Data: 03/03/2019

Resumos das mesas 1 a 4 do seminário A experiência do historiador

Por Companhia das Índias

03
mar
2019

MESA 1: Homens sem regras, nem medida, nem pudor. Imagens do pobre e da pobreza na Época Moderna

Laurinda Abreu, Universidade de Évora – Revisitando os discursos sobre a pobreza em Portugal nos finais do Antigo Regime

Renato Franco, UFF – Da pobreza da colônia ao governo dos pobres: percursos de uma tópica historiográfica

Ronald Raminelli, UFF

Mulatos pobres na Nação: Brasil e Cuba no século XIX

Silvia Patuzzi, UFF – Percepções do pobre e da pobreza na cultura humanista: recentes aportes teórico-metodológicos

A pobreza tornou-se objeto da história social nos anos 1960, a partir das pesquisas pioneiras de Michel Mollat e com os estudos do historiador e político polonês Bronisław Geremek, que passou a analisar a multidimensionalidade do fenômeno e identificou os principais debates sobre a gestão da pobreza e da caridade em uma época de expansão da malha urbana e de incipiente inflação, quando, portanto, a miséria aparecia como uma ameaça à ordem social e a mobilidade humana passava a ser vista como veículo de “infecções” médicas e sociais. Na última década, contudo, a pobreza não tem sido abordada apenas a partir de tipos sociais ou como potencial ameaça à ordem hierárquica, mas passou-se a buscar compreender como elementos aparentemente contraditórios – a assistência e a repressão, a piedade e a forca – foram associados no intuito de neutralizar a carga ameaçadora e subversiva do pobre, do mendigo, do vagabundo e, por vezes, dos escravos, vale dizer, o foco deslocou-se para o problema político do “governo” e da “gestão” dos que são representados como “pobres”, “miseráveis”, “subalternos”. Os ensaios de Giorgio Agamben sobre a altíssima pobreza e os trabalhos de história intelectual de Lorenzo Coccoli, Annabel Brett e Giacomo Todeschini, por exemplo, têm fornecido novos modelos analíticos para identificar, nos debates públicos sobre a miséria, as tópicas discursivas e as mudanças conceituais de categorias como pobreza, riqueza, trabalho, escravidão.

Assim sendo, o objeto desta mesa-redonda não é a pobreza enquanto conjuntura histórica, e sim o pauperismo e a marginalização enquanto condições históricas, objetos de controvérsia. A partir da Época Moderna, a reflexão sobre a pobreza tornou-se uma tônica e envolveu juristas, teólogos, homens de governo a fim de definir e estabelecer sua natureza, causas e modalidades de intervenção. Nos impérios ultramarinos, o governo dos pobres frequentemente foi associado ao governo dos escravos (africanos e/ou indígenas) sem, no entanto, essas categorias assumirem equivalência semântica.

Os palestrantes pretendem apresentar os resultados parciais das respectivas pesquisas em andamento nesse campo, destacando as possibilidades de pesquisa e estudo.

MESA 2: A história social do clero no mundo ibero-atlântico

Anderson Oliveira, Unirio – Dispensa da cor e estratégias de mobilidade social: o acesso ao clero secular e os descendentes de escravos e libertos no Bispado do Rio de Janeiro (1702-1745)

Georgina Silva dos Santos, UFF – Devoções, conflitos e heresias: a vida religiosa nos conventos femininos do Portugal moderno

Marcelo da Rocha Wanderley, UFF – Eclesiásticos delinquentes. Clérigos seculares, dívidas e a quebra da confiança moral (Arcebispados de México e Puebla – século XVII)

Pertencer ao clero no mundo ibero-atlântico durante a Época Moderna configurou-se num projeto social para muitos indivíduos e famílias interessadas em promover ou acomodar suas linhagens, tendo em vista o amplo horizonte de oportunidades descortinados pela carreira sacerdotal e pela vida conventual. Ao longo do período, a Igreja se vinculou estreitamente aos diversos grupos sociais, sobretudo locais, ampliando assim seu raio de influência e a difusão de seus valores. A institucionalização da Igreja tornou-se por si mesmo um processo cultural, marcado por sincretismos e hibridismos religiosos.

Considerando como ponto de partida as relações do clero com as sociedades ibéricas e coloniais, a presente mesa-redonda tem como objetivo debater os caminhos percorridos pela história social do clero. Dará especial atenção aos distintos aspectos teórico-metodológicos inerentes à abordagem das fontes documentais utilizadas para a reconstrução das trajetórias dos cleros regular e secular.

MESA 3:O Direito e a Justiça na América ibérica

Elisa Frühauf Garcia, UFF – Para além da alteridade: as mulheres nativas e as normatividades de gênero na conquista da bacia do Rio da Prata – século XVI

Gustavo Cabral, UFC – Entre direito e teologia moral: “responsa” e casos de consciência no Brasil quinhentista

Marcelo da Rocha Wanderley, UFF – Obrar mal nas relações. Justiça e dinâmica dos maus tratos no universo vice-reinal (cidade do México – século XVII)

Nas últimas décadas os estudos sobre o direito e as práticas de justiça na História Moderna passaram por uma renovação significativa. Os pesquisadores abandonaram abordagens ancoradas preferencialmente na legislação e no funcionamento dos organismos judiciais para incluírem os diversos espaços, grupos e tradições que formavam as normatividades acionadas em situações específicas. A mesa-redonda pretende discutir o funcionamento do direito partindo de estudos de caso em diferentes áreas e conjunturas na América ibérica. Explorando as potencialidades das fontes primárias selecionadas, os trabalhos abordarão os usos do direito e a compreensão das práticas de justiça por segmentos sociais específicos, incluindo tanto as “apropriações” conduzidas por grupos subalternos quanto as reformulações de normatividades europeias realizadas pelos agentes coloniais que atuavam na América. Associando as fontes selecionadas ao estado da arte do campo da história social do direito, pretende-se demonstrar os resultados parciais de pesquisas em andamento e destacar as possibilidades de desenvolvimento de estudos na área.

MESA 4:Materialidade e interpretação de manuscritos e impressos

Ana Paula Torres Megiani, USP

Um mundo de notícias: estudo sobre a coleção Mascareñas da Biblioteca Nacional de España

André de Melo Araújo, UnB – Da informação manuscrita à história impressa. Sobre a configuração da Historia genealogica… (1755)

David Martín Marcos, Universidad Nacional de Educación a Distancia – O poder e a fronteira no Livro das fortalezas: para uma análise material e espacial da obra de Duarte de Armas

Rodrigo Bentes Monteiro, UFF – Um códice metamorfoseado na história. O Discursosobre a sublevação de Vila Rica (1720)

As análises de fontes históricas têm sido enriquecidas nos últimos anos por um olhar sobre os diferentes suportes e as características materiais dos documentos. Não raro, eles guardam vestígios que auxiliam as investigações. Esta mesa objetiva debater os desafios e percursos de pesquisas que exploram aspectos ligados à materialidade dos documentos, e como essas características se relacionam com interpretações textuais e visuais. O grupo Metamorphose, recém criado no CNPq, visa estimular assim a pesquisa histórica.

A comunicação de Ana Paula Megiani aborda os intitulados Sucesos del año 1598 a 1666, 48 volumes da coleção Mascareñas da Biblioteca Nacional de España criados e organizados pelo letrado português Jerónimo Mascarenhas (1611-1672), naturalizado castelhano pelo Conselho de Estado de Felipe IV em 1641. Além de autor de obras impressas de teor encomiástico e laudatório dirigidas ao rei, que o agraciou com o cargo de sumiller de cortina e oratório, e à rainha de quem era confessor, Mascarenhas construiu uma vasta rede de correspondentes com os quais trocava informações com o objetivo de escrever crônicas de seu tempo. Esta comunicação pretende tratar dos volumes onde estão reunidos diferentes tipos e formatos de relatos impressos, relações de sucessos, avisos, etc. e manuscritos – autorais e cópias – acerca dos principais acontecimentos da Europa e outras partes do mundo. Nossa reflexão será dedicada aos métodos de organização e recolha das notícias praticados por Mascarenhas, bem como às possibilidades de análise da materialidade e do conteúdo desta vasta coleção.

A partir das análises paleográfica e material de seis conjuntos manuscritos datados da primeira metade do século XVIII e relacionados à cultura diplomática alemã setecentista, André de Melo Araújo pretende investigar como os padrões de registro da informação manuscrita são reveladores das condições sociais de produção de obras impressas na Época Moderna. Os seis conjuntos manuscritos aqui analisados, produzidos por penas diversas e em momentos distintos, conformam a base documental da Historia genealogica dominorum Holzschuherorum, coordenada por Johann Christoph Gatterer e impressa por Johann Joseph Fleischmann em 1755. O estudo deste caso particular acaba por abrir espaço para se compreender, de forma integrada, os mecanismos de configuração gráfica e fundamentação epistemológica do conhecimento histórico no século das Luzes.

O estudo de David Martín Marcos analisa e divulga a atividade cartográfica de Duarte de Armas no seu Livro das fortalezas, pelo estudo integral de manuscritos depositados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo e na Biblioteca Nacional de España, e de uma cópia seiscentista no acervo da Biblioteca Nacional de Portugal. O trabalho incide na análise dos materiais pictóricos utilizados em suas produções, e na investigação sobre a politização e apropriação da paisagem referencial, evidenciando sucessivos contextos de autorrepresentação do poder. Por outro lado, para melhor compreender o trabalho de Duarte de Armas, se identificam os lugares exatos onde foram executados os desenhos das fortalezas no século XVI, mediante pesquisas de campo. Esse exercício permite recriar a viagem do autor e estabelecer bases para um estudo da evolução da paisagem, desde a época do Livro das fortalezas até o presente.

Por fim, Rodrigo Bentes Monteiro pretende mostrar que, no atual estágio de investigação do conhecido manuscrito Discurso historico, e político… sobre a revolta de Vila Rica em 1720, as informações provenientes de sua interpretação textual são indissociáveis das advindas de seus exames material e visual, bem como das considerações acerca de seu percurso até ingressar no Arquivo Público Mineiro ao fim do século XIX. Essa complementaridade entre diferentes frentes de pesquisa proporciona compreender hoje um perfil documental diverso do outrora percebido pela historiografia – que não lidou com o códice em tela de modo integral, tampouco investigou sua trajetória. Desse modo, pela tríade de ações indicadas (texto-matéria-percurso), há avanços sobre questões complexas, como circunstâncias de produção, autoria e destino do manuscrito.