REVISTA CANTAREIRA

 

http://www.historia.uff.br/cantareira

ISSN 1677–7794

cantareira@historia.uff.br

 

 

 

 

 

 

 

 

CANTAREIRA – Revista Eletrônica de História

Volume  3    Número   2    Ano  4  – Mar. 2007

Editor    Izabela Gomes Gonçalves

Universidade Federal Fluminense (UFF)

Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF)

Departamento de História

Campus do Gragoatá - Bloco O - 5º andar - Niterói - RJ - Brasil - CEP 24210-350
Telefone: (021) 2629-2919

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os direitos dos artigos publicados nesta edição são propriedade exclusiva dos autores.

Esta obra pode ser obtida gratuitamente no endereço web da revista. Pode ser reproduzida eletronicamente ou impressa, desde que mantida sua integridade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Equipe

 

Editor Responsável

Izabela Gomes Gonçalves

 

Editores

Mauro Amoroso

Alexandre Camargo

Alexandre Pierezan

Daniel Teixeira

Fábio Frizzo
Fabrício Freire
Fabrício Motta

Fernando Vieira

Guilherme Moerbeck

Hagaides de Oliveira

Jerônimo Duque Estrada

Leonardo Arruda

Letícia Ferreira

Pedro Bogossian Porto

Priscila Aquino Silva

Richard Negreiros de Paula

 

Editores Correspondentes

Antonio Marcos Myskiw

Erneldo Schallenberger

Márcio Marchioro

Maria Thereza David João

Valdir Gregory

 

Designer gráfico

Rodrigo Cunha da Costa

 

 

 

 

 

 

Ficha Catalográfica

 

Revista CantareiraRevista Eletrônica de História

         Volume 3, Número 2,  Ano 4,  mar. 2007

          Disponível em: http://www.historia.uff.br/Cantareira

 

1. História Geral; 2. Historiografia

 

 

 

 

UMA NOVA ABORDAGEM SOBRE A UNIÃO IBÉRICA

Letícia dos Santos Ferreira[1]

 

            O livro de Jean-Frédéric Schaub, Portugal na Monarquia Hispânica (1580-1640),  publicado em 2001 pela editora Livros Horizonte, integra a coleção Temas de História de Portugal, organizada por Nuno Gonçalo Monteiro e Isabel Cluny. Esta iniciativa tem por objetivo divulgar o que há de mais novo na historiografia portuguesa, sobre o que os organizadores chamam de temas gerais.

            Nesta coleção, coube a Schaub oferecer em apenas 112 páginas um panorama das novas interpretações sobre os 60 anos da união dinástica. Apresentou o resultado de um intenso diálogo com um grupo de historiadores agregados em torno de Antônio Manuel Hespanha que estão completamente envolvidos com a revisão historiográfica que vem se processando em Portugal. São eles Mafalda Soares da Cunha, Pedro Cardim, Ângela Barreto Xavier, Catarina Madeira Santos e Ana Cristina Nogueira da Silva. Cabe ainda destacar a importância dos trabalhos de Fernando Bouza Álvarez e Diogo Ramada Curto que, no momento da realização desta obra ainda se encontravam no prelo, evidenciando a atualidade deste trabalho.  

            A realização deste compêndio se deu a partir do questionamento de algumas balizas da historiografia tradicional. Rompendo com a clássica divisão cronológica e optando por uma abordagem temática, o autor procurou demonstrar que os elementos da concórdia e da discórdia conviveram por todo os sessenta anos da união, mais que isso, já estavam presentes ainda durante o reinado do cardeal D. Henrique.

            A artificialidade da cronotipologia que divide a união dinástica em anos da concórdia (1580 -1598), da indiferença (1598-1621), da hostilidade levando a ruptura (1621-1640) e a partir de 1652 a reconciliação pelo pacto, não é o único objeto de questionamento do autor. A crítica também consiste na avaliação de que os estudos anteriores não consideraram as formas de agregação territorial próprias das monarquias de Antigo Regime, nem os debates teóricos sobre a emergência da soberania política nas sociedades de corpos. Neste ponto, Jean-Frédéric Schaub identificou a razão da interpretação da união e da desagregação a partir da questão da soberania nacional.

            Segundo o autor, a dinâmica teria sido muito mais complexa, e por isso, opta por atentar para a dimensão cultural e política do problema, buscando identificar o desenvolvimento de uma cultura política específica.  Deste modo, não é possível entender o jogo político que envolve a cooptação de Portugal como uma simples incorporação do fraco pelo mais forte, mas sim como uma composição de fatores propícios à união. Esta questão é discutida na primeira parte da obra, intitulada As formas da composição.

            O acordo de Tomar, a polissinodia portuguesa, a questão militar, a monarquia católica e a união dos homens são entendidos e analisados como elementos que, articulados entre si, resultam na acomodação da Coroa portuguesa à monarquia compósita de Felipe II. Apesar da presença de outros candidatos, a configuração de redes de apoio dentro de Portugal tecida por embaixadores espanhóis, sob a promessa de benefícios, e a convergência de interesses, permitiram a formação de um cenário político onde a união pôde ser sancionada pela reunião das Cortes em Tomar. Neste acordo, tem-se a afirmação da função simbólica e política das Cortes a partir de um pacto entre o rei e o reino.

            No quadro configurado em Tomar, destaca-se a conservação da estrutura institucional com a instalação do conselho de Portugal, o veto ao acesso a cargos jurisdicionais a estrangeiros e a definição de critérios de arregimentação dos vice-reis. Portanto, apesar de algumas reformas, da presença das juntas, e também do valimento, a autonomia foi garantida. Sobre esta matéria, o autor ressalta o caráter estruturante da ausência do rei, por ter  permitido a formação de canais paralelos de comunicação política e de circulação de decisões.

            Cabe destacar que Jean-Frédéric Schaub, ao atentar para as negociações, não exclui a utilização da força militar nem a legitimidade dada pela questão sucessória:  a herança, a força e a negociação constituem os elementos essenciais sobre os quais toda a vida portuguesa se organiza na época da união dinástica (p.17). Todavia, sobre a questão militar é preciso dizer que Portugal após Alcácer-Quibir tinha seu conjunto bélico completamente desorganizado, e a presença dos soldados espanhóis se fazia necessária, sobretudo quanto à cooperação para a defesa e à recuperação de cativos portugueses na África. Os efeitos sociais dessa interação teriam afetado não apenas os homens das tropas mas também mercadores, dada a especificidade da organização militar castelhana.

            Outro fator fundamental para a composição das Coroas Ibéricas teria sido o ideal de consolidação de uma Monarquia Universal sob a égide do catolicismo. O sentimento de pertença era obtido por uma prolongada experiência cruzadística frente ao Islã, além do lugar privilegiado ocupado pela Igreja na conformação destas monarquias. O cristianismo católico configura um elemento cultural e político agregador frente às ameaças externas, e também no que se refere à atuação dos conversos no espaço interno.

            A atualização do contrato nas cortes de 1581, 1583 e 1619 e a dispersão de títulos foram estratégias de atração da nobreza, reafirmadas pela composição do Conselho de Estado, ocupado por membros das grandes famílias, e pela nomeação de vice-reis de sangue. Tais táticas mostraram a importância das casas aristocráticas no contexto do reinado dos Habsburgos, que puderam contar ainda com o reforço do seu poderio através dos casamentos cruzados. A presença portuguesa se fez sentir de tal forma que muitos foram acusados nos panfletos pós Restauração como cúmplices portugueses do opressor castelhano (p.48), em clara referência à participação na política do conde-duque de Olivares.

            Antes de passarmos à segunda parte do livro, é importante ressaltar o seu caráter didático. O autor tem a preocupação de expor em três introduções e duas conclusões um resumo da questão a ser abordada e de suas conclusões. Esta preocupação didática da obra é ainda mais reforçada com a presença de um anexo no qual tem-se um índice cronológico e onomástico dos governos de Portugal e da formação dos Conselhos de Estado.

            Desta forma, já na introdução que contempla a temática da desagregação, fica claro que, se por um lado foram os fatores de agregação que prevaleceram no ano de 1580, isto não significa que estes eram os únicos. As diferentes formas de rejeição se manifestaram por todo o período em que Portugal esteve na Monarquia Hispânica.

            Em As fontes da discórdia, Schaub adverte que o argumento capaz de justificar a entrada da coroa portuguesa na monarquia hispânica não pode ser perdido por um olhar teleológico que tende a enxergar uma natural vocação à desagregação. Todavia, a situação de crise colocada pelo problema sucessório e a escolha dos atores sociais frente à conveniência de uma união dinástica não escondem as oposições e dissidências.

             O Sebastianismo, o Antonismo e a dissidência dos Braganças davam o tom e a forma da desarmonia, ora um mais latente que outro, mas permanecendo por todo o período como elementos desestabilizadores. O caso dos Braganças talvez seja o mais intricado porque apesar destes mostrarem-se distantes dos mecanismos de poder, não ocupando nenhum cargo na estrutura polissinodal, mantinham ligações indiretas mediante alianças matrimoniais com as grandes casas de Castela. Desta forma, foram capazes de  defender a sua casa e organizar uma verdadeira Corte na Aldeia, ao mesmo tempo que se apresentavam como a alternativa viável, dado o seu extraordinário poderio.

            Também o sebastianismo detinha um considerável acúmulo de poder, haja vista a profusão de textos e sua popularidade. Tratando-se de uma crença messiânica, de um conjunto de manifestações de fé, de  práticas sociais, uma circulação cultural e literária, e também de um discurso político, será evocado por um longo período (p.58). Além da dimensão interna, este recurso também será utilizado pelos opositores externos  União Ibérica. Como D. Antonio conseguiu apoio em algumas cortes européias, também o sebastianismo encontraria eco fora de Portugal.

            Contudo, a legitimidade do prior do Crato terá uma duração menor que a doutrina milenarista. Se na época da Restauração a expectativa do regresso de D.Sebastião permanece de alguma forma em aberto, o mesmo não ocorre com a legitimidade de uma possível sucessão dos descendentes de D. Antonio.

            Avançando na obra, chegamos à questão da autonomia. O desenvolvimento desta temática dá-se através de dois pontos chaves: a presença dos presídios e da capitania geral; e as dificuldades estratégicas. No primeiro, sobrepõe-se a relação entre sociedade urbana  e sociedade militar em que o equilíbrio está baseado em uma constante tensão causada, sobretudo, pela questão do alojamento e do abastecimento dos soldados de Castela. Outro ponto importante para a análise são os conflitos militares. O Império Ultramarino português já vinha sendo alvo de ataques de ingleses, holandeses e franceses vê se ainda mais ameaçado pelos inimigos da monarquia hispânica. Os ataques tomam uma dimensão ainda maior dado o alto nível de produção do açúcar em Pernambuco e a intensificação do comércio negreiro.

            Também na própria Europa, a situação belicosa apresenta-se problemática para os negócios portugueses. A guerra interfere na comercialização do sal, atividade extremamente lucrativa  para as regiões produtoras e para as cidades portuárias, reduzindo a oferta de mercados. O último ponto é a questão do recrutamento, que só toma contornos maiores frente às intenções olivaristas. Todavia, o autor ressalta que as oposições a Olivares não eram unânimes e este pode contar com a colaboração activa de numerosos fidalgos portugueses (p.76).   

            Portanto, apesar de toda literatura sobre a violação dos princípios estabelecidos em Tomar, principalmente sobre o tempo de Olivares, o valimento não é suficiente para explicar a ruptura. Se a historiografia tradicional fez sua cronologia dos príncipes com base neste tema, o autor desmonta esta tipologia mostrando que o pacto já era desrespeitado em momentos anteriores. Segundo Schaub, este esquema não pode ser empiricamente verificado nem  validado. E mesmo que não se tenha dúvida da convergência de revoltas na última década filipina, estas não podem ser descontextualizadas do movimento geral de crise do século XVII, nem se pode negligenciar a presença das revoltas pela longa cronologia dinástica.

            Neste sentido, o autor encaminha seu raciocínio no intuito de tornar mais complexa a dinâmica da rejeição, mostrando um processo de politização das elites a partir de 1630, devido ao sistema de clientelas posto em prática por Diogo Soares e Miguel de Vasconcelos. Contudo, até os anos 1635, as novas sociabilidades políticas que estavam se organizando não buscaram apresentar-se como facções. Foi sob a conjuntura da segunda metade da década de 30, quando diversos fatores internos e externos se conjugaram exarcebando as tensões presentes em todo período da união dinástica, que se instalou uma série de questionamentos em torno do governo de Olivares.

            A questão da ruptura é desta forma entendida pelo autor dentro de um contexto mais amplo onde a monarquia hispânica sofria com uma série de revoltas que afetavam o centro de sua estrutura governativa. No entanto, Portugal é o único a se mantém definitivamente separado de Castela, não por uma tendência lógica de desagregação, mas sim por uma conjunção de fatores que tornaram a Casa dos Braganças a alternativa viável. No momento da união, foram os atores sociais que escolheram o destino do reino; agora não seria diferente.

            Assim,  Jean-Frédéric Schaub reconstrói a história da União Ibérica e da Restauração de forma clara e objetiva, articulando as mais novas pesquisas sobre a temática a partir de um referencial distinto das historiografias portuguesas dos séculos XIX e XX, das quais não quer apenas se afastar, mas certamente negá-las. Contudo, é preciso dizer que por conta desse objetivo uma critica pode ser feita ao autor.

            Preocupado em opor-se à idéia de uma desagregação latente e em defender a união, o autor acaba por esvaziar o conteúdo da dominação. Se foi possível verificar o desenvolvimento de intensas trocas culturais, para além das sociedades de fronteira, e o alto potencial de negociação do reino, é complicado dizer que a Espanha estava sob signo português. Ainda assim, esta mesma orientação permite Jean-Frédéric Schaub ter o Estado hispânico numa perspectiva diferenciada da historiografia tradicional. Ele não entende o Estado de maneira negativa, pelo víes da ineficiência. 

            Portanto, a obra Portugal na Monarquia Hispânica (1580-1640) é uma importante referência para aqueles preocupados com os fatores que levaram à composição e à desagregação entre Portugal e Castela. Como bem para aqueles que buscam compreender melhor a especificidade da política e da cultura durante os tempos modernos.  

           

 

 

 



[1] Graduanda em História na Universidade Federal Fluminense, e estagiária da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.