Retrato produzido por Léonard Gaultier e publicado em Paris no ano de 1614. Apesar de não ser um retrato do Antônio da Costa Marapião, mas sim de um outro guerreiro indígena, o qual foi chamado de François Carypyra, ambos viveram no século XVII e pertenciam a tribo Tabajara. Acervo da Biblioteca Nacional da França.
Ainda que as informações sobre a vida de Antônio da Costa Marapião sejam muito escassas, e seu local e data de nascimento ainda desconhecidos, os registros históricos revelam que ele, ao lado dos portugueses e de seu pai, Marcos da Costa, comandou os tabajaras na guerra contra os holandeses, pois estes teriam traído a confiança e escravizado os índios que os vinham apoiando até então. Marapião reuniu em si títulos e cargos que o credenciaram como um dos líderes indígenas mais importantes do século XVII, como o hábito de cavaleiro da Ordem de Cristo. Assim como o seu pai, ele foi chefe da aldeia Cujupe (localizada no Estado do Maranhão e Grão-Pará) e capitão-mor da nação tabajara.
Em 1642, durante uma investida holandesa à cidade de São Luís, os dois, pai e filho, acabaram sendo aprisionados e levados para Pernambuco. Quando estavam próximos ao Ceará, conseguiram escapar pelo mar junto com outros seis prisioneiros portugueses. Apesar disso, no caminho para São Luís Marcos da Costa acabou morrendo, mas o seu filho e os demais conseguiram chegar na capital maranhense, onde continuaram lutando até expulsar os holandeses.
Em 1648, Marapião viajou para Lisboa com o intuito de pedir para si e seus descendentes o título de Principal da nação tabajara e o hábito de Cristo, que haviam pertencido ao seu falecido pai. A princípio, para pertencer a essa ordem religioso-militar era necessário ter prestado um serviço de suma importância para o Rei, além de seguir os preceitos cristãos e ter sangue puro, isto é, não ser descendente de cristãos-novos (antigos judeus e mouros) nem de pessoas que faziam trabalho braçal. Ao ser admitido na Ordem de Cristo, o cavaleiro passaria a receber um rendimento monetário (tença) e também seria dotado de privilégios jurídicos e fiscais. Receber essa honraria em uma sociedade estratificada e nobiliárquica como a de Antigo Regime significava pertencer à nobreza portuguesa e ser superior aos demais súditos do Rei. Todavia, a fim de garantir a fidelidade dos nativos e manter a integridade territorial da colônia contra invasores, os monarcas precisavam estreitar laços com as lideranças indígenas e por isso a mercê foi concedida a Antônio da Costa Marapião.
Existem duas cartas atribuídas ao principal dos tabajara, uma escrita no dia 2 e outra no dia 6 de setembro de 1649. O objetivo de Marapião ao escrever essas cartas para D. João IV era denunciar os excessos das autoridades locais (principalmente o governador do Estado do Maranhão e Grão-Pará, Luís de Magalhães), que muitas vezes não protegiam os indígenas da escravização, desrespeitando assim sua condição de forros como constava na legislação indigenista de 1647 e 1648.
Nas cartas ao soberano, o chefe tabajara ressaltava a importância do seu povo nas guerras contra os holandeses, além de destacar o conhecimento apurado do território, sua capacidade de mobilizar um grande número de guerreiros e a sua posição como canal de comunicação entre o monarca e os indígenas. Com o intuito de pressionar a Coroa por mudanças, ele estrategicamente utilizava a sua condição de fiel vassalo para “alertar” o rei sobre uma agitação entre os tabajaras que, possivelmente, levaria a uma rebelião armada. Desse modo, Antônio da Costa usava a política indigenista a seu favor – além de se aproveitar de sua condição como servo real e índio cristão – para defender os interesses de sua nação e, assim, combater a exploração dos indígenas no Maranhão.
Como resposta aos protestos de Marapião, Luís de Magalhães, que anteriormente confirmara toda a história do chefe indígena, enviou uma carta para D. João IV no ano de 1650, em que contava uma nova versão dos fatos. De acordo com o governador, Marcos da Costa, pai de Marapião, esteve ao lado dos lusitanos a partir de 1642 apenas para poder informar os holandeses sobre a movimentação militar portuguesa. Em virtude desse apoio, foi enviado junto de seu filho, Antônio da Costa, para Pernambuco com o propósito de receber benesses do governo holandês, que ocupava a capitania. No meio do caminho, eles teriam se cansado de ir de barco e resolveram voltar para São Luís. Ao chegar na cidade e ver que os portugueses estavam ganhando a guerra de expulsão dos invasores, Marapião decidiu trair os batavos e apoiar o lado vencedor.
É necessário destacar que o principal tabajara também teve desentendimentos e disputas com os jesuítas, principalmente com Antônio Vieira. Afinal, em uma tentativa de controlar a rebeldia do principal, o padre inaciano o obrigou a se casar, mas o líder indígena recusou a decisão, afirmando que era livre e não iria obedecer ao jesuíta. Por consequência, em 1658, o novo governador D. Pedro de Melo teria sido influenciado por Vieira a mandar Antônio da Costa para o alto Amazonas. Apesar de ter conseguido fugir e voltar para próximo de sua aldeia, Marapião foi capturado de novo e exilado para Sergipe sob a vigilância dos jesuítas. Pouco tempo depois, ele se juntou aos colonos locais em uma revolta contra os missionários. Fora isso, o chefe tabajara também esteve envolvido no motim de 1661 que culminou na expulsão do padre Antônio Vieira do Maranhão. No ano seguinte, Marapião viajou para Lisboa acompanhado do procurador do Maranhão, Jorge de Sampaio Carvalho, para justificar a revolta contra os inacianos.
Tendo em conta o poder e prestígio que a figura de Marapião vinha ganhando entre os indígenas, os portugueses e os jesuítas, o Conselho Ultramarino determinou que “Dom Antônio Marapião, cavaleiro do hábito de Cristo” era inocente e deveria ser enviado com urgência para o Brasil, a fim de evitar uma agitação de seus semelhantes devido a ausência de seu líder. Além disso, nesse momento o chefe indígena foi nomeado capitão-mor da nação tabajara. A partir desse ponto, não há mais relatos de Marapião na documentação, por isso não se sabe como foram os seus últimos anos de vida.
Gabriel H. S. Mendes, graduando em História pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Texto é resultado da disciplina Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão I (2022/2).
Fontes de referência para este texto:
CARDOSO, Alírio Carvalho. Insubordinados, mas sempre devotos: poder local, acordos e conflitos no antigo Estado do Maranhão (1607-1653). 263f. Dissertação (mestrado), Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.
CARVALHO JR. Almir Diniz de. Índios Cristãos. A conversão dos Gentios na Amazônia Portuguesa (1653-1769). Curitiba: CRV, 2017.
HEMMING, John. Ouro Vermelho. A Conquista dos Índios Brasileiros. São Paulo: EDUSP, 2007.
ROCHA, Rafael Ale. A elite militar no Estado do Maranhão: poder, hierarquia e comunidades indígenas (século XVII). 321 f. Tese (Doutorado em História), Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013.
ROCHA, Rafael Ale. O principal Antônio da Costa Marapirão: políticas indígenas e políticas indigenistas na Amazônia Portuguesa (século XVII). História (São Paulo), v. 40, 2021, p. 1-25.
Sem Nome, "Antônio da Costa Marapião". Impressões Rebeldes. Disponível em: https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/pessoa/antonio-da-costa-marapiao/. Publicado em: 12 de setembro de 2023.