Essa conjuração para tomar o governo da capitania do Maranhão no ano 1706 tem um lado pitoresco: ela foi encabeçada pelo ex-ocupante do cargo: Manuel Rolim de Moura, que esteve à frente da capitania de julho de 1702 até 1705, quando foi deposto pela rainha regente, D. Catarina de Bragança, após uma série de reclamações do Ouvidor-geral e Provedor da Fazenda Real, Miguel Monteiro Bravo. Enquanto não chegava o novo governador vindo de Portugal, a solução encontrada foi convocar, na vizinha capitania do Pará, o capitão-mor João Velasco Molina, que assumiu provisoriamente a administração do Maranhão em setembro do mesmo ano.
O interino assume, mas permanece em Belém. O governador do Maranhão, por sua vez, mesmo deposto permanece em São Luiz. É fácil prever o que aconteceria. O inconformado Manuel Rolim de Moura, aproveitando-se da sua influência e de seus aliados na região, passou a conspirar para retomar o seu antigo posto. O script da trama é pouco conhecido nos dias de hoje mas o novo governador recebeu informações do que se passava no Maranhão.
Velasco Molina dirigiu-se imediatamente a São Luís e, sob justificativa de sufocar a conspiração, mandou sumariamente para o cárcere vários membros da elite local e membros da câmara municipal, como os juízes ordinários e o juiz de órfãos; prendendo ainda Manuel da Silva Pereira, ouvidor-geral e provedor-mor da Fazenda no Maranhão. As condições em que ocorreu a prisão deste último geraram um grande escândalo pois foram consideradas extremamente degradantes à honra de um oficial que investido de poderes régios, e portanto encarregado da justiça na capitania, não deveria ser encarcerado por parentes e criados a serviço do novo governador. Melhor sorte tem o cabeça de toda a trama e ex-governador Moura Rolim que se abrigou a tempo no convento de Santo Antônio e, sob proteção dos franciscanos, ficou intocado.
Além das queixas diante do que se passou com o Ouvidor e Provedor, as reclamações contra as medidas tomadas pelo Capitão-mor e Governador interino Velasco Molina mencionavam a arbitrariedade da prisão dos oficiais da câmara de São Luís. Zelosos de suas prerrogativas de “cidadãos”, consideravam-se detentores de privilégios equivalentes àqueles concedidos aos cidadãos do Porto, em Portugal, como por exemplo não serem postos a ferros sem o devido julgamento e nem submetidos a tormentos. O clima pesado se arrastou por alguns meses até desanuviar no início de 1707 com a chegada à capitania do Maranhão de Cristóvão da Costa Freire, o novo governador nomeado por Portugal. Com a devida prudência tratou de libertar todos os presos sem demora.
Essa conspiração reflete, como em muitas outras no período do Brasil colonial, a disputa entre grupos dirigentes do Estado do Maranhão pela hegemonia da região.
O desfecho dessa história é tão curioso como o seu início. Manuel Rolim de Moura, mesmo com a ficha suja por conspirar, foi agraciado anos depois com o governo da capitania de Pernambuco, que exerceu entre 1721 e 1727. E foi lá, como diz o adágio, onde o governador que foi pedra se transformou em vidraça quando soldados dos terços de Olinda e Recife resolveram protestar furiosamente contra o seu governo. Mas essa é outra história.
Fernando Pitanga
doutorando do PPGH da UFF e colaborador do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ-CNE/2018-2021