Revoltas

Motim contra o governador Luis Barbalho Bezerra

Capitania Real do Rio de Janeiro (1567 – 1821)São Sebastião do Rio de Janeiro

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junho de 1643 / junho de 1643

"São Sebastião, vila episcopal do Brasil", ilustração do livro Relation d'un voyage do francês François Froger que mostra o trecho da cidade desde a Igreja de Santa Luzia até o Morro do São Bento (1695)

Ao assumir o governo do Rio de Janeiro, em junho de 1643, o veterano conquistador Luis Barbalho Bezerra não teria vida fácil. Seu antecessor, Salvador Corrêa de Sá e Benevides, acabara de concluir seis anos de gestão no comando da capitania.

Durante seu mandato a conjuntura internacional sofreu grandes alterações, sendo a principal delas a recuperação da soberania portuguesa, com a conjura liderada pelo duque de Bragança, em dezembro de 1640, tornando-se o rei D. João IV. Além disso, meses depois, Angola – a principal fornecedora de braços para a economia da América portuguesa – caía em mãos dos holandeses. Dois sérios problemas se conjugavam a partir desses acontecimentos: a interrupção, ao menos formal, do lucrativo comércio entre negociantes do Rio com a região argentífera de Potosí e o comprometimento do tráfico de escravos africanos. A intermediação da praça espanhola de Buenos Aires, prejudicada pelo fim da União Ibérica, ficaria em situação ainda pior se considerado o fato de os cativos, principal moeda de troca dos comerciantes fluminenses, estarem nas mãos dos holandeses.

O Rio de Janeiro era então uma cidade amedrontada, medo aliás que rondava seus moradores desde a sua fundação. Medo do gentio, que resistia tenazmente às tentativas de cativeiro, e medo das velas estrangeiras na iminência de algum ataque. Portugal tinha duas frentes de batalha a dar conta: a dos Habsburgos, que não aceitaram o rompimento da união dinástica, e a da Companhia das Índias Ocidentais (WIC) holandesa, que era senhora de praticamente todo o nordeste há pelo menos uma década, desde 1630. Somente a capital, Salvador, é que ainda resistia, apesar dos assédios constantes. Naturalmente, tais conflitos tinham um custo enorme em dinheiro, homens, armas e suprimentos. Mas como dispor de tantos recursos se o açúcar e os escravos, fontes certas de rendimentos, estavam em mãos inimigas?

Era essa a situação no momento em que Luis Barbalho Bezerra, veterano da guerra contra os batavos no nordeste, assumiu o governo do Rio de Janeiro em 2 de junho de 1643. Logo depois da posse ele já teve que lidar com a tropa local que estava com os soldos atrasados há nove meses – algo comum naqueles tempos- e uma epidemia de varíola que vitimava estratos importantes da população, sobretudo a mão de obra escrava dos engenhos. Some-se a isso uma população manietada por vários donativos, como os subsídios dos vinhos e nem um pouco tolerante com qualquer perspectiva de aumento do valor ou criação de novas fintas.

Luís Barbalho quis aumentar o número de soldados (de 260 para 600 homens) justamente porque considerava que a cidade seria facilmente subjugada no caso de um ataque da WIC. Se Luanda caíra dois anos antes, por que não cairia o Rio de Janeiro, tornando holandesas as duas margens do Atlântico sul?

Apesar desse cenário turbulento, o estopim para a revolta só ocorre meses depois da posse, quando Luís Barbalho recebe ordens de D. João IV para remeter todo o numerário disponível no Rio de Janeiro para Salvador, onde a iminência de uma investida holandesa era bem mais concreta. Diligente, o governador buscou obedecer as ordens régias, guardando uma considerável soma dentro de um cofre. A população, ciente de que todas as receitas geradas por suas contribuições iria ser aplicada fora da cidade, se amotina e interpela rispidamente o governador, instando-o para que desobedecesse a deliberação do monarca. Luís Barbalho, imbuído de uma fidelidade cerrada para com o rei, decide levar o cofre para sua residência, mas é impedido pela furiosa população.

Diante do impasse, a solução foi deixar os recursos sob a custódia do prelado da cidade até que se resolvesse o que fazer com ela. A saída foi uma derrota que Luís Barbalho Bezerra não toleraria, recolhendo-se a sua casa e falecendo algum tempo depois, em abril de 1644, de uma atroz melancolia.

Após um mandato-tampão do sucessor Duarte Correia Vasqueanes – homem já avançado em anos e tio de Salvador de Sá – o governador-geral do Brasil enviou para o governo do Rio de Janeiro o mestre de campo Francisco de Souto Maior. Era necessário castigar a população, ou pelo menos os líderes da rebeldia contra o antigo governador, que representava a figura do rei. Esperava-se isso do novo governador, como forma de afirmar desde o início a sua autoridade. Entretanto, conforme já vimos, eram tempos perigosos, em que os recursos eram escassos e muitos os inimigos a espreitar a cidade. Por ora a dissimulação e o silêncio valeriam muito mais do que o rigor da repressão. Réus executados pelo crime de rebelião não preenchiam os terços de soldados, não compunham as armadas e nem pagavam donativos.

Fernando Pitanga

doutorando do PPGH da UFF e colaborador do projeto “Um Rio de Revoltas” – FAPERJ-CNE/2018-2021

Tipologia

Modelo de conflito

Grupos Sociais

Motivo(s)

Soberania

Grupos sociais

Autoridades

Bibliografia Básica

COARACY, Vivaldo. O Rio de Janeiro no Século XVII: raízes & trajetória. 3 ed. Rio de Janeiro, Documenta Histórica, 2009.

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Como Citar

Sem Nome, "Motim contra o governador Luis Barbalho Bezerra". Impressões Rebeldes. Disponível em: https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/revolta/revolta-contra-o-governador/. Publicado em: 05 de abril de 2022.