoria e passa a se interessar pela questão da loucura. Isso ocorre em virtude do suicídio do seu padrinho que, segundo relatos, antes de dar fim a sua vida passou a manifestar eventos de alucinação (nos quais ouvia vozes e via coisas). Em 1893, Juliano foi nomeado professor assistente da cadeira de Psiquiatria e Moléstias Nervosas promovendo as aulas práticas no Asilo de Alienados da Santa Casa de Misericórdia (cargo sem remuneração).
No ano seguinte, se tornou preparador de Anatomia Cirúrgica da Faculdade de Medicina da Bahia e também assumiu o cargo de diretor dos Anais da Sociedade de Medicina e Cirurgia da Bahia. Foi por meio desta sociedade que Juliano divulgou sua primeira publicação na área da psiquiatria, “Assistência dos alienados na Bahia”. Auxiliado por outros dois colegas, Juliano estabelecia a importância das políticas públicas voltadas para as questões de saúde mental. Já em 1895 participou da Sociedade de Medicina Legal e assumiu a Revista Médico-Legal ao lado de Afrânio Peixoto. Nesse mesmo ano, Juliano Moreira fez breve viagem à Europa visitando clínicas psiquiátricas de alguns países.
Em 9 de maio de 1896, foi selecionado no concurso para professor substituto da cadeira de Psiquiatria e Doenças Nervosas da Faculdade de Medicina na Bahia, depois de enfrentar uma banca que tira preferências evidentes pelos candidatos brancos. A partir da sua atuação na instituição, Juliano Moreira se dedicou ao Asilo São João de Deus – localizado no bairro de Brotas, em Salvador –onde ministrava boa parte de suas aulas práticas. Juliano também é considerado um dos precursores da psicanálise no Brasil.
Entre 1899 e 1901, conseguiu uma licença, pelo Ministério do Interior, e faz nova viagem à Europa, durante a qual visita clínicas psiquiátricas ligadas a universidades na Alemanha, França, Inglaterra, Escócia, Bélgica, Holanda, Itália e Suíça. Nessa ocasião também participou de congressos internacionais da área médica. Quando retornou ao Brasil, Juliano publicou seus estudos e pesquisas na Gazeta Médica da Bahia, periódico ligado à Faculdade de Medicina, do qual também era redator. Aparentemente desiludido com os poucos recursos do Asilo São João, Juliano se mudou para o Rio de Janeiro, em 1903, e passou a morar no bairro de São Cristóvão. Nesse mesmo ano assumiu a direção do Hospício Nacional de Alienados, por indicação de Afrânio Peixoto.
Durante sua gestão, Juliano batalhou para implementar uma série de importantes melhorias na instituição. Dessa forma, solicitou ao governo a reforma do prédio, promoveu a separação entre homens, mulheres e crianças, construiu salas de clinoterapia, pavilhões destinados a oficinas de serviços laborais, implantou jardins internos, retirou as grades e aboliu o uso de camisas de força e algemas. Além de sublinhar a importância de construir uma legislação específica destinada aos doentes mentais. Em 1904, Juliano viaja ao Cairo (Egito) para cuidar de sua tuberculose. Nessa viagem conhece a enfermeira alemã Augusta Peick, com quem se casou.
Um ano depois, já em terras cariocas, Juliano retomou a direção do Hospício Nacional e fundou – ao lado de Afrânio Peixoto – os Archivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Sciencias Afins. Em 1907, fundou a Sociedade Brasileira de Neurologia, Psychiatria e Medicina Legal, da qual se tornou presidente. Na primeira década do século XX, continuou a participar de congressos internacionais e teve seu trabalho reconhecido em conferências na Alemanha e na Noruega. Em 1911, se tornou o diretor da Assistência aos Alienados e fundou o periódico Archivos Brasileiros de Medicina. Entre 1910 e 1920, esteve ligado ao projeto de construção da Colônia de Mulheres (localizada em Engenho de Dentro), à construção do Hospital Colônia (localizado na época em Jacarepaguá) e à criação do primeiro manicômio judiciário do país. Em 1925, enquanto vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências, Juliano recebeu a visita do físico Albert Einstein. Entre 1926 e 1930, Juliano foi convidado para uma série de conferências em universidades do Japão e em Hamburgo, na Alemanha.
Após a Revolução de 1930, Juliano foi aposentado compulsoriamente da direção do Hospício Nacional, indo morar no bairro carioca de Santa Tereza. Atendeu alguns pacientes particulares e se manteve ativo nas reuniões das sociedades das quais fazia parte. No entanto, em outubro deste mesmo ano, Juliano teve uma piora de seu quadro de saúde. Em busca de melhores ares, ele e sua esposa se mudaram para Corrêas, próximo à cidade de Petrópolis. Chegou a ser internado em um sanatório para cuidar da tuberculose, mas faleceu em 2 de maio de 1933. Foi velado por amigos e admiradores no Hospício Nacional e acompanhado por uma pequena multidão até o Cemitério São João Batista, onde foi enterrado.