LENK, Wolfgang. Guerra e Pacto Colonial. A Bahia contra o Brasil Holandês (1624-1654). São Paulo, Alameda, 2013.
janeiro de 1639 / janeiro de 1639
Data aproximadaEm Salvador, capital do Estado do Brasil, ao longo do ano de 1639 a cidade esteve apinhada de soldados, com um contingente muito maior do que os 1300 que compunham os dois terços da guarnição local. O motivo para este aumento dos efetivos era a presença da Armada de D. Fernando de Mascarenhas, 1º Conde da Torre, que saíra de Portugal em setembro do ano anterior para tentar retomar Pernambuco e outras áreas nordestinas das mãos holandesas – domínio este que já durava quase uma década. Mas a expedição do Conde da Torre sofreria um revés logo nos primeiros dias da viagem. Ao fazer uma arribada em Cabo Verde boa parte da tripulação adoeceu, inclusive o próprio comandante, frustrando assim os planos de ataque ao Recife. A armada, muito debilitada, rumou para Salvador, chegando lá em janeiro de 1639.
A presença de um número excessivo de soldados e a grande variedade de nacionalidades dos mesmos – eram portugueses, castelhanos, napolitanos, catalães -, provocou muitos conflitos na acanhada Salvador. Quando não faltavam os gêneros de primeira necessidade, como a farinha de mandioca, carne, azeite, vinho (esses dois últimos importados do reino), eles chegavam com preços extorsivos devido ao aumento da demanda. A tensão aumentava ainda mais devido à falta de quartéis, com a população tendo que agasalhar essas tropas em suas propriedades. Embora o costume fosse de se pagar esses moradores por ceder suas propriedades, nem sempre eles viam a cor do dinheiro.
Ser soldado nesse período era conhecer a realidade cruel de ter os seus soldos em permanente atraso, o que naturalmente aprofundava as insatisfações, gerando o grande temor de uma rebelião desses homens que, por sua postura por vezes arrogante e de litígio com a população civil, não era bem-vinda às regiões que os recebiam.
Essa tensão permanente entre militares e moradores levou o Conde da Torre, nomeado governador-geral da América portuguesa, a decretar assim que desembarcou em Salvador, a pena capital a dois soldados do terço do mestre de campo D. Fernando de Lodeña, que veio junto à Armada. Com o cenário montado e a população a postos para mais um espetáculo, o mestre de campo irrompe na cena pedindo clemência para seus comandados ao governador geral. Inflexível o Conde da Torre, que já havia negado igual pedido feito por alguns clérigos, insiste em consumar a sentença. Em reação, D. Fernando de Lodeña reúne a sua tropa e promove um motim diante do incrédulo governador e demais presentes. A confusão é tão grande que foi possível libertar os dois condenados e homiziá-los no convento de Nossa Senhora do Carmo. Ainda sob a União Ibérica, a justiça de Sua Majestade Filipe IV ( Filipe III em Portugal) havia sido desmoralizada por um membro do corpo que tinha como uma de suas funções garantir a aplicação da mesma. O mestre de campo rebelde credenciava-se para ser executado.
Como punição, D.Fernando de Lodeña foi preso no Forte de Tapagipe de onde só sairia para ser embarcado a ferros para a Europa. Contudo, governador geral e supremo comandante Conde da Torre resolveu, agora sim, aplicar sua clemência. Libertou o mestre de campo da prisão, restituiu-lhe o comando de seu terço dizendo “Sirvamos El Rey”, acrescentando que sempre fora seu amigo.
Meses depois, em janeiro de 1640, a armada do Conde da Torre amargaria uma derrota para a frota holandesa, frustrando a última tentativa dos Habsburgos espanhóis de desalojar os batavos do nordeste. Em dezembro daquele ano esse problema passaria para a alçada de D. João IV, o novo rei português, primeiro da dinastia de Bragança.
(Fernando Pitanga, doutorando do PPGH da UFF e colaborador do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ-CNE/2018-2021)
LENK, Wolfgang. Guerra e Pacto Colonial. A Bahia contra o Brasil Holandês (1624-1654). São Paulo, Alameda, 2013.
MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e Açúcar no Nordeste, 1630-1654. 2ª edição, revista e aumentada. Rio de Janeiro, Topbooks, 1998.
Sem Nome, "Motim de soldados do terço do mestre de campo D. Fernando de Lodeña". Impressões Rebeldes. Disponível em: https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/revolta/motim-dos-soldados-do-terco-do-mestre-de-campo-d-fernando-de-lodena/. Publicado em: 05 de abril de 2022.