BRANDÃO, Moreno. O centenário da Emancipação de Alagoas. 3ª Ed. Maceió: Imprensa Oficial Graciliano Ramos, Edufal, Fapeal, 2023.
28 de outubro de 1823 / 31 de dezembro de 1823
No conturbado ano de 1823, a Província das Alagoas foi palco de uma das mais emblemáticas crises políticas do início do Império do Brasil: a Sedição de Porto Calvo. O conflito expôs rivalidades locais, disputas pelo poder e a fragilidade do governo provincial diante de uma elite insatisfeita, composta por senhores de engenho e militares. Logo após a Independência do Brasil, proclamada em 1822, D. Pedro I consolidava seu poder no Rio de Janeiro. Alagoas, recém-desmembrada de Pernambuco (1817), ainda buscava estruturar suas instituições. A capital provincial era a Vila das Alagoas (atual Marechal Deodoro). Em 1823, a Junta de Governo passou a ser liderada por Narciso Correia Machado de Araújo, e enfrentava instabilidades em várias regiões, principalmente no norte da província. Porto Calvo destacava-se como um dos polos de desordem. Ao longo do ano, crescem as animosidades com pedidos de deposição de membros da Junta de Governo. Depostos e depois reintegrados, causando uma revolta de militares que são acolhidos em Porto Calvo pelas elites locais, fundam uma nova Junta de Governo, que acaba avançando para Capital e através de acordos, conseguem convocar uma eleição e elegem seus sucessores.
Desde o início do ano de 1823, ofícios relatavam crimes graves como assassinatos e roubos ao norte de Alagoas. A Junta de Governo criticava a Câmara da Vila de Porto Calvo pela omissão, já que ela não punia os causadores de invasões e roubos nos engenhos. A não punição era ocasionada, conforme a Junta, pois os verdadeiros culpados pelos desmandos eram figuras influentes — senhores de engenho e suas famílias, com grande influência dentro da Câmara de Porto Calvo. Uma das acusações implícitas era com a poderosa família Mendonça. As disputas se agravaram com acusações de fraudes eleitorais feitas pela Câmara de Porto Calvo na escolha dos deputados para a Assembleia Geral Constituinte. A Junta foi acusada pelos membros da Câmara de favorecer aliados e perseguir opositores.
No final de outubro de 1823, o conflito chegou ao auge. O Comandante de Armas da Vila das Alagoas, Oliveira Bello foi retirado do cargo, sob alegação de que iria tratar da saúde na Bahia. Como era bem-quisto pelos militares e teve desentendimentos com a Junta de Governo, acabou sendo afastado definitivamente. Com isso, o Batalhão de Caçadores, liderado por Joaquim José Xavier dos Anjos, invadiu a sede do governo provincial na Vila das Alagoas e exigiu a expulsão de dois membros da Junta: Nicolau Paes Sarmento e Antônio de Holanda Cavalcante. A Junta, pressionada, acabou cedendo. Dias depois, milícias leais à Junta marcharam até a Capital para exigir a reintegração dos membros depostos e retomaram o controle. Foi determinada a prisão de Xavier dos Anjos, que deveria ter sido enviado para a Bahia. Junto com ele, outros envolvidos no episódio foram encarcerados.
Com isso, parte dos militares derrotados e apoiadores do Joaquim Xavier dos Anjos desertaram de seus batalhões e fugiram para Porto Calvo. Lá, com uma elite que já não apoiava a Junta de Governo, encontraram o apoio para formar uma Junta Temporária em 12 de novembro. O “verdadeiro governo”, como se declaravam, foi instalado com o apoio de senhores de engenho como Jacinto Paes de Mendonça e Bernardo Antônio de Mendonça. A chamada “Junta Temporária”, também apoiada por militares, passou a funcionar em oposição à Junta oficial da Capital. O novo governo enviava comunicados e buscava apoio das demais vilas na Província de Alagoas. Enquanto isso, a Junta oficial, temendo uma invasão da Capital, tentou bloquear comunicações e pediu ajuda à Província de Pernambuco, o que não ocorreu. Sem sucesso imediato, as tensões continuavam crescendo.
No final de novembro, a Junta oficial sofreu novo golpe. Os prisioneiros que em outubro tinham invadido a sessão da Junta, haviam fugido antes de serem transferidos para o navio que os levaria para Recife e de lá para o Rio de Janeiro, com toda a devassa da Sedição. Enquanto isso, soldados enviados anteriormente para Porto Calvo, no intento de controlar os crimes na região, haviam aderido ao governo paralelo. Em meio ao caos e às disputas de poder, famílias de Porto Calvo começaram a emigrar da região por medo das represálias e da crescente violência capitaneada pelos líderes sediciosos. Sem apoio efetivo de Pernambuco e percebendo a perda de autoridade, a Junta oficial da capital renunciou no dia 5 de dezembro de 1823. O governo provisório então passou a ser exercido temporariamente pela Câmara da Vila das Alagoas, enquanto aguardavam a chegada do novo governo formado em Porto Calvo.
No dia 14 de dezembro, assumiu o poder a Junta formada em Porto Calvo, presidida pelo Padre Lourenço Wanderley Accioli Canavarro, com outros nomes de destaque como o advogado Antônio Maurício de Lacerda e o Major Bento Francisco Alves. No final do mês, novas eleições foram realizadas e, em 1º de janeiro de 1824, assumiu a nova Junta Governativa da Província. Entre seus membros estavam o vigário de Ipioca, Padre Francisco de Assis Barbosa (presidente), e outros líderes locais que simbolizavam a vitória do movimento sedicioso sobre o governo instalado pela Corte.
A Sedição de Porto Calvo evidenciou o frágil equilíbrio de forças no Brasil pós-independência. A ausência de um aparato central forte permitiu que elites regionais desafiassem abertamente o governo provincial, recorrendo à força e alianças políticas. O episódio revela que a unidade do novo império ainda era um projeto em construção, marcado por disputas locais, interesses econômicos e rivalidades pessoais. A vitória dos sediciosos mostra como as alianças entre militares e elites agrárias podiam moldar o poder regional no Brasil.
(Gian Carlo de Melo Silva, Professor de História da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e do PPGH da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). É sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL) e do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP))
Dentre eles, destaca-se a criação da Junta de Governo da Província (logo após a emancipação política de 1822), liderada por Narciso Correia Machado, que enfrentou resistência das elites locais, especialmente da vila de Porto Calvo, ao norte de Alagoas. A região vivia sob o domínio político da família Mendonça, detentora de muitas terras e de pessoas escravizadas.
Em janeiro de 1823, o norte da Província de Alagoas foi atingido por perturbações, crimes e desordens, sobretudo na região norte. A Câmara de Porto Calvo acusou o Governo da Província de não dar devida atenção aos problemas, enquanto a Junta Provisória se defendia alegando que a situação decorria do controle ineficiente exercido pelas próprias autoridades locais.
Logo após a Independência do Brasil, proclamada em 1822, D. Pedro I consolidava seu poder no Rio de Janeiro. Mudanças administrativas e nas formas de governo seriam implementadas nas unidades que compunham o Império. Entre 1822 e 1824, foram criadas Juntas de Governo Provisório nas províncias, órgãos cuja função era manter a ordem, administrar e garantir a lealdade ao novo Império do Brasil até a chegada dos Presidentes de Província nomeados pelo Imperador. No caso de Alagoas, tal fato só ocorreu em junho de 1824, quando o pernambucano Dom Nuno Eugênio assumiu como Presidente da Província.
As Juntas normalmente eram compostas por membros das elites locais, como grandes proprietários, religiosos, comerciantes e militares. Sua criação expôs conflitos internos, com disputas entre as camadas mais altas da sociedade, que concorriam para ter o poder e o comando político, como foi o caso de Alagoas. Tais problemas eram recorrentes e existem vários exemplos, como em Pernambuco com a Junta dos Matutos.
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Sedição Portocalvense
BRANDÃO, Moreno. O centenário da Emancipação de Alagoas. 3ª Ed. Maceió: Imprensa Oficial Graciliano Ramos, Edufal, Fapeal, 2023.
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Sem Nome, "Sedição de Porto Calvo". Impressões Rebeldes. Disponível em: https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/revolta/sedicao-de-porto-calvo/. Publicado em: 08 de maio de 2025.