Revoltas

Guerras Guaraníticas

Início / fim

1 de agosto de 1752 / 8 de junho de 1756

Quando, em 1750, portugueses e espanhóis assinam o Tratado de Madri, com a intenção de trocar o território de Sacramento (luso) pelos Sete Povos das Missões (espanhol), jamais imaginariam que, além de não conseguiriam fazer valer as prerrogativas reais, teriam de enfrentar índios revoltosos, determinados em não deixar as terras que foram povoadas com a ajuda das missões jesuíticas espanholas. Devido ao fracasso na campanha de 1754, os ibéricos impuseram sua vontade apenas no segundo plano de ataque em 1756. A morte do líder guarani, Sepé Tiaraju, e a vitória decisiva na batalha do Caboiaté determinaram o rumo da guerra. A falta de sucesso da migração forçada e divergências sobre estabelecimento de fronteiras trouxeram o fim ao Tratado de Madrid em 1761.
Se bem é certo que não são todos os aldeamentos que declaram guerra às coroas ibéricas, os enfrentamentos que se seguem – de 1753 até 1757 – à execução do Tratado de Madri evidenciam mais do que uma simples desobediência. A aliança de interesses por anos cultivada entre índios e espanhóis, com a ajuda dos jesuítas, pareceu finalmente ter chegado ao fim. O acatamento do Tratado de Madrid pela Companhia de Jesus culminou na perda de sua autoridade temporal na maioria das aldeias, pois os indígenas sentiam-se vendidos aos mesmos portugueses com quem lutaram para defender as fronteiras espanholas por tantos anos. Prova disso foi a expulsão do jesuíta Luiz Altamarino de Yapeyú, tendo de correr por sua vida, após levar uma compensação financeira da Coroa espanhola em junho de 1753. 

Ao impor e condicionar a mudança das populações indígenas de São Francisco de Borja, São Nicolau, São Miguel Arcanjo, São Lourenço Mártir, São João Batista, São Luiz Gonzaga e Santo Ângelo Custódio, a Coroa espanhola e os representantes reais abandonaram de vez o papel de protetores dos povos das missões.

A primeira missão de demarcação foi interceptada em Santa Tecla por indígenas de São Miguel no dia 26 de fevereiro de 1753. Os indígenas não permitiram a passagem da expedição devido à falta de autorização do cabildo miguelista. No dia 27, uma milícia de 30 guaranis comunicou que eles haviam escolhido resistir à demarcação. A expedição foi forçada a retornar para Sacramento. 

No dia 14 de março, na Ilha de San Martin, foi concluída a conferência para o primeiro planejamento de ataque às missões. Contudo, foi apenas em 3 de junho que Gomes Freire (Governador do Rio de Janeiro) e José de Andonaegui (Governador de Buenos Aires) zarparam para organizar seus exércitos. Andonaegui estipulou um prazo de dois meses para que os jesuítas convencessem os Sete Povos a migrarem pacificamente, mas a oferta foi recusada.

Entre 16 e 20 de julho, a aldeia de Concepción e todas as aldeias dos Sete Povos, com exceção de São Borja, no lado oeste do Uruguai, enviaram cartas ao governador de Buenos Aires, avisando que não sairiam e que não acreditavam que a Coroa espanhola tivesse ordenado a mudança. Em setembro do mesmo ano, esses povos passaram a ser tidos como rebeldes.

O primeiro ataque missioneiro ocorreu no dia 24 de fevereiro de 1754, cerca de 310 indígenas, 200 de São João e 110 de São Luiz, atacaram o Forte Jesus, Maria e José. O jesuíta Tadeu Heins acompanhou o combate e registrou que 22 guaranis morreram no combate e 26 foram feridos antes de recuarem. Segundo eles, apenas 14 dos setenta soldados portugueses da guarnição do forte foram mortos. 

Durante o mês de abril de 1754 o alferes-mor de São Miguel, Alexandro Mbaruari marchou recrutando tropas para tentar um segundo ataque ao forte Jesus, Maria e José. Ele reuniu 900 homens sob seu comando, sendo 400 de São Miguel e São Luiz. Na noite do dia 28, seus batedores atacaram alguns ranchos e alertaram os moradores. O alferes preferiu surpreender e atacar, mas o mesmo só conseguiu iniciar o ataque na manhã do dia seguinte. Mbaruuri foi morto com uma lança no peito de um escravo que furtivamente usou uma entrada da muralha, enquanto a artilharia atirava nas tropas indígenas. 

A morte do comandante causou pânico e forçou o recuo dos guaranis. Um dos comandantes das forças indígenas, Sepé Tiaraju, roubou setenta cavalos dos pastos do forte. O comandante Thomaz Osório interceptou o grupo em fuga de Sepé e seus 54 homens, querendo negociar paz, mas exigia os cavalos devolvidos. O guarani concordou e disse que iria falar com os caciques, deixando seus homens como garantia. Os lusitanos concordaram, desde que o suboficial Francisco Pinto Bandeira e outros 4 soldados o acompanhassem, mas, no meio do caminho, o índio saltou de seu cavalo, entrou no mato e escapou pelo Rio Pardo sob uma chuva de tiros. Os 53 indígenas foram presos no forte.

Sepé tentou argumentar com os outros caciques sobre a troca dos cavalos por seus companheiros, mas a maioria deles preferiu manter os cavalos. Os portugueses mandaram os 53 indígenas para Vila de Rio Grande num barco. No meio da viagem pela Lagoa dos Patos, os prisioneiros se amotinaram, mas foram reprimidos, sobrevivendo apenas 15.

O exército de Gomes Freire tinha cerca de 1.624 soldados. No dia 22 de abril as tropas brasileiras saíram de Sacramento e, com muitas adversidades climáticas, chegaram em 14 de agosto no forte Jesus, Maria e José. No lado espanhol, as tropas enfrentaram muitas dificuldades, pois seus cavalos estavam mal alimentados e intoxicados por comerem uma grama tóxica. Eles recuaram e estacionaram a 200 km de Yapeyú, o que  atrasou toda a marcha. No dia 3 de outubro o exército hispânico sofreu um ataque de uma tropa de guaranis comandada por Rafael Paracatu. Os espanhóis venceram o combate, tendo apenas 1 sargento morto e 27 feridos. Do lado indígena o número de óbitos foi 230 e 75 foram capturados. Ao invés de revigorar os ânimos, a batalha teve o efeito oposto, pois, no mesmo dia, o conselho decidiu cancelar os planos do primeiro ataque.

As tropas luso-brasileiras entraram em território indígena no dia 1° de setembro, mas, no dia 8 dia chegou uma carta do governador de Buenos Aires para que as tropas brasileiras não prosseguissem, pois o exército espanhol se atrasaria. Gomes Freire ficaria acampado na beira do Jacuí por dois meses, com ordens para não atacar os indígenas a não ser que o atacassem primeiro.

No dia 12 de novembro, o alferes Antônio Pinto Carneiro chegou ao acampamento com a notícia de que o primeiro plano de ataque havia sido cancelado e que Gomes Freire precisaria recuar. Antes de retornar, o governador do Rio de Janeiro assinou, no dia 18 de novembro, uma trégua unilateral com os caciques e cabildos, estendendo sua fronteira até o rio Ibicuí. As aldeias envolvidas eram São Miguel, São Luiz, Santo Angelo e São Lourenço. O pacto estabelecia uma vassalagem aos portugueses, que não deveriam entrar no território das missões sem uma ordem real antes.

O ano de 1755 foi um ano de preparação, os ibéricos retornaram para Sacramento e Buenos Aires para reorganizarem seu exército. Assim que o guarani soube da marcha dos exércitos portugueses, reuniu seus homens, chamou seus aliados e partiu rumo ao reduto de Santa Tecla. A tática adotada seria a de guerrilha e terra arrasada, destruiria o máximo de aldeias possível e emboscaria pequenos grupos do exército.

Os dois exércitos ibéricos se uniram no dia 16 de janeiro de 1756 em Campo Alegre. No dia 7 de fevereiro, foi despachado um destacamento com 300 soldados para perseguir um grupo de miguelistas liderados pelo Alferes de São Miguel na Coachila do Caboiaté (atual município de São Gabriel). Durante a perseguição o cavalo de Sepé prendeu as patas numa toca e o lançou para frente, ele foi capturado, torturado e decapitado pelo Governador de Montevidéu, José Joaquim Viana (1751-1764).

Nicolau Neeguiru, líder da aldeia de Concepción, assumiu o comando dos missioneiros e decidiu lutar em campo aberto. Na parte mais alta dos campos do Caboitaé mandou cavar uma trincheira. Sua estratégia era agüentar o máximo de tempo possível para que mais tropas pudessem chegar. Quando os exércitos ficaram frente a frente, o governador de Buenos Aires exigiu que todos se rendessem e prometeu misericórdia se voltassem para suas aldeias e colaborassem com o êxodo. Nicolau Neenguiru concordou com tudo e pediu uma hora para desmontar seu acampamento, mas era uma mentira, ele apenas queria ganhar tempo. Percebendo que foi ludibriado, o governador iniciou o ataque. A batalha durou 1 hora e 15 minutos com cerca de 1500 missioneiros mortos e 150 capturados e, do lado ibérico, morreram 4 e 40 ficaram feridos.

Após o massacre, o exército ibérico entrou no território das missões em maio de 1756 e ocupou com facilidade as aldeias resistentes. Gomes Freire alojou-se em Santo Ângelo, em junho de 1756, por 9 meses esperando o fim do processo de migração dos indígenas. No entanto, os espanhóis não tiveram sucesso, pois os missioneiros sempre fugiam para o mato. Muitos também migravam para o lado português, visando participar do projeto de povoamento da região. Eles faziam acordos secretos com Gomes Freire, que facilitava toda a mudança.

O Tratado de Madrid seria anulado no dia 12 de fevereiro de 1761 com a assinatura do Tratado de El Pardo, uma vez que a evacuação dos guaranis fracassou e os dois reinos não conseguiram chegar a uma definição final sobre as fronteiras.

A região em que ocorreu esta guerra, embora distante geograficamente do centro da Capitania do Rio de Janeiro, esteve sob jurisdição do governador da Capitania do Rio desde 1699 (Carta Régia de 9 de novembro), a posse de Sacramento variou ao longo dos anos entre domínio português e espanhol devido aos conflitos territoriais.

 

(Eduardo Chu, graduando no curso de História da UFF e pesquisador do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ -CNE/2018-2021)

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Como Citar

Sem Nome, "Guerras Guaraníticas". Impressões Rebeldes. Disponível em: https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/revolta/guerras-guaraniticas/. Publicado em: 05 de abril de 2022.