Revoltas

Revolta de Benta Pereira

Capitania Real do Rio de Janeiro (1567 – 1821)Vila de São Salvador da Paraíba do Sul

Início / fim

21 de maio de 1748 / 3 de junho de 1748

Praça do Santíssimo Salvador, região central de Campos dos Goytacazes, às margens do rio Paraíba do Sul - Fonte: site da prefeitura de Campos / FOTO: SECOM

Em 21 de maio de 1748, cerca de quinhentos moradores da vila de São Salvador (atual município de Campos dos Goytacazes) se rebelaram e travaram uma batalha contra as forças do donatário da Capitania do Paraíba do Sul (território do atual norte-fluminense). Os revoltosos, liderados por Benta Pereira, conseguiram tomar o controle de toda a vila e impedir a posse do donatário, o Visconde de Asseca, cuja tirania motivou o levante. No dia 3 de junho de 1748, as forças repressoras do governo da Capitania do Rio de Janeiro chegam à vila punindo os revoltosos com prisão e degredo. Anos depois, a Coroa compra a capitania da Paraíba do Sul de seu legítimo donatário suspendendo a  posse sobre a área e exigindo sua saída da região.

Desde finais do século XVII, a Capitania da Paraíba do Sul (antiga capitania de  São Tomé) estava sob a posse do Visconde de Asseca, titulação concedida à família dos Correia de Sá. A Coroa portuguesa concedeu a capitania no intuito de que eles promovessem o povoamento e desenvolvimento da região. A pecuária era uma importante atividade econômica nos primeiros anos de ocupação territorial da capitania. A partir do século XVIII, a indústria açucareira foi ganhando cada vez mais importância na região até que sobrepujou a pecuária. As férteis terras da planície da Capitania do Paraíba do Sul motivaram uma corrida para a construção de engenhos de açúcar e fizeram com que houvesse disputas no processo de ocupação territorial.

Alguns proprietários e moradores da vila de São Salvador eram frequentemente acusados de estarem ocupando de forma irregular as terras do donatário. Os Assecas  muitas vezes enviavam suas tropas para atear fogo nas casas desses moradores para tomar as terras que reivindicavam serem suas. Estabelecimentos comerciais e fazendas foram destruídos e expropriados pelos Assecas. O donatário gozava de amplos poderes na região, podendo determinar o valor dos impostos e punir a qualquer um que a ele fizesse oposição. Essa situação gerava muita insatisfação nas famílias proprietárias de terras da região.

Benta Pereira foi uma importante proprietária de terras na Paraíba do Sul onde ela e sua família tinham grande influência política, particularmente  na vila de São Salvador. Devido ao recrudescimento das ações consideradas opressoras da parte  do donatário, Benta Pereira passou a se articular com outros proprietários de terra para ampliar a  oposição ao Visconde de Asseca. A casa de Benta Pereira transformou-se em um centro de conspiração contra o donatário e a figura dela virou um símbolo da resistência à dominação dos Assecas.

Em abril de 1748, circulou na vila a notícia da chegada do procurador do Visconde de Asseca, que pretendia dar posse ao novo donatário da capitania. Os moradores se articularam, acionando meios legais, para impedir que a posse ocorresse. Manuel Manhães Barreto, magistrado e filho de Benta Pereira, elaborou um requerimento que visava barrar a posse e foi até a Câmara apresentá-lo. Os camaristas, por sua vez, aliados da família donatária, indeferiram seu requerimento e ainda mandaram que o magistrado se retirasse da Câmara com termos ofensivos. O desrespeito ao magistrado motivou uma reação dos moradores contra a Câmara. Logo, uma multidão formada por homens e mulheres liderados por Mariana de Souza Barreto,  filha de Benta Pereira, invadiu a Câmara da vila aos gritos e, devido ao tumulto, a posse do novo donatário foi suspensa.

No dia 21 de maio de 1748, Antônio Teixeira Nunes, Capitão-mor da vila de São Salvador, planejou dar a posse ao novo donatário à força. O capitão-mor preparou duas companhias de ordenanças, uma de cavalaria, além de cerca de 100 homens livres e 200 escravizados armados. Essas tropas foram escondidas na vila e em seus arredores com a ordem de agir caso houvesse alguma reação do povo contra a posse. Os moradores descobriram os planos e a notícia se espalhou rapidamente. Manuel Manhães Barreto, em reação, reuniu um grupo de homens e foi à casa do capitão-mor propor um acordo no intuito de evitar um banho de sangue na vila. A tentativa de conciliação não obteve êxito e Antônio Teixeira Nunes ordenou que o grupo de opositores fosse atacado. Três homens foram mortos e Manhães Barreto ferido. Pouco depois, o povo se amotinou e cerca de 500 pessoas invadiram a vila transformando-a  em um grande campo de batalha.

Segundo o historiador Alberto Lamego, Benta Pereira montou  então em um cavalo e foi para a batalha passando a comandar  as ações dos rebeldes. Uma multidão de revoltosos seguiu para a casa do capitão-mor e a tomaram de assalto. Os aliados do donatário que sobreviveram a esse ataque foram algemados e conduzidos à cadeia pública. Dentre os presos se encontravam o Capitão-Mor Antônio Teixeira Nunes e o Juiz Manuel Rodrigues Pinto.

A Casa da Câmara que havia a esta altura se convertido em uma fortaleza das forças do Visconde de Asseca foi atacada por Mariana de Souza Barreto e Antônio de Oliveira Furão. Homens e mulheres cercaram o prédio e iniciaram a invasão. Após muita luta, as forças do donatário foram derrotadas e a vila de São Salvador foi conquistada pelos rebeldes.

Gomes Freire de Andrade, Governador do Rio de Janeiro (1733-1763), ao ser  informado dos acontecimentos da vila de São Salvador por meio de emissários do procurador do donatário ordenou no dia 30 de maio de 1748,  que o General João de Almeida e Souza sufocasse a revolta e fizesse valer as determinações do Visconde de Asseca. O general reuniu 200 soldados com artilharia e munições e partiu de Macaé, onde se encontrava, para a vila de São Salvador. Parte dos rebeldes, ao saber que as forças repressoras estavam a caminho da vila, decidiu fugir para o interior da capitania do Paraíba do Sul, outra parte decidiu ficar e resistir.

Em 3 de junho de 1748, as forças repressoras lideradas pelo General João de Almeida chegam a São Salvador. Os revoltosos que tentaram resistir foram derrotados e presos. Após a repressão, Martim Correia de Sá conseguiu tomar posse da capitania e se tornou o novo donatário. O Ouvidor-geral Matheus Nunes José de Macedo comunicou ao vice-rei e às autoridades de Lisboa sobre os acontecimentos na capitania e , como  resposta, no dia 5 de novembro de 1748, as autoridades exigiram punição exemplar aos envolvidos.

Em 5 de fevereiro de 1749, o Ouvidor Matheus de Macedo finalizou a devassa, recebida em 16 de outubro do mesmo ano pelo Conselho Ultramarino, em Lisboa, que deu ordens para que se castigasse os padres João Clemente, Manuel Antunes Santiago e o frei Veríssimo do Rosário, acusados de participar da revolta na devassa pelo ouvidor.

Ao saberem da abertura do processo de devassa, os moradores enviaram Sebastião da Cunha Coutinho Rangel a Lisboa para defender que as acusações feitas pelo ouvidor eram falsas e denunciar a situação de opressão em que os vassalos da capitania se encontravam. No dia 3 de julho, o Conselho Ultramarino ordenou que fosse feita uma nova investigação. Bernardino Falcão de Gouvêa ficou encarregado dela,  substituindo Dr. Matheus de Macedo. No dia 2 de março de 1751, o Tribunal da Relação da Bahia sentenciou nove  moradores da vila, sendo eles: Mariana de Souza Barreto, Antônio da Costa Gonçalves, Francisco da Fonseca Coelho, João Francisco Lima, Manuel da Silva Soares, Francisco Vieira, João da Silva Rangel, Tomé Alvares Pessanha e Antônio de Oliveira Furão. As punições combinavam degredo para África com multas e açoites.

Ainda em 1751, a Coroa se pronunciou a favor da compra pela Coroa da Capitania do Paraíba do Sul para que deixasse de ser uma capitania privada. Esse posicionamento se deu num esforço de garantir, segundo a historiadora Patrícia Penna, “o sossego dos povos” e evitar que uma nova revolta ocorresse. Em 11 de outubro de 1752, o Rei José I concedeu o perdão régio a todos os envolvidos na revolta. No ano seguinte, no dia 30 de abril, o Visconde de Asseca foi notificado pela Coroa sobre a perda de sua jurisdição sobre a capitania do Paraíba do Sul. Ainda em 1753, no dia 1 de junho, chegou a capitânia a ordem régia que exigia a retirada do Visconde de Asseca daquelas terras, ficando Gomes Freire de Andrade responsável por elas.

Em 5 de janeiro de 1754, após a capitania ser incorporada pelo rei, o governador empossou Sebastião da Cunha Coutinho Rangel, aliado do grupo político de Benta Pereira, como capitão-mor da capitania. A Câmara da vila de São Salvador também foi ocupada por outros aliados da família Manhães Barreto. Isso representou o fim do domínio Asseca e vitória de Benta Pereira, de sua família e dos moradores da vila de São Salvador.

A região em que ocorreu a revolta de Benta Pereira, embora pertencesse à Capitania da Paraíba do Sul, estava sob jurisdição da Capitania do Rio de Janeiro devido aos impasses em torno da  posse da donatária, e assim permaneceu até 1753, quando foi comprada pela Coroa e se tornou capitania subordinada ao Rio de Janeiro.

(Moisés Bernardo, graduando no curso de História da UFF e pesquisador do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ-CNE/2018-2021)

Antecedentes

Boatos de que um novo donatário chegaria a Capitania do Paraíba do Sul deram início as movimentações da população contra os Assecas.

Conjuntura e contexto

Os assecas alegavam serem donos de todas as terras da capitania e enviavam suas tropas para destruir e tomar as propriedades dos moradores da região. Essa situação gerou grande insatisfação nas elites da região que passaram a fazer frente aos donatários.

Grupos sociais

Autoridades

Lideranças

Réus e Condenados

Ações de protesto não-violentas

  • Invasão da Câmara
  • Reunião com autoridades para negociar

Ações de protesto violentas

  • Batalhas e combates
  • Cerco a imóveis
  • Conflitos de rua
  • Prisão de autoridade
  • Tiros

Repressão

Contenção

  • Negociações e acordos de paz

Punição

  • Açoite e castigos público
  • Degredo / Desterro
  • Envio de presos para vila
  • Indenização dos prejuízos causados

Instâncias Administrativas

  • Conselho Ultramarino
  • Tribunal da Relação BA

Bibliografia Básica

ATALLAH, Claudia Cristina Azeredo. “Entre a cruz e a caldeirinha: um ouvidor a serviço da monarquia nas terras dos Asseca”. Tempo, Niterói , Jan. 2018, v. 24, n. 1, p. 161-179.

FEYDIT, J. Subsídios para a história dos Goitacazes. Rio de Janeiro: Esquilo, 1979.

PENNA, Patrícia. Benta Pereira: mulher, rebelião e família em Campos dos goytacazes, 1748. Dissertação. Niterói, 2014.

SOARES, Márcio de Sousa. “Conflitos Políticos, Coesão Familiar E Prestigio Social Em Campos Dos Goytacazes: A Trajetória Dos Manhães Barreto nos Séculos XVII E XVIII.” In: GUEDES, Roberto; FRAGOSO, João. História Social em Registros Paroquiais: Sul-Sudeste Do Brasil, Séculos XVIII-XIX), Rio de Janeiro: Mauad X, 2016, p. 39-86.

Fontes impressas

LAMEGO, Alberto. A terra goitacá: à luz de documentos inéditos. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1913-1943. Tomo. II.

LAMEGO, Alberto. O homem e o brejo. Conselho Nacional de Geografia. Rio de Janeiro, 1945. p. 60-74.

LAMEGO, Alberto Ribeiro. Efemerides da terra Goitaca. v.7. Niterói, 1945.

SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital. Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

TINOCO, Godofredo. Benta Pereira. 2°. Ed. Campos dos Goytacázes: Graf Atlas, 1958.

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