REVISTA CANTAREIRA

 

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ISSN 1677–7794

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CANTAREIRA – Revista Eletrônica de História

Volume  3    Número   3    Ano  4  – Jul. 2007

Editor    Izabela Gomes Gonçalves

Universidade Federal Fluminense (UFF)

Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF)

Departamento de História

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Ficha Catalográfica

 

Revista CantareiraRevista Eletrônica de História

         Volume 3, Número 3,  Ano 4,  Jul. 2007

          Disponível em: http://www.historia.uff.br/Cantareira

 

1. História Geral; 2. Historiografia

 

 

 

 

 

As unidades domésticas no antigo Egito

Ciro Flamarion Cardoso (CEIA-UFF)

 

RESUMO

Unidade doméstica” é noção utilizada em estudos de História Antiga de base antropológica. O artigo a aplica ao antigo Egito, pouco abordado ainda desse ponto de vista por contar com documentação relativamente deficiente a respeito. São estudadas, em suas atividades econômicas, três unidades domésticas: a do sacerdote funerário e proprietário Hekanakht (século XX a.C.), cujo arquivo privado é o único disponível para o Egito faraônico; a dos descendentes de Neshi, um militar agraciado com doação régia de terra (unidade doméstica documentada só no século XIII a.C.); e a de Paneb, capataz de uma das equipes que construíam as tumbas reais em Tebas ocidental (fim do século XIII e início do século XII a.C.). As unidades domésticas constituíam a base da estrutura social das sociedades antigas; obter melhor conhecimento delas é, pois, tarefa importante da pesquisa.

 

PALAVRAS-CHAVE

Unidade doméstica - Egito

 

ABSTRACT

Domestic unit’ or ‘household’ is a concept used in Ancient History, when written from an anthropologic perspective. This paper applies this concept to ancient Egypt, still insufficiently studied from such viewpoint. Egyptian sources are sorely lacking for many of the relevant aspects of households, however: for instance, we have only one family archive, contrasting to the many available for ancient Mesopotamia. We focus here on three well documented households, considered as economic units: (1) Hekanakht’s (twentieth century BC); (2) Neshi’s descendants’ (thirteenth century BC); (3) and Paneb’s (thriteenth-twelfth centuries BC). The first two are basically rural, the last one, urban but containing rural elements. Households were at the base of the social structure of all ancient societies. It is therefore relevant to come to know them better.

 

Definições, pressupostos teóricos e hipóteses

Para fazer um uso adequado da noção de unidade doméstica (ou grupo doméstico) acho ser necessário descartar previamente noções preconcebidas a respeito, derivadas em especial da Escola Alemã da Economia Política, de Max Weber e da teoria da economia camponesa elaborada pelo populista russo A. V. Chayanov. Por exemplo, os dados históricos não favorecem a opinião de ser a “autarquia” ou “auto-suficiência” algo necessariamente vinculado às unidades domésticas. Não me parece válido ou útil, outrossim, estender − à maneira de Weber − o conceito de unidade doméstica para que englobe também as grandes organizações estatais (palácio, templos) presentes nas sociedades do antigo Oriente Próximo. Essas organizações diferiam essencialmente das unidades domésticas em suas características, bem como na natureza e nas finalidades de suas ações, embora certas formulações da ideologia oficial pudessem transmitir a impressão contrária.[1] Analogamente, parecem-me necessários certos cuidados especiais de método ao estudar como unidades domésticas as “casas” (households) de famílias socialmente poderosas e privilegiadas: no antigo Egito, classe dominante e escalões mais altos do Estado são entidades mais ou menos coincidentes; por tal razão, as “casas” da nobreza administrativa ou sacerdotal, em especial no que tange aos seus patrimônios, estão inextricavelmente ligadas às mencionadas grandes organizações do Estado.

A documentação egípcia a respeito das unidades domésticas, sobretudo se o que se quiser for observá-las como entidades economicamente atuantes, é muito deficiente. Ela basta, no entanto, para descartar a visão “harmoniosa” a respeito que foi adotada por Daniel C. Snell em seu modelo destinado a dar conta da economia do antigo Oriente Próximo: pelo contrário, nos poucos casos para os quais temos mais detalhes, as unidades domésticas egípcias aparecem atravessadas por conflitos de vários tipos.[2]

É preciso distinguir entre família e unidade doméstica, mesmo em se tratando indubitavelmente de noções que se vinculam em forma estreita. A família se define − e se limita, sensu stricto − a membros relacionados pelo sangue ou pelo casamento. A unidade doméstica define-se como um “grupo doméstico co-residente”: habitualmente o seu núcleo é uma família, mas a ela se podem somar outras pessoas (escravos, criados, agregados, dependentes diversos). Também convém incluir na noção de unidade doméstica os bens de todo tipo de que dispõe o grupo co-residente. Conforme a configuração e o número das famílias que servem de núcleo central à unidade doméstica, esta pode ser classificada em alguns tipos básicos: 1) a unidade doméstica simples é aquela em que o núcleo mencionado estiver constituído por uma só família conjugal (um casal e os filhos que ainda residam com os pais); 2) a unidade doméstica múltipla se caracteriza pelo fato de, em seu núcleo, mais de uma família conjugal estar presente; 3) se famílias conjugais que representem duas gerações sucessivas (um casal mais velho tendo à volta seus filhos já casados e/ou suas filhas com os respectivos maridos) constituírem o núcleo, tem-se a unidade doméstica expandida (que, afinal de contas, é um subtipo das unidades domésticas múltiplas, porém, com uma peculiaridade estrutural que vale a pena explorar); 4) por fim, pode acontecer que o núcleo da unidade doméstica não se caracterize por uma ou mais famílias conjugais, mas sim, por uma família extensa no sentido específico do termo, isto é, casais ou indivíduos aparentados entre si em graus variados, que podem chegar a ser numerosos, e mantêm sua subordinação à autoridade de um único chefe (mesmo quando não residam com ele), que habitualmente centraliza o controle dos bens disponíveis. Dependendo da longevidade do chefe, neste caso diversas gerações podem coexistir na unidade doméstica.

Na prática, a “co-residência” nem sempre deve ser tomada num sentido estrito ao se definir uma unidade doméstica. Em zonas urbanas, tal co-residência podia, mesmo, ser impossível stricto sensu: os membros de uma unidade doméstica coerente no sentido do seu funcionamento econômico eventualmente ocupariam numerosas casas relativamente próximas umas das outras, mas não, necessariamente contíguas.[3]

O estudo da unidade ou grupo doméstico tornou-se elemento importante das pesquisas de História Antiga que buscam inspiração antropológica. Apesar disto, o vocabulário e as definições formais dessa célula básica da sociedade podem variar bastante. Marcelo Rede aceita a distinção entre família e grupo doméstico mas descarta, a meu ver com razão, a diferença que estabelecem alguns autores entre a co-residência em si e o grupo doméstico funcionalmente considerado. Rede reproduz duas definições formais do grupo doméstico que considera − com acerto − serem complementares, oferecidas em 2000 pela revista L’Homme: “pessoa moral detentora de um domínio composto de bens materiais e não-materiais e que se perpetua pela transmissão de seu nome, de seus bens e títulos em linha real ou fictícia”; e “unidade social que tem fundamentos residenciais, econômicos, rituais etc.”[4] A primeira definição lembra, entre outras coisas, que a transmissão dos bens de uma unidade doméstica pode decorrer tanto do parentesco pelo sangue quanto de um parentesco fictício (adoção), bem como o fato de serem os bens disponíveis no seio de tal unidade materiais e não-materiais. No caso do antigo Egito, a tumba familiar, por exemplo, tinha conotações religiosas profundas na cimentação desses grupos e no estabelecimento do prestígio de cada um deles, como indicador central de status que sem dúvida era. A segunda definição recorda a importância da co-residência, além de voltar a sublinhar o não-material ao lado do material, ao falar de fundamentos rituais tanto quanto econômicos.

Ao tratar das unidades domésticas no antigo Egito, tenho em vista certas hipóteses heurísticas que sintetizam algumas constatações que já foram mencionadas. Parece-me, em primeiro lugar, que, como também ocorria em outras partes do antigo Oriente Próximo, havia um embate entre duas tendências contraditórias: aquela a manter indiviso o patrimônio da unidade familiar mediante disposições ad hoc adotadas pelos herdeiros, ou pelo chefe da unidade em questão, tendentes a formar uma universalidade de facto; e as pressões  eventuais de alguns dos herdeiros no sentido de uma partilha que lhes permitisse acesso e disposição no relativo ao que coubesse a cada um deles, sem as limitações impostas por um patrimônio indiviso.

Uma segunda hipótese é que as unidades domésticas documentadas são, seja do tipo simples, seja do tipo múltiplo, por inexistir no Egito faraônico a família extensa tal como a definem os antropólogos.[5] Marcelo Campagno define o sistema egípcio de parentesco como “simétrico (os mesmos termos se aplicam aos parentes paternos e maternos) e bilateral (a filiação de ego é traçada tanto com respeito à parentela do pai quanto da mãe)”. No que parece ser uma conseqüência de um sistema com tais características, tanto os homens quanto as mulheres podiam herdar de ambos os progenitores. Quanto à residência, era neolocal (cada novo casal constituía uma nova família nuclear).[6] Note-se, porém, que, para a mulher do antigo Egito, casar-se era “ir residir na casa de” um determinado homem: a mulher casada tinha o título de “senhora da casa”, mas a casa mesma era considerada do marido (assim como a tumba familiar, “casa de eternidade”).

Já se mencionou que, nos poucos casos para os quais temos uma informação mais detalhada, as unidades domésticas, longe de se configurarem como entidades harmônicas, aparecem atravessadas por conflitos. Outrossim, nesses casos mais documentados, não se nota qualquer tendência autárquica nas mencionadas unidades domésticas: estas aparecem, mediante ações de seus chefes, empenhadas na ampliação do patrimônio comum, no interior dos padrões culturais egípcios.

Unidades domésticas examinadas economicamente no antigo Egito: estudo de três casos

É possível identificar inúmeras unidades domésticas ao longo dos muitos séculos da História do Egito faraônico. Entretanto, e pelo contrário, é extremamente difícil contar com dados suficientes para abordar o estudo econômico das unidades em questão. Para tentar comprovar as hipóteses aventadas, minha estratégia consistirá em estudar três unidades domésticas do antigo Egito para as quais dispomos de dados relativamente numerosos acerca dos bens que controlavam e de algumas, pelo menos, de suas atividades de tipo econômico; uma delas data do início do Reino Médio (XIa dinastia, meados do século XX a.C.), as outras duas, respectivamente do auge (fim da XVIIIa e começo da XIXa dinastia, primeira metade do século XIII a.C.) e do início do declínio estatal do Reino Novo (fim da XIXa e começo da XXa dinastia, últimas décadas do século XIII e primeiras décadas do século XII a.C.). As duas primeiras são rurais, a terceira, urbana, mas contendo elementos rurais.

         Primeiro caso: Hekanakht, sacerdote funerário e proprietário rural

Em 1922, uma expedição arqueológica do Metropolitan Museum of Art de Nova York descobriu sete papiros, conhecidos em inglês como The Hekanakhte papers - os documentos de Hekanakht -, em Deir El-Bahri, Tebas Ocidental, nas falésias ao norte dos santuários de Mentuhotep II e da rainha Hatshepsut, num sepulcro intacto da XIa dinastia, o de Meseh (uma de quatro pessoas enterradas no pátio da tumba do vizir Ipi). Os documentos de Hekanakht estavam misturados ao entulho que enchia o poço do enterro, tendo sido amassados e jogados ali, presumivelmente por já não serem relevantes para o arquivo de família em cujo contexto haviam sido redigidos. Quarenta anos após sua descoberta, tais papiros foram publicados por T. G. H. James e, assim, postos à disposição dos egiptólogos.[7]

 Os papiros Hekanakht I a IV contêm cinco cartas: quatro são do próprio Hekanakht (sendo que o papiro Hekanakht II inclui duas delas), a quinta, de uma mulher escrevendo à sua mãe. Os demais documentos são cômputos e inventários. Hekanakht era um sacerdote funerário a serviço do culto do vizir Ipi (morto por volta de 1957 a.C.) e pequeno ou médio proprietário de terras em Tebas Ocidental, onde se localizavam os dois topônimos mais freqüentemente mencionados nos documentos (Nebsyt, Perhaa).

Em minha opinião, tais documentos, examinados segundo os procedimentos da crítica interna, parecem firmemente ancorados na XIa dinastia, mais exatamente no reinado de Sankhara Mentuhotep III (1957-1945 a.C.), em meados do século XX a.C. É também a opinião de Edward Wente e de R. B. Parkinson, sendo que este último avança hipoteticamente a data de 1949 a.C., agosto e setembro respectivamente, para as cartas contidas em Hekanakht I e Hekanakht II (para Parkinson, Wente e outros autores, são duas cartas; em minha opinião, três, já que, em Hekanakht II, em pleno texto − Hekanakht II, 29 − são nomeados novos destinatários e, embora de início se mencione o assunto da primeira missiva contida no mesmo papiro, a seguir os tópicos cobertos são outros, retomando temas já surgidos na primeira carta, Hekanakht I).[8] Na medida, porém, em que aqueles documentos do arquivo que trazem uma datação em anos de reinado não mencionam o nome do rei, há outra opinião, a meu ver infundada, que situa os documentos de Hekanakht no início da XIIa dinastia (que começou por volta de 1938 a.C.).

Hekanakht aparentemente formou o primeiro núcleo de seu patrimônio, não por herança familiar, mas sim, obtendo remuneração em terras por sua função como sacerdote funerário do vizir Ipi. Tendo o controle total dos bens da família, pôde manter à sua volta os seus filhos adultos (pelo menos um deles já casado, com pelo menos um filho) e adolescentes como mão-de-obra, além de um empregado de confiança casado e diversas criadas aparentemente solteiras. Configura-se, deste modo, uma unidade doméstica expandida, já que compreende duas gerações de adultos. As mulheres adultas da família provavelmente fiassem e tecessem: sabemos que tais atividades eram desenvolvidas na sede da unidade doméstica, além de fiação e tecelagem adicionais serem também contratadas, provavelmente em outro lugar, com uma mulher, Satnebsekhetu (cujo nome significa, aliás, “a filha do senhor dos tecelões”). Hekanakht era um viúvo; aparece mencionada em duas das cartas uma mulher que certos egiptólogos entendem como sua concubina, outros − majoritários − como uma segunda esposa que tinha, ao que parece, direitos diminuídos quanto à herança, posto que, em determinada passagem, numa pergunta retórica, ele dá a entender que ela não poderia ameaçar “estes cinco filhos” (Hekanakht I, verso 15). Na unidade doméstica chefiada por Hekanakht havia mais do que as dezessete pessoas que aparecem mencionadas como membros dela, pelo nome ou de outro modo; mas o número exato não pode ser estabelecido, pois em dois casos o nome de um adulto é seguido pela expresão “com os seus dependentes”, isto é, a esposa e um número não especificado de filhos. Não sabemos se todos habitavam de fato a mesma casa rural; mesmo na hipótese de viverem os membros casados da “casa” (household) em residências menores na mesma aldeia, tratar-se-ia de qualquer modo, muito evidentemente,  de uma unidade econômica e administrativa, mantida em torno do sacerdote funerário pelo controle exclusivo que exercia sobre o patrimônio.

Hekanakht via sem dúvida alguma o patrimônio da unidade doméstica sob sua direção como algo unitário e que lhe pertencia com exclusividade, já que em três ocasiões se refere a “toda a minha propriedade” (literalmente: “cada coisa minha”). Tinha também, segundo parece, a noção de chefiar uma unidade doméstica, o que se nota na maneira em que se refere à sua casa (em egípcio, pr), acompanhando a palavra, na escrita, do símbolo do plural ou de algo coletivo e dos determinativos de homem e mulher, bem como de um pronome possessivo. Associa, portanto, a sua casa de Nebsyt também às pessoas que ali vivem; e até mesmo sobre estas últimas, ainda no caso de serem seus parentes, sente ter direitos de disposição. Como em egípcio o termo “casa” pode designar igualmente um domínio rural, o sacerdote funerário enxergava sua casa como o que em inglês se chama household (a casa em si, mais as pessoas de todo tipo que a habitavam, mais o patrimônio vinculado a tal coletividade). Considerava-se responsável pelos bens e pelas pessoas: “todas as pessoas da casa são como meus filhos e tudo é meu” (Hekanakht II, 25); entre tais pessoas estava, no entanto, sua mãe. Seus filhos, que lavravam a terra, cuidavam do gado ou agiam de qualquer outra maneira por ele estabelecida como trabalhadores da unidade doméstica, bem como as mulheres da casa (que fiavam e teciam), recebiam rações consideradas explicitamente como remunerações. Ausente de casa, em suas recomendações por carta a seu filho mais velho, administrador da unidade doméstica enquanto o sacerdote funerário viaja, e a um trabalhador de confiança, Hekanakht instrui: “Vós dareis estas rações às minhas pessoas (somente) enquanto estiverem trabalhando” (Hekanakht II, 29-30).[9]

Os inventários contidos em alguns dos papiros se restringem aos bens móveis. As inferências relativas à terra têm de ser indiretas. Reunindo a informação disponível, podemos considerar assim o patrimônio fundiário de Hekanakht na época em que as cartas contidas em Hekanakht I e II foram redigidas: 1) um núcleo principal, de superfície total desconhecida, constituído pelas terras que obteve como remuneração de sua função de sacerdote funerário, em condições que ignoramos, fazendo possivelmente parte dessas terras um lote de 27.350 m2, próximo à casa (situada na aldeia de  Nebsyt, na parte ocidental do nomo de Tebas), para cujo trabalho destinado a tornar o solo móvel revolvendo-o com a enxada se contratou “por empreitada” um trabalhador, bem como outro lote dado em arrendamento a longo prazo (me quedeb), cujo aluguel devia ser pago em cevada; 2) um terreno irrigado, situado junto a um canal, que havia contido no passado uma plantação de linho, sobre o qual os direitos de Hekanakht parecem haver sido precários ou inseguros: o texto transmite seu temor de que alguém o quisesse ocupar, contra tal eventualidade dando instruções para que o terreno em questão fosse semeado com cevada ou (se a cheia, que parecia em seu início fraca, se revelasse afinal de contas uma boa cheia) com trigo duro ou emmer; 3) aparentemente investindo lucros obtidos vendendo a preços altos, numa época de fome generalizada, cereal numa região do Egito (não nomeada) em que se encontrava no momento, longe de casa, Hekanakht mandou instruções e depois certa quantidade de cobre para pagamento inicial do aluguel (enfitêutico, na modalidade de longuíssimo prazo me quedeb) de 54.700 m2 de terra irrigada na localidade de Perhaa, próxima a Nebsyt, ordenando o cultivo também desse solo de que sua unidade doméstica acabara de adquirir o controle.

Os outros bens da unidade doméstica que podem ser direta ou indiretamente inferidos do estudo do arquivo familiar são: 1) uma casa rural, aparentemente de proporções consideráveis; 2) 35 cabeças de gado, sendo 15 bois para as juntas destinadas a arar a terra, 11 vacas leiteiras (“que pariram recentemente”), mas somente 3 touros, 5 novilhas e um bezerro: havia, então, interesse maior em manter animais de tiro castrados e vacas; na ausência de Hekanakht de Nebsyt, dentro da tradição egípcia de administrar o gado separadamente da terra, o rebanho foi confiado à guarda de outro de seus filhos, e não do mais velho a quem entregara a gestão do cultivo e do cereal armazenado; 3) na vizinhança da casa e num depósito próximo, partes de um barco (uma cabine e um mastro) e pranchas, provavelmente destinadas ao conserto eventual da embarcação que pertencia ao domínio rural (Hekanakht a usava para suas viagens, para transporte de cereais destinados à venda e para que um de seus filhos, indo e vindo, mantivesse sua ligação com Nebsyt); 4) também junto à casa, celeiros que continham boa quantidade de cereal armazenado (não é possível conhecer o total, mas a quantidade mencionada no texto chega a quase 10.000 litros e, quando de sua viagem, Hekanakht recebeu grãos para a confecção de 6.000 pães contábeis, correspondendo no conjunto a mais de 600 kg); cereal adicional, numa localidade chamada Hesur, liga-se provavelmente ao pagamento em rações de trabalhos de fiação e tecelagem de linho (sob a supervisão de uma mulher chamada Satnebsekhetu), havendo também cereal de Hekanakht em Mênfis; 5) linho bruto recentemente colhido, linho bruto proveniente de colheita anterior, fios de linho e tecidos, armazenados em algum depósito anexo à casa: como era usual no antigo Egito, os tecidos podiam servir, eventualmente, para efetuar pagamentos; 6) arados, enxadas, uma medida para cereais, outra para tecidos de linho, inferidos direta ou indiretamente de certas passagens dos textos. Por fim, Hekanakht possuía dívidas ativas de curto prazo, aparentemente resultantes de empréstimos de cereais, que seriam cobradas no momento da colheita, em cereais ou em azeite (preferindo ele a primeira possibilidade), de numerosas pessoas residentes em localidades próximas a Nebsyt. Em um dos documentos contábeis, tais dívidas a serem cobradas são denominadas cômputo dos cereais “que estão fora”. Em um momento determinado do tempo, tais dívidas, somadas, chegavam a quase 10.000 litros de grãos.

O patrimônio de Hekanakht, modesto se comparado ao de qualquer membro graduado da administração central egípcia, era suficiente, entretanto, para transformá-lo num notável local. Vivendo em período ainda marcado pelos efeitos da descentralização política e econômica do Primeiro Período Intermediário, concluído politicamente pouco tempo antes − uma época em que a atividade estatal diminuíra drasticamente e, portanto, a iniciativa privada tivera de aumentar −, Hekanakht, como explorador do trabalho de seus próprios filhos, especulando com cereais em época de carestia, agindo como prestamista, com seu interesse em expandir as terras sob seu controle mediante arrendamento de longo prazo de solo irrigado da melhor qualidade, estava empenhado em acumular recursos, em enriquecer. Os “formalistas” − assim se designa, em antropologia e em história econômica, os que acreditam na legitimidade de estender a sociedades pré-modernas os conceitos e métodos econômicos gerados para análise do capitalismo − tendem, por tal razão, a vê-lo como um “homem de negócios”; os “substantivistas” − termo que se refere aos que, ao contrário dos formalistas, achem ser ilegítimo estudar as economias pré-modernas como se fossem essencialmente semelhantes ao capitalismo − atribuem sua ânsia de obtenção de riqueza por exemplo ao desejo de construir para si uma bela tumba bem equipada.[10] Note-se, no entanto, que não há razão de princípio alguma pela qual marxistas ou substantivistas devessem negar que, numa sociedade como a egípcia, as pessoas quisessem prosperar e tornar-se ricas.[11] O que negam é que o fizessem dentro de uma lógica e com finalidades capitalistas: os marxistas, por enxergarem limites muito estreitos de tipo estrutural às possibilidades efetivas de “reprodução ampliada de capital” numa sociedade como a egípcia; os polanyianos, sublinhando, por exemplo, que o grande enriquecimento estaria reservado aos que conseguissem altos cargos (administrativos, sacerdotais, militares) a serviço do governo faraônico e, assim, se inserissem no topo da economia estatal de redistribução. Também não existe razão alguma para negar que a construção de uma tumba rica e bem equipada pudesse servir a um antigo egípcio tanto − como acreditava − para garantir-lhe a vida eterna quanto para obter maiores prestígio e poder neste mundo. Siegfried Morenz mostrou que, no Egito antigo, o sucesso se inseria numa “economia de prestígio” em que o poder e a riqueza estavam estreitamente ligados entre si, desembocando numa manifestação ostentatória do próprio poder.[12] Hekanakht aparece − em pequeno − como um parvenu: existia sem dúvida a possibilidade de uma pequena ou média unidade produtiva situada acima do nível da estrita subsistência mas que não poderia rivalizar com as fortunas de algum grande funcionário, tanto no relativo a suas propriedades de função quanto às que pudesse herdar de sua família.[13]

Nas cartas contidas em Hekanakht I e II percebem-se diversos conflitos, abertos e latentes, presentes na unidade doméstica chefiada por Hekanakht. Nota-se também que sua autoridade e suas decisões eram em parte contestadas por seus filhos, não frontalmente, e sim, numa espécie de tática de desgaste mediante ações limitadas mas repetidas.

         Segundo caso: os descendentes de Neshi

A segunda das unidades domésticas que vou analisar é-nos conhecida devido a disputas sucessivas vinculadas à herança de uma propriedade rural, julgadas em nada menos do que cinco ocasiões, ao longo de várias décadas, entre o final do reinado do último rei da XVIIIa dinastia, Horemheb (1323-1295 a.C.), e aproximadamente 1250 a.C., sob o reinado de Ramsés II (1279-1213 a.C.), da dinastia seguinte. Um relato resumido de tais julgamentos foi preservado numa inscrição funerária na tumba do herdeiro vitorioso, Mes.[14]

Em síntese, os acontecimentos foram os que agora vou expor. O primeiro faraó do Reino Novo e da XVIIIa dinastia, Ahmés I (1550-1525 a.C.), no contexto da guerra contra invasores asiáticos, os hicsos, doou a um comandante de barcos de guerra (literalmente, “superintendente de barcos”), chamado Neshi[15] − talvez neto de outro Neshi que ocupou cargos bem mais importantes sob o faraó Kamés, irmão e predecessor imediato de Ahmés I −, uma propriedade rural situada, ao sul da cidade de Mênfis, numa aldeia que veio a chamar-se igualmente Neshi. Ao longo de mais de dois séculos, ao que parece tal propriedade foi passando sem problemas de geração em geração segundo um regime de indivisão (fato bem típico do direito egípcio em matéria econômica, tendente a criar universalidades de facto): em cada geração, o filho ou parente mais velho administrava-a para o conjunto dos herdeiros, dando acesso a lotes de terra aos herdeiros que quisessem gerir o seu cultivo (contratando mão-de-obra ou mediante arrendamento) e distribuindo os ganhos coletivos eventuais entre todos. Entretanto, a família acabou por dividir-se em três ramos separados, com o que, mais de duzentos anos após a morte de Neshi, começaram a ocorrer disputas sucessórias que deram origem a cinco julgamentos sucessivos. Em cada caso, tratava-se de determinar quem era o descendente (ou a descendente) de Neshi em linha mais direta. Nessa fase de sua trajetória − a única documentada −, a unidade doméstica vinculada ao domínio de Neshi, segundo a classificação vista no início do capítulo, era múltipla, já que continha em seu núcleo diversas famílias nucleares.

A solução final dos litígios foi favorável a Mes, um dos herdeiros, que tinha o cargo de escriba do tesouro do deus Ptah em Mênfis, sob Ramsés II (em meados do século XIII a.C.): tão favorável, de fato, que o vitorioso decidiu gravar em sua tumba, em longa inscrição, o resumo da história das disputas e sua própria vitória final (a capela de uma tumba era aberta ao público: a inscrição serviria de garantia para os herdeiros de Mes, sendo a pedra mais durável do que o papiro guardado certamente no arquivo familiar). Os termos exatos de seu triunfo não nos são conhecidos, pois o final da inscrição está avariado. Mas é indubitável ter ocorrido tal triunfo: o próprio fato da presença da inscrição na tumba, além de relevos que representam Mes diante do tribunal, são dados suficientes para afirmá-lo.

Um primeiro elemento a comentar é o fato de tal unidade familiar ter mantido o seu patrimônio indiviso por mais de dois séculos. Outro ponto relevante é que aquele dentre os herdeiros que agia como administrador único do domínio rural “para seus irmãos e irmãs” − neste contexto, parentes por descendência ou por casamento, não necessariamente irmãos − podia ser eventualmente do sexo feminino: tal posição foi ocupada, na época do faraó Horemheb, pela avó de Mes, Urnero, por decisão de um escriba do cadastro, após um dos julgamentos, sendo ela considerada pertencente à linha mais direta dos descendentes de Neshi. Isto, bem como o fato de que pelo menos três mulheres tomaram a dianteira em outros tantos litígios, demonstra uma vez mais o fato bem conhecido de serem as mulheres egípcias sui juris. Terceiro ponto de interesse: nessa mesma geração, a “irmã” de Urnero (pode ou não haver sido efetivamente sua irmã: sua parente, em todo caso), Takharu, apelou por sua vez ao tribunal, solicitando o fim do regime de indivisão e a partilha do domínio de Neshi entre os seis herdeiros que havia na época, conseguindo-o por algum tempo (a decisão foi, depois, revertida). Isto ilustra  algo muito relevante para a análise das unidades domésticas: o desejo de manter unido o patrimônio, impedindo assim sua pulverização, tinha de competir às vezes com o desejo contrário de obter um lote separado de que se pudesse dispor sem limitações, o que só seria possível dissolvendo o regime de indivisão. Provavelmente o mais surpreendente seja que, no caso do domínio de Neshi, tal indivisão conseguisse durar por quase três séculos, até onde podemos acompanhar a trajetória dessa unidade doméstica.

Na geração seguinte à de Urnero, a mãe de Mes, Nebnefert, foi alijada de sua posição entre os herdeiros por seu primo por casamento Khay, então administrador do conjunto do domínio (o que mostra ter sido revertida a partilha conseguida por Takharu), que foi vitorioso no tribunal do vizir mediante uma fraude: mancomunado com um dos magistrados, exibiu um falso cadastro do Celeiro do Faraó. Ele foi confirmado como administrador e obteve, a título pessoal, o gozo de um lote de 35.555 m2 no interior do domínio de Neshi. Mes comenta o resultado deste penúltimo julgamento dizendo (N 8): “eu (então) deixei de ser o filho (descendente) de Neshi”. Nessa época, Mes era ainda criança, ou adolescente.

Deve notar-se que, quando o texto legal da tumba de Mes menciona que um dos herdeiros, ou o administrador, decidiu cultivar uma porção de terra no interior do domínio de Neshi, isto não significava que agiria pessoalmente como camponês, arando, semeando e colhendo. Tratava-se de que a pessoa em questão iria gerir a produção naquela parte do domínio, seja mediante o emprego de mão-de-obra, seja atraindo arrendatários. Assim, lemos sobre o pai de Mes, Huy (N 31-2): “Quanto ao escriba Huy, ele costumava cultivar suas terras cada ano. Ele agia de acordo com tudo o que desejava. Eles (os lavradores dependentes) traziam-lhe as colheitas de seu campo cada ano”.

Bastante tempo depois do julgamento favorável a Khay, Mes, já adulto, dirigiu-se por sua vez ao grande tribunal do vizir do norte, em Heliópolis, em meados do século XIII a.C., para recuperar seus direitos como descendente mais direto de Neshi. Conseguiu-o mediante numerosos testemunhos feitos sob juramento solene por pessoas da aldeia de Neshi, no sentido de serem Urnero e Huy − a avó e o pai de Mes − tidos localmente como os descendentes mais diretos daquele Neshi que vivera cerca de trezentos anos antes e recebera originalmente do rei Ahmés I a propriedade rural.

Embora Mes − outro parvenu em escala moderada −, após o julgamento em que foi vitorioso e recuperou os seus direitos no domínio de Neshi, haja prosperado a ponto de poder construir para si mesmo uma bela tumba decorada, na época de sua vitória legal não era um homem de grande status; conseguiu, mesmo assim, reabrir a questão e, diante de dados novos (Mes foi hábil, em especial, ao obter testemunhos em seu favor também de pessoas socialmente bem situadas, além dos aldeães de Neshi), teve ganho de causa concedido pelo grande tribunal do vizir. Ao longo dos cinco processos e julgamentos, vemos serem mobilizados repetidas vezes documentos dos arquivos oficiais − em uma ocasião, como se mencionou, um registro cadastral falsificado − e funcionários que se dirigem em diversas ocasiões, com os litigantes, à aldeia de Neshi para efetuar averiguações locais, ao mesmo tempo que aparecem características onipresentes na atuação dos tribunais egípcios: em especial, numerosos testemunhos orais feitos sob juramento solene, aos quais se concedia qualidade de prova.

         Terceiro caso: a unidade doméstica do capataz Paneb

Para este último exemplo, deixamos − em parte somente, pois não estarão de todo ausentes − os assuntos rurais, posto que agora se trata de uma unidade doméstica de Deir el-Medina, o povoado dos construtores e decoradores das tumbas régias (e de outras pessoas da corte), situado em região desértica de Tebas Ocidental. Era, então, uma comunidade com características urbanas, integrada administrativa e funcionalmente à parte ocidental da cidade de Tebas, habitada por artesãos altamente qualificados − cujo número podia variar bastante segundo o trabalho que houvesse nas tumbas que devessem ser escavadas, esculpidas e pintadas no Vale dos Reis, sendo eles somente 30 no período médio do reinado de Ramsés II, quando o hipogeu deste rei já estava muito adiantado, mas 120 sob Ramsés IV, que decidira construir um sepulcro de grandes dimensões, sendo o número mais comum de 50 a 60 − que viviam com suas famílias num povoado planejado, amuralhado, de pequenas casas (as maiores mediam 27 por 6 metros; as menores, 13 por 4 metros) pegadas umas às outras ao longo de ruas quase sempre ortogonais. Esta era uma aglomeração em que as unidades domésticas maiores deviam ocupar mais de uma residência, sendo impossível a coabitação de diversas gerações numa casa de dimensões reduzidas. A população total, que também compreendia alguns escribas, administradores, metalurgistas, carpinteiros, fabricantes de cerâmica, elaboradores de cestas e artigos similares, deve ter sido, em média, algo como 400 habitantes.[16]

Os artesãos eram remunerados em rações e recebiam do Estado o uso de suas casas. Em proporções variáveis segundo sua disposição para o trabalho e seu talento, eles executavam também trabalhos extras por encomenda de particulares. Tais atividades podiam ser muito remuneradoras e garantir ganhos consideráveis aos artesãos dispostos a trabalhar por muitas horas além das que gastavam na fatigante labuta no Vale dos Reis. Muitos desses tabalhadores qualificados puderam construir para si mesmos e suas famílias, nas falésias próximas ao povoado em que viviam, tumbas belamente decoradas e dotadas de rica mobília funerária − um importante indicador de status no Egito faraônico. Entretanto, os artesãos de Deir el-Medina pertenciam aos estratos médios da sociedade egípcia antiga, não aos grupos dominantes. E eram sem dúvida alguma “plebeus” (isto é, pessoas que não tinham acesso ordinário à corte faraônica).  O povoado era atípico no antigo Egito pela presença de uma proporção de letrados em sua população bem acima da média. Outrossim, o ambiente desértico ajudou na preservação de numerosa documentação.[17]

Se considerei Hekanakht e Mes como parvenus, pessoas que subiram na vida a partir de origens relativamente modestas, com muito maior razão Paneb se enquadraria em tal noção, já que era filho de um artesão do povoado, Nefersenet, mas foi adotado por um dos administradores maiores da localidade, isto é, o capataz de uma das duas equipes que se ocupavam dos trabalhos nas tumbas reais, Neferhotep, e por sua esposa Uabkhet, que não tinham filhos; e casou-se com Uabet, parente próxima do outro capataz, Hay, com a qual teve vários filhos. Deste modo, chegou a chefiar uma das unidades domésticas mais ricas e importantes de Deir el-Medina, no final do século XIII e no início do século XII a.C. − um período conturbado da história do Egito, em especial após a morte de Merneptah em 1204 a.C. Em vida de Neferhotep, tal unidade doméstica, situada em diversas casas na parte sul do povoado de Deir el-Medina, era certamente do tipo múltiplo, pois o velho capataz provia às necessidades de seus numerosos irmãos, artesãos da tumba real que recebiam rações menores do que as que cabiam ao seu parente mais ilustre. Há dados sobre as ricas roupas usadas pelo idoso capataz e sua esposa; e sabemos que apreciava o vinho, uma bebida cara que, no entanto, podia adquirir.

Paneb é uma das poucas pessoas do antigo Egito de que podemos perceber várias características específicas, individuais. Dado à embriaguez, era colérico e extremo em suas atitudes violentas: assim, por exemplo, num dos episódios de seus conflitos com a família de seu pai adotivo, já falecido na ocasião, tratou de impedir que membros dessa família se dirigissem à tumba de Neferhotep levando oferendas destinadas ao culto funerário, para tal chegando a apedrejá-los! Em vida de seu pai adotivo, suas relações com ele foram variáveis, indo da veneração explicitada numa inscrição informal ao conflito aberto e ao desrespeito, chegando mesmo a ameaçá-lo fisicamente em uma ocasião, prometendo matá-lo, certa noite em que “surrou nove homens”. Em outra ocasião, quando já se tornara capataz, também entrou em conflito com o capataz da outra equipe, Hay, parente de sua esposa, ameaçando matá-lo no deserto. Reconciliou-se posteriormente com ele, no entanto. Paneb era, ao mesmo tempo, um artesão de talento e um capataz eficiente, exigente quanto à qualidade do trabalho da equipe que liderava na tumba real. Apesar de haver sido acusado de múltiplos adultérios com mulheres casadas e com a filha de uma delas, seu casamento com Uabet não terminou em divórcio − ocorrência das mais comuns em Deir el-Medina − e, pelo contrário, foi longo e aparentemente tranqüilo.[18]

Faltam dados suficientes para decidir a que tipo pertencia a unidade doméstica chefiada por Paneb ao suceder, com a morte de seu pai adotivo, ao posto de capataz e aos bens paternos: terão sido os conflitos com o resto da família do falecido Neferhotep profundos a ponto de romper os vínculos familiares maiores, restringindo a lógica da ação econômica, aquisitiva e de consumo do novo capataz ao que seria uma unidade doméstica simples, em torno da família nuclear que formava com Uabet e seus filhos? É o que parece, já que a hostilidade entre Paneb e os parentes de Neferhotep chegou a dividir o povoado em duas facções, uma apoiando tais parentes, a outra, Paneb. Isto ajudaria a explicar um ódio tão implacável quanto o que lhe votou durante décadas um de seus tios adotivos, provavelmente de todo alijado, doravante, do acesso ao gozo dos bens que haviam estado sob o controle de seu irmão Neferhotep, como também deve ter acontecido com seus numerosos irmãos e com Hesysenebef, o outro filho adotivo do velho capataz.

É preciso, portanto, dar o devido desconto às acusações contra Paneb, posto que decorrem de um único documento, o papiro Salt, redigido por um dos irmãos de Neferhotep, Amonnakht, que esperava, diante das más relações de Paneb com seu pai adotivo, suceder ao capataz em sua função e na chefia de sua unidade doméstica, dotada de bens consideráveis, ficando obviamente muito contrariado por ser Paneb o sucessor de Neferhotep (este último, ao que parece, foi morto durante os distúrbios quando da guerra civil entre Séty II e outro pretendente ao trono, pouco depois de 1200 a.C.). Uma das acusações de Amonnakht é haver Paneb subornado o vizir com um presente de cinco escravos para que o magistrado o nomeasse capataz. Entretanto, Ammonakht conseguiu, afinal de contas, pôr fim à carreira de seu odiado sobrinho adotivo, quando uma das acusações que lhe dirigiu (que chegaram até mesmo a incluir a alegação de haver Paneb assassinado alguns homens que se preparavam a denunciá-lo ao vizir),  a de ter roubado um objeto que fazia parte do equipamento funerário de uma das esposas de Ramsés II, foi confirmada por ser tal objeto (a estatueta de um ganso) achado na casa do capataz. Paneb desapareceu de todo, desde então, das fontes locais; provavelmente foi condenado e executado. O acusador, entretanto, nem assim conseguiu tornar-se capataz, já que o sucessor de Paneb foi o artesão Nekhemmut.

No segundo ano do reinado de Merneptah (1212 a.C.) há comprovação documental de haver Paneb − talvez nessa ocasião é que haja saído, já casado, da casa de seu pai adotivo − contratado a construção de uma parede de tijolos numa das casas de Deir el-Medina (a sua, ao que tudo indica), com a finalidade de separar a área doméstica da oficina onde fabricava objetos sob encomenda, nas horas livres de seu trabalho na tumba real. Na mesma ocasião, comprou arcas, cestas e uma cama. Posteriormente, vemo-lo comprar móveis de madeira, sandálias, tecidos, panelas de cobre e outros artigos domésticos de alta qualidade. Cedo começou, também, a construir a sua própria tumba. Mais tarde, quando já sucedera a seu pai adotivo, pôde ser mais ambicioso a respeito, ampliando e ornando com pinturas o sepulcro familiar.

Paneb, uma vez capataz, passou a receber rações bem acima do nível da estrita subsistência, sendo-lhe possível usar uma parte delas como pagamento para adquirir alimentos de luxo e outros artigos de boa qualidade. O novo capataz foi acusado por seu tio adotivo de forçar artesãos da tumba a trabalhar em sua mobília funerária ou em objetos que o próprio Paneb deveria fabricar sob contrato, ou a alimentar o seu gado, além de fazer com que as esposas de alguns dos trabalhadores tecessem em seu benefício. Estas alegações são em parte confirmadas por registros administrativos das presenças e ausências dos artesãos ao trabalho na tumba régia, mas num contexto em que não se parece considerar abusivas tais ações: dentro de certos limites, era permissível que o capataz usasse em seu próprio proveito, ocasionalmente, a mão-de-obra do povoado. Ammonakht também o acusou de ter desviado ferramentas da tumba régia para o trabalho em seu próprio sepulcro, de ter-se apoderado de pedras do hipogeu real para fabricar colunas para tal sepulcro, bem como de ter roubado uma peça da mobília funerária de outra das tumbas da necrópole de Deir el-Medina.

Como Ammonakht, ao acusar Paneb de subornar o vizir, fala do presente de cinco escravos que seu sobrinho adotivo haveria feito ao magistrado, isto significa ter herdado pelo menos cinco escravos de seu pai adotivo, provavelmente mais − e mostra haver ele começado a dispor da propriedade do falecido Neferhotep antes mesmo de ser nomeado capataz. Também uma cabeça de gado bovino, que se sabe documentalmente fora adquirida por Neferhotep, aparece como parte do patrimônio de Paneb, que provavelmente incluía outras cabeças de gado de que não temos registro. Era bastante comum que artesãos e administradores de Deir el-Medina possuíssem e trabalhassem lotes de terra, mas ignoramos se o patrimônio de Paneb incluía parcelas rurais.[19]

No conjunto, vemos um talentoso artesão e depois capataz, uma vez havendo iniciado sua escalada social mediante a adoção por um dos personagens mais importantes do povoado e o casamento com uma mulher aparentada a outro personagem de peso, a seguir consolidando-a ao tornar-se capataz e herdar a fortuna de Neferhotep, desde então ocupar-se com afinco e constância na ampliação de seu patrimônio, mediante trabalho próprio no tempo não empregado no Vale dos Reis, bem como utilizando diversos recursos, alguns permissíveis, outros excusos. Pode notar-se que, bem dentro das tradições do Egito faraônico, construir uma tumba adequada e dotada de mobília funerária de alta qualidade, para si mesmo e para sua família, foi um assunto central no tocante tanto ao próprio patrimônio de Paneb (a tumba era muito provavelmente o elemento mais valioso do mesmo e o que lhe garantia mais prestígio na comunidade) quanto às finalidades que poderiam explicar o seu afã de enriquecer.

Conclusão

No relativo às unidades domésticas, o Egito apresenta uma documentação deficiente em comparação com a da Mesopotâmia. Em especial, conta-se com um único arquivo familiar, o de Hekanakht, um dos casos escolhidos para estudo neste artigo. O fato de que os chefes das três unidades domésticas analisadas podem ser classificados socialmente como parvenus (em escala menor, já que nenhum deles atingiu o status de membro da pequeníssima classe dominante egípcia, nem parece haver pretendido atingi-lo) não deve ser generalizado. É possível que, exatamente por o serem, tenham gerado o tipo de documentação que falta em tantos outros casos.

Os casos egípcios analisados não apoiariam certas afirmações freqüentes quanto às comunidades domésticas: o caráter harmonioso de suas relações internas; e que agissem segundo um ideal de autarquia. Embora os três exemplos que tomei se situem em fases históricas com características diversas na longa trajetória do Egito faraônico, uma atitude expansiva, de aumento do patrimônio, está sempre presente (embora, quanto a Mes, documentada quanto a um de seus resultados − uma tumba de altíssima qualidade − e, não, no tocante a como de fato ocorreu). Sempre se notam, também, conflitos latentes ou abertos no interior da unidade doméstica, às vezes em função de mudanças nela introduzidas. Os filhos de Hekanakht, bem como o resto de sua família, deviam ressentir fortemente o fato de não terem participação maior nas decisões e no gozo dos bens. Empenhado em aumentar o patrimônio mediante especulação com cereais num ano difícil, Hekanakht não hesitou, por exemplo, em diminuir as rações no interior da unidade doméstica, querendo obter mais grãos para venda: é este o assunto da primeira carta contida em Hekanakht II. No caso dos herdeiros de Neshi, aparecem pressões para que se efetue a partilha definitiva do patrimônio até então coletivo. O fato de ocorrerem essas pressões, segundo parece, após quase três séculos de funcionamento da unidade doméstica torna evidente, por um lado, que a família que nucleava a unidade doméstica se ramificara a ponto de irem desaparecendo os sentimentos de real parentesco (a mãe de Mes declarou em um dos processos no tribunal do vizir que não reconhecia seu adversário Khay, nomeado administrador dos bens para todos os herdeiros, como “irmão”: N 7); por outro lado, que talvez, nessas novas condições, já não derivassem vantagens materiais suficientes para os membros da unidade doméstica da forma coletiva de gestão, ou que tais membros julgassem agir o administrador em proveito próprio e não para o bem coletivo, desejando, então, alguns dos herdeiros de Neshi dissolver o patrimônio da unidade doméstica maior mediante uma partilha. Por fim, no caso da sucessão de Neferhotep por Paneb à frente da unidade doméstica, o conflito parece haver decorrido, no nível econômico − pois havia outras áreas de atrito −, de que, nas novas condições, Paneb não estivesse disposto a partilhar a riqueza agora sob seu controle com o outro filho adotivo do capataz morto e com os numerosos irmãos de Neferhotep e suas famílias − o que configuraria a mudança de um tipo de unidade doméstica (múltipla) para outro (simples), tendo como resultado muitos perdedores.

Um assunto sobre o qual não formulei hipótese devido a analisar somente três casos, certamente relevante para os estudos econômicos, é o das dimensões das unidades domésticas no antigo Egito. A opinião de Annie Forgeau é que variariam com o status social dos seus chefes: a “casa” de um nobre da corte, ao compreender escravos, criados e agregados diversos, tenderia a conter mais pessoas do que a de um homem comum. A regra mais geral, segundo ela, seria um tamanho bastante restrito das unidades domésticas. Os egípcios se casavam relativamente cedo, mas a esperança de vida era baixa, o que teria como conseqüência, em média, uma coexistência breve entre as gerações; outrossim, a estrutura familiar, invariavelmente do tipo conjugal − o que é claro na documentação e confirmado pela extrema pobreza do vocabulário relativo ao parentesco −, significava que quase sempre os filhos e filhas deixassem a casa paterna ao casar-se, cada filho fundando sua própria casa (household), cada filha indo residir na casa (household) do marido. Não era incomum, porém, que parentes próximos viúvos ou órfãos (com maior freqüência, mulheres: a mãe, uma tia, irmãs solteiras) se agregassem a uma família conjugal, passando a integrar, portanto, a unidade doméstica por ela nucleada. Seja como for, não era comum que grupos domésticos extensos vivessem sob o mesmo teto.[20] No tocante aos casos que analisei, não temos dados sobre o tamanho de cada família conjugal no interior da unidade doméstica dos descendentes de Neshi, nem sobre a presença de escravos e agregados; vimos que, em determinado momento dos processos em justiça, ao ocorrer uma partilha depois revertida, os herdeiros eram seis. Quanto ao grupo doméstico de Hekanakht, o sacerdote funerário estava mantendo à sua volta filhos adultos, mesmo quando casados, além de outros parentes e alguns agregados (um trabalhador de confiança casado, criadas aparentemente solteiras): o grupo doméstico em questão não parece assim tão pequeno, mas a situação talvez fosse excepcional no relativo aos grupos domésticos “plebeus”. O mesmo quanto àquele de Paneb, já que, além da família conjugal, comportava, logo após a sucessão do chefe à herança de seu pai adotivo, pelo menos cinco escravos, provavelmente mais. Mesmo estando em conflito aberto com os parentes do falecido, Paneb provavelmente continuava a sustentar sua mãe adotiva. Entretanto, sabemos que as unidades domésticas de Deir el-Medina eram em geral relativamente pequenas, contendo cada uma, em média, cinco a seis pessoas.[21] Os capatazes e escribas da necrópole − e Paneb tornou-se um capataz − eram casos excepcionais na comunidade, já que seus ganhos permitiam manter um número maior de pessoas.

 



Notas:

 

[1] Cf. Max Weber. The theory of social and economic organization. Trad. A. M. Henderson e Talcott Parsons. New York: The Free Press, London: Collier-MacMillan, 1965, pp. 217-8: “A organização econômica (…) de monarcas como os faraós do Reino Novo pertence à mesma categoria  (…) que a de uma unidade familiar”; A. V. Chayanov. The theory of peasant economy. Homewood (Illinois): The American Economic Association-Richard D. Irwin, 1966. Minha opinião coincide com a de Marcelo Campagno, que contrasta, no antigo Egito, a lógica do parentesco com a lógica estatal: Marcelo Campagno. “De los modos de organización social en el antiguo Egito: lógica de parentesco, lógica de Estado”. In: Marcelo Campagno (org.). Estudios sobre parentesco y Estado en el antiguo Egipto. Buenos Aires: Ediciones del Signo, 2006, pp. 15-50.

 

[2] Daniel C. Snell. Life in the ancient Near East. New Haven-London: Yale University Press, 1997, pp. 154-8.

 

[3] Peter Laslett. “Introduction”. In: Peter Laslett e R. Wall (orgs.). Household and family in past time. Cambridge: Cambridge University Press, 1972, pp. 1-89; J. N. Postgate. Early Mesopotamia: Society and economy at the dawn of history. London-New York: Routledge, 1992, pp. 88-108.

 

[4] Marcelo Rede. Família e patrimônio na antiga Mesopotâmia. Rio de Janeiro: CEIA/UFF-Mauad X, 2007, pp. 23-4 e nota 27, p. 199. Ao citar, mudei “imateriais” por “não-materiais”, que acho preferível.

 

[5] Ver, para uma opinião contrária (restrita, porém, ao terceiro milênio a.C.): Juan Carlos Moreno García. “Consideraciones sobre el papel y la importancia de la familia extensa en la organización social de Egipto en el III milenio antes de Cristo”. In: Marcelo Campagno (org.). Op. cit., pp. 121-46.

 

[6] Marcelo Campagno. Op. cit., p. 21.

 

[7] T. G. H. James. The Hekanakhte papers and other early Middle Kingdom documents. New York: The Metropolitan Museum of Art Egyptian Expedition, 1962: lâminas I a XV. Publiquei uma tradução para português desses documentos em: Ciro Flamarion Cardoso. “Uma casa e uma família no antigo Egito”. Phoînix. 9, 2003, pp. 65-97.

 

[8] Cf. Edward Wente. Letters from ancient Egypt. Atlanta (Georgia): Scholars Press, 1990, pp. 58-63; R. B. Parkinson. Voices from ancient Egypt: An anthology of Middle Kingdom writings. London: British Museum Press, 1991, pp. 101-7. Meu presente resumo sobre a unidade doméstica de Hekanakht baseia-se na tese e no artigo que escrevi usando o arquivo privado do sacerdote funerário: Ciro Flamarion Cardoso. “Hekanakht: pujança passageira do privado no Egito antigo”. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 1993 (tese inédita apresentada em concurso para Professor Titular); Ciro Flamarion Cardoso. “Uma casa e uma família no antigo Egito”, ibidem.

 

[9] Outro documento aproximadamente da mesma época manifesta também a consciência que tinha um chefe de unidade doméstica do caráter unitário desta última: a carta do general Nehesu a seu sogro Kay, escrita num papiro de proveniência desconhecida. Kay, casado em segundas núpcias, é acusado por Nehesu de voltar-se contra a esposa deste, filha do primeiro casamento de Kay, por instigação dos filhos do segundo matrimônio. Ao mencionar um envio de cereais que não chegara ao seu destino, fica evidente no fraseado do texto uma visão unitária do general a respeito de sua unidade doméstica (household), semelhante à de Hekanakht: ver R. B. Parkinson. Ibidem, pp. 107-8.

 

[10] Comparar, por exemplo: Barry J. Kemp. Ancient Egypt: Anatomy of a civilization. London-New York: Routledge, 1991, pp. 241-8, para uma visão “formalista”; e Klaus Baer. “An Eleventh Dynasty farmer’s letters to his family”. Journal of the American Oriental Society. 83, 1963, pp. 16-7, para uma visão “substantivista”.

 

[11] Cf. por exemplo o que diz Janssen: “Claro que os egípcios eram humanos e gostavam de possuir riquezas, tentando obtê-las até mesmo ilegalmente, como provam os roubos de tumbas. Mas isto não equivale a lucrar na indústria e no comércio, o que implica a aplicação da lei da oferta e da demanda, produção para o mercado, etc. (...) Eu não sugiro que lucrar fosse de todo desconhecido dos antigos egípcios, mas parece-me altamente improvável que fosse o eixo da economia”. Jac. J. Janssen. “Prolegomena to the study of Egypt’s economic history during the New Kingdom”. Studien zur altägyptischen Kultur. 3, 1975, p. 139.

 

[12] Siegfried Morenz. Prestige-Wirtschaft im alten Ägypten. München: Bayerische Akademie der Wissenshaften, 1969.

 

[13] Pascal Vernus. “Quelques exemples du type du parvenu dans l’Égypte ancienne”. Bulletin de la Société Française d’Égyptologie. 59, 1970, pp. 31-47; M. Gutgesell. “Die Struktur der pharaonische Wirtschaft: eine Erwiderung”. Göttingen Miszellen. 56, 1982, pp. 95-109; M. Gutgesell. “Die Entstehung des Privateigentums an Produktionsmitteln im alten Ägypten”. Göttingen Miszellen. 66, 1983, pp. 67-80. Um exemplo assumido de “parvenu” em escala menor aparece numa estela da mesma época de Hekanakht, a do sacerdote Mentuhotep. Este se gaba de que, embora houvesse  ficado órfão, por seus próprios esforços obtivera uma bela casa com um lago no jardim e um rebanho: Janine Bourriau. Pharaohs and mortals: Egyptian art in the Middle Kingdom. Cambridge: Cambridge University Press-Fitzwilliam Museum, 1988, pp. 21-2.

 

[14] G. A. Gaballa. The Memphite tomb-chapel of Mose. Warminster: Aris & Phillips, 1977: contém, quanto ao que aqui interessa, o assim chamado “texto legal” da tumba em egípcio (transcrição e fotos), com tradução e comentários. Ver também: T. G. H. James. Pharaoh’s people: Scenes from life in imperial Egypt. London: The Bodley Head, 1984, pp. 93-7.

 

[15] Torgny Säve-Söderbergh. The navy of the Eighteenth Egyptian Dynasty. Uppsala: Lundequistka; Leipzig: Otto Harrassowitz, 1946, pp. 5, 89.

 

[16] Leonard H. Lesko. “Introduction”. In: Leonard H. Lesko (org.). Pharaoh’s workers: The villagers of Deir el Medina. Ithaca-London: Cornell University Press, 1994, pp. 1-8.

 

[17] Barbara S. Lesko. “Ranks, roles, and rights”. In: Leonard H. Lesko (org.). Ibidem, pp. 15-39; Morris L. Bierbrier. “Genealogy and chronology: theory and practice”. In: R. J. Demarée e A. Egberts (orgs.). Village voices. Leiden: Centre of Non-Western Studies (Leiden University), 1992, pp. 1-7.

 

[18] John Romer. Ancient lives: The story of the pharaoh’s tombmakers. London: Weidenfeld & Nicolson, 1984, pp. 60-7, 79-87; Morris Bierbrier. The tomb-builders of the pharaohs. London: British Museum Publications, 1982, pp. 107-11.

 

[19] Sobre as atividades rurais e diversos outros aspectos da vida econômica dos artesãos e administradores de Deir el-Medina, ver: Andrea G. McDowell. “Contact with the ouside world”. In: Leonard H. Lesko  (org.). Op. cit., pp. 41-59; Edward Wente. Op. cit. (ver a nota 8 supra), pp. 132-70.

 

[20] Annie Forgeau. “La mémoire du nom et l’ordre pharaonique”. In: André Burguière et alii (orgs.). Histoire de la famille: 1. Mondes lointains. Paris: Armand Colin, 1986, pp. 200-2.

 

[21] Idem, ibidem, pp. 201-2.