O que dizer de um livro infantil russo nunca publicado no próprio país, com poemas de inspiração construtivistas e ilustrações em fotografias revolucionárias e inéditas feitas por Aleksandr Ródtchenko? Isso mesmo. Imitabichos chega ao Brasil após a bem-sucedida mostra em homenagem ao artista russo ocorrida na Pinacoteca do Estado de São Paulo, no começo deste ano.

O poeta e dramaturgo construtivista Serguéi Tretiakóv, inconformado com o rígido sistema educacional de seu país, escreveu nove divertidos poemas em homenagem aos seus filhos. Publicados originalmente na revista O pioneiro, os poemas partem da observação da brincadeira das crianças e convidam os leitores a participarem de um grande teatro circense. Como num engraçado manual, os poemas ensinam o leitor a recriar um animal a partir de objetos facilmente encontrados em casa. Para ser uma foca, por exemplo, basta se enrolar num lençol e “nadar sem medo no chão”. Uma tartaruga também é fácil de ser imitada: deve-se apenas colocar uma bacia nas costas e rastejar lentamente…

Após uma edição com ilustrações figurativas, desaprovadas pelo próprio Tretiakóv pois não traduziam a estética construtivista, um amigo ilustre do poeta se encarregou do trabalho. Ninguém menos que Aleksandr Ródtchenko, ajudado por sua mulher, a também artista Varvara Stiepánova.

Animado com os recursos da fotografia e, ao mesmo tempo, indignado que a recente arte fosse usada de maneira tão tradicional, Ródtchenko fazia estudos para conferir movimento e multiplicar os pontos de vista em imagens estáticas. O material deste livro, de fato, ajudou-o a enveredar por caminhos totalmente novos. Junto à sua esposa, construiu maquetes de papel dos bichos e das crianças, a partir de moldes geométricos. Colocando-as sobre uma mesa e incindindo luz, elas ganham movimento através de um jogo de espelhos e sombra.

Costumeiramente usado como suporte para o desenho, o papel se torna, nas maquetes, um suporte para a imaginação infantil. Como objeto tridimensional, no qual os efeitos de luz e sombra ganham destaque, representou o cenário ideal para Ródtchenko fotografar e criar a atmosfera teatral que o texto pedia. As diferentes cenas conformam um verdadeiro circo de papel ao longo das páginas.

Em texto exclusivo para a edição brasileira, o dramaturgo Jean-Pierre Ryngaert, autor de Jogar, representar (Cosac Naify, 2009), revela essa dimensão e sua relação com o jogo, ao comentar que Tretiakóv criou “poemas-esquetes”: “Enquanto você joga, acredita na brincadeira; se deixar de acreditar, muda de montaria, e, protegido por uma carapaça, volta a caminhar lentamente e a recuperar o fôlego, como sua amiga, a tartaruga; ou então inventa tranquilamente formas de papel”.

Imitabichos conta ainda com um posfácio, ilustrado por fotos dos autores, do processo de trabalho e reproduções das primeiras edições do livro. O texto detalha a interessantíssima história da publicação, relacionando-a aos acontecimentos em torno do construtivismo, e transcreve um longo depoimento do próprio neto de Ródtchenko, que testemunhou os avós fazendo as maquetes.

Bilíngue, a edição traz ao leitor brasileiro este material inédito, conta com a certeira tradução de Rubens Figueiredo e inclui um encarte com moldes e instruções para montar um cavalo e um cavaleiro. Uma curiosidade à parte é o papel das guardas, um padrão que Varvara Stiepánova fazia para roupas de criança.

Este rico conjunto faz de Imitabichos um livro-espetáculo em todos os sentidos – além de uma enorme brincadeira.

“Imitabichos continua sendo pioneiro, pois, contrariamente aos livros com fotos para crianças da época, não tem o propósito de descrever a realidade, mas de dar confiança à capacidade imaginativa das crianças. Essas imagens não são a ilustração de cada cena, mas cada uma delas é um universo em si, que continua a se inventar; o que o livro nos convida a fazer. Por si só.”

Do posfácio de Odile Belkeddar