GOMES, Flávio dos Santos. A hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (secs. XVII-XIX). 1997. 773f. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP, p. 594.
1715 / 1768
Data aproximadaRegistros da presença de quilombos na região de São Paulo aparecem no início do século XVIII. Desde então, organizaram-se expedições para reprimi-los, buscando-se assim reduzir os danos que esses núcleos rebeldes causavam ao atacar pessoas e carregamentos nas estradas que se irradiavam em várias direções ao longo do planalto. Nos anos de 1766-68 ocorreu uma pesada perseguição a um grande quilombo na região de Mogi-Guaçu, cuja infraestrutura indicava que se tratava de uma ocupação antiga. Após a repressão parece que o grupo quilombola se interiorizou no território, buscando garantir maior autonomia.
Na parte interiorana de Mogi-Guaçu, autoridades da Capitania de São Paulo abriram em 1766 uma política mais sistemática de perseguir e tentar destruir um grande quilombo de que se tinha notícia. Em junho do referido ano, o Capitão-mor, Manoel Rodrigues Araujo, providenciou a contratação de capitães-do-mato para dar início ao desmantelamento dos mocambos da região.
As autoridades procuraram inicialmente analisar a dimensão desse quilombo pois, mesmo que ele não representasse um grande perigo àquele ponto, os quilombolas praticavam pequenos furtos, que perturbavam as estradas da região. O Capitão-mor determinou a realização de uma expedição com sete pessoas para fazer o reconhecimento inicial da área.
Segundo o historiador Flávio Gomes em sua tese de doutorado “A hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (sécs. XVII-XIX)”, naquele momento, tentava-se prevenir futuros problemas. A expedição exploratória foi realizada com o máximo de cautela. Ainda segundo Gomes, as autoridades nem mesmo tinham certeza de que os indícios de presença de pessoas vivendo naquelas matas eram provenientes de aldeias indígenas ou mocambos de negros. Porém, ao final da investida, as suposições foram confirmadas: de fato havia quilombolas nas redondezas.
Para reforçar as suspeitas, os moradores de Jundiaí, próximo de Mogi-Guaçu, também reclamavam da existência de um quilombo muito grande que causava prejuízos para os moradores. Com essa informação adicional, as autoridades planejaram outra expedição, desta vez punitiva, a ser realizada por bandeirantes paulistas. As bandeiras tinham várias utilidades, desde o apresamento de índios até a busca por minérios. No entanto, havia uma modalidade chamada contrato, geralmente feita para perseguir escravos fugidos ou desmantelar um quilombo, como o quilombo de Palmares, que foi desfeito pelo bandeirante Domingos Jorge Velho em 1694. Foi esse mesmo de modalidade bandeirante a utilizada em Mogi-Guaçu
Em 17 de junho de 1766, foi preparada uma expedição que seria comandada por Simão Bueno da Silva mas que só teve início em setembro. Após dias seguindo pistas na mata, encontraram uma trilha e, depois de três dias, acharam um homem negro morto. Continuaram a seguir os rastros e, passado dois dias, encontraram um grande quilombo, porém ele havia sido queimado. Os relatos são surpreendentes no que se refere às suas dimensões: nesse quilombo havia mais de noventa casas com três, duas ou quatro camas. O espanto foi registrado pelos governantes paulistas e os responsáveis pela expedição. Depois do encontro dessas ruínas calcinadas, os bandeirantes continuaram caminhando pelas matas e foram surpreendidos com um ataque de centenas de quilombolas.
Após esse evento, as autoridades tentaram organizar o mais rápido possível uma nova investida, dessa vez com mais soldados e armamentos. A demora trouxe oportunidade aos rebeldes pois, passados dois anos, em março de 1768, chegaram notícias que os quilombolas tinham se deslocado para áreas mais remotas, assim escapando das perseguições. Desta maneira, o mocambo de Mogi-Guaçu se desfez, após décadas de resistência, possivelmente renascendo em outra área em que a vida transcorria em melhores condições.
(Caio Feitosa, graduando do curso de História pela Universidade Federal Fluminense e pesquisador do Impressões Rebeldes)
Fuga de escravizados de propriedades da região e formação de quilombos. Na década de 1770, habitantes da região reclamavam da existência de um grande mocambo, cujos moradores praticavam furtos nas estradas. Os relatos chamaram a atenção das autoridades locais, que organizaram forças para buscar pelo quilombo.
Em 1748, a capitania de São Paulo ficou subordinada à do Rio de Janeiro e, a partir de 1765, recuperou sua autonomia, tornando-se um importante entreposto comercial com ligações comerciais com a capital do Vice-Reino do Brasil, o Rio de Janeiro, bem como com o sul e as minas de Cuiabá. Sob o ponto de vista econômico, era uma área de fronteira aberta ao longo do século XVIII. Além da produção dos engenhos de açúcar, o comércio entre a capitania de São Paulo e a região mineradora de Cuiabá dinamizou-se a partir das monções, expedições fluviais destinadas a abastecer o sertão (atual região Centro-Oeste) com produtos agrícolas como toucinho, cereais, e ainda tecidos, armas e munições. Essas expedições eram organizadas com canoas, seguindo o estilo indígena, para transportar mantimentos entre São Paulo e Cuiabá. A época mais propícia para essas viagens era durante o período de cheias dos rios (março e abril). A partir dessas monções, a capitania de São Paulo se tornou um grande fornecedor de produtos agrícolas para as minas de Cuiabá, em troca do ouro produzido na região.
GOMES, Flávio dos Santos. A hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (secs. XVII-XIX). 1997. 773f. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP, p. 594.
GOMES, Flávio dos Santos. Mocambos e quilombos: uma história do campesinato negro no Brasil. São Paulo: Claro Enigma, 2015, p. 20.
SILVA, R. de A. e. São Paulo nos tempos coloniais. Revista de História, [S. l.], v. 10, n. 21-22, 1955, p. 55-88.
Sem Nome, "Quilombo de Mogi-Guaçu". Impressões Rebeldes. Disponível em: https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/revolta/quilombo-de-mogi-guacu/. Publicado em: 04 de outubro de 2024.