REVISTA
CANTAREIRA
http://www.historia.uff.br/cantareira
ISSN 1677–7794
cantareira@historia.uff.br
CANTAREIRA – Revista Eletrônica de História
Volume 3
– Número 3
– Ano 4 –
Jul. 2007
Editor – Izabela Gomes Gonçalves
Universidade Federal Fluminense (UFF)
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF)
Departamento de História
Campus
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Ficha Catalográfica
Revista Cantareira – Revista Eletrônica de História Volume 3, Número
3, Ano 4, Jul. 2007 Disponível em:
http://www.historia.uff.br/Cantareira 1. História Geral; 2. Historiografia |
Lukas Grzybowski[1]
RESUMO
Este artigo tem por objetivo analisar o que foram os castelos medievais e o que eles representavam em sua época em termos de poder e dominação. Partindo do momento em que essas estruturas surgem na Europa, pretendo analisar suas estruturas principais, funções, e suas relações com o poder local e central. Não se trata, no entanto, de um estudo com fontes medievais sobre castelos, nem um ensaio sobre arquitetura, ou ainda menos simbologia. É apenas um exercício em que busco aproximar as diversas facetas desse fenômeno medieval, que é o castelo, apresentadas na historiografia, traçando um perfil mais amplo do que efetivamente foram esses castelos.
ABSTRACT
This article we will analyse what
were the medieval castles and what was the meaning of it’s presence for the
local power and feudal domination. We will start with de firsts appearences of
medieval castles in
Castelo é um diminutivo de castro, e, por isso, a palavra aparece
muitas vezes sob as formas crastelo, cristelo, etc. Primitivamente
significaria uma fortificação isolada, mas é provável que, desde muito cedo,
fossem construídos sobre os antigos castros lusitano-romanos, situados em
pontos facilmente defensáveis e cujas muralhas eram, muitas vezes, cercados
constituídos de rochas naturais, a que se acrescentavam muros nos pontos em que
eles se interrompiam[2].
Originalmente, um castelo era uma fortaleza construída para proteger posições
estratégicas do ataque inimigo ou para servir como base militar para exércitos
Os castelos primitivos confiaram na paisagem circunvizinha para fornecer muita da proteção. Os castelos eram raramente o lugar o mais confortável a viver, sendo que somente ao senhor e sua família eram dados o calor adequado e outros confortos. Os castelos medievais foram construídos para a segurança, não conforto. Janelas eram pouco mais do que fendas na parede. Frios, os assoalhos de pedra e as paredes raramente mantinham o calor, e a água tinha que ser trazida com tonéis de fora das muralhas. As paredes eram altas para proteger dos exércitos inimigos, e para fornecer posições de vigia favoráveis. Populações procurando proteção de povos invasores começou a construir vilarejos em torno dos castelos construídos.
Os canhões e a pólvora fizeram dos castelos estruturas ineficazes. Assim sendo, estas grandes estruturas evoluíram em fins da idade Média e inícios do Renascimento, tornando-se residências e palácios de grandes senhores rurais.
Com esse breve texto pretendo trazer informações mais precisas, num primeiro momento, sobre esse tipo de construção, seus detalhes arquitetônicos, sua história e seus mitos. Essa primeira parte irá então me levar a um segundo momento onde estarei trabalhando especificamente com os castelos medievais portugueses, seus aspectos arquitetônicos, bem como a simbologia que envolvia esses castelos na monarquia portuguesa medieval.
Os castelos não são uma realidade antes do século X. Por mais que existam nas crônicas e nos anais referências a locais fortificados nomeados de castella, castra oppida, munitiones, roccae, petrae, speluncae, esses se referem a cidades que conservaram suas muralhas baixo-imperiais; ou fortalezas rurais, raras e mal caracterizadas. Não que não existissem fortificações antes desse período, mesmo fora das cidades, mas suas características se ligam muito mais a refúgios do que a castelos. As características desses lugares, segundo Gabriel Fournier, são: as defesas são asseguradas essencialmente pela natureza; às vezes um fosso largo e uma muralha de terra cortam a extremidade de um planalto.[3] Locais com características semelhantes a esses (oppida), como os husun da Espanha muçulmana eram essencialmente refúgios, diferentemente dos semelhantes franceses que por vezes apresentavam uma população permanente. Esses locais eram constituídos de uma região vasta, onde as populações podiam recolher seus rebanhos e montar suas tendas, sendo circundados por uma muralha de concepção simples e apresentando grandes cisternas.[4]
O surgimento dos castelos está diretamente ligado ao processo de formação do senhorio[5], denominado nas fontes medievais como dominatio, dominium ou potestas.[6] O poder que esse senhorio gera se fraciona após o ano mil, num processo em que o poder passa a ser exercido quase que exclusivamente no âmbito local.[7] É a partir do século X, mais precisamente após 950 d.C. que se começam a construir fortalezas já não destinadas a proteger uma aglomeração ou um mosteiro, mas a vigiar as áreas vizinhas contra qualquer tipo de desordem. A torre, elemento principal dos castelos surgidos a partir de então, é “ao mesmo tempo a sede e o símbolo do poder de coerção, do dever de proteger, do direito de comandar e punir”.[8] Era então um novo tipo de fortificação, quase sempre independente duma aglomeração. O surgimento de tais estruturas arquitetônicas coincidiu com a emergência do sistema feudal na França e Inglaterra. A atomização do poder, particularmente na França, onde o processo foi mais visível, dividiu a organização social em pequenas células, estas chamadas castelanias. De fato o senhorio se diferenciava dos patronatos privados, pois ele cobria um certo território, pelo qual o poder senhorial se estendia, em uma analogia diminuta do poder dos reis ou condes. Algumas funções surgem nesse âmbito e com elas, termos que as representam. Nesse sentido merece destaque, pelo nosso objeto de estudo, o surgimento, na região de Charente, do termo castellania. Esse termo surge por volta de 1060 evocando o “núcleo da nova célula política, o castrum, o castelo, a torre”.[9]. Recebiam esse nome porque se organizavam em torno de um castelo, de origem publica muitas vezes, mas que se havia patrimonializado, ou privatizado, e que constituía a sede do verdadeiro poder.[10]
A tese mais geralmente aceita é a da raridade dos castelos após o ano mil. No entanto há uma outra tese que contradiz essa primeira e diz que devido à consolidação do modelo feudal ocorreu uma certa “anarquia” no que diz respeito ao poder centralizado e por isso muitos castelos teriam sido construídos. M. de Boüard sustenta que a crença na relativa raridade das fortalezas se deve à influência de uma “concepção legalista” da origem das estruturas feudais.[11] Georges Duby também ressalta que existe uma “surpreendente quantidade” mottes[12] – ou castelo sobre colina artificial – na França. É desse tipo de castelo que iremos tratar adiante.
No norte da Europa e na Inglaterra a multiplicação dos castelos favoreceu
o desaparecimento do poder real em meados do século XII. Em outras regiões a
rede de castelos constituiu-se básica na defesa dos territórios recém conquistados,
sendo que formavam uma espécie de limes. Isso se verifica tanto no leste
da França quanto na península, nos limites da
reconquista.[13]
As colinas são muito numerosas também na Alemanha atual, nos países baixos, na Dinamarca e na Polônia. Entretanto na Dinamarca e na Polônia as colinas são construídas somente a partir do séc. XIV, ao contrário das encontradas na França e Inglaterra, que não são mais construídas após o séc. XIII.[14]
No século XI e XII os castelos, por sua arquitetura, começaram a ser chamados “românicos”, numa associação com o movimento arquitetônico que predominava nas construções eclesiásticas do mesmo período. Veremos mais adiante que o mesmo acontecerá com o período gótico. Essa associação não é sem razão, tendo em vista que as construções vernaculares acabam por incorporar certos elementos arquitetônicos das igrejas e mosteiros, tais como a forma das aberturas, o tipo de sustentação e o sentido da construção. Nem tudo, no entanto, pode ser associado, e alguns historiadores sugerem inclusive que não se deva usar essa terminologia para construções não eclesiásticas.[15]
No período que mencionamos acima, surgem, na realidade, diversos tipos de castelos, os quais podemos agrupar em três formas principais: os castelos com torreão maciço, como o de Loches; a muralha regular, sem torreão, como em Carcassone; e os castelos onde um torreão reduzido é cercado por diversas muralhas, como em Gisors.
No século XIV surgem inovações técnicas que visam adaptar os castelos ao advento das armas de fogo. Os castelos incorporam então elementos de uma defesa mais ativa, e passam a apresentar um plano arquitetônico que visa minimizar os danos das armas pirobalísticas. Para isso incorporam muralhas mais grossas, barbacãs, muralhas duplas, baluartes e bastiões. Essas inovações irão caracterizar os castelos modernos a partir do século XV, que nosso recorte não abrange.[16]
MOTTES
A localização dos castelos era escolhida geralmente em função das vantagens geográficas e estratégicas que o terreno fornecia. Eles tinham a função de, antes de tudo, vigiar os caminhos e rios navegáveis.
O castelo construído sobre uma colina artificial, denominada motte, surge juntamente com o sistema feudal e rapidamente se tornou a materialização e o signo de novos poderes.[17] Inicialmente esses castelos constituíam numa torre sobre um montículo, protegida no topo por uma paliçada e na base por um fosso, como bem representa a tapeçaria de Bayeux, do século XI. Esse tipo de castelo tem por características uma torre de madeira, montada sobre uma elevação artificial (motte), sendo ambas inseridas num dispositivo mais amplo que comporta uma ou várias muralhas de terra, constituindo os pátios baixos, chamados bailey. Esse tipo de construção corresponde ao período de pleno desenvolvimento do feudalismo no ocidente, entre os séculos XI e XII.[18]
Georges Duby nos descreve muito bem o que é um motte no seguinte trecho:
Quando não está implantada
numa escarpa, numa rocha, a torre ergue-se no topo de um montículo de terra de
uns dez metros de altura, e cuja plataforma não tem mais de dez metros
quadrados. É o ‘outeiro’, cercado do fosso cavado para erguê-lo.
O outeiro domina o ‘pátio’ cercado de aterros menores por onde se espalham as
construções de residência e serviço.[19]
Existe muita diferença entre as diversas motte tanto na morfologia
quanto nas dimensões. Existe um certo padrão quanto ao modo de construção
dessas colinas sendo que não costumam ser muito altas, geralmente não
ultrapassando
Mas a torre e a colina não compreendem a totalidade do castelo. Normalmente esse ainda é composto por muralhas, podendo ser uma ou várias concêntricas; geralmente de madeira ou terra. Ao abrigo dessas muralhas se erguem outros edifícios e habitações. No conjunto do dispositivo a localização da colina pode variar, podendo ser central ou estar num “canto” das muralhas. Quando ela está em posição mais exposta é chamada “colina-barragem”; quando no centro do dispositivo é a “colina-reduto”. O número de colinas também pode variar, podendo um mesmo castelo apresentar duas ou três colinas.
O número de colinas construídas nos leva a considerar a importância desse tipo de construção. As colinas artificiais são muito numerosas em todo ocidente europeu: são mais de 700 na Inglaterra e País de Gales, 90 na região de Charente, 250 na Normandia e 80 no Isère.
Nem todos os castelos das regiões montanhosas adotaram essa morfologia do motte. Há menções na primeira metade do século XI a um outro tipo de castelo, a Rocca.
A rocca é um tipo especial de castelo motte no qual a infraestrutura rochosa e a superestrutura construída sobre essa base formam um todo. Essas fortalezas têm origens geralmente modestas e se reduzem geralmente a apenas uma torre. Ocorrem no Languedoc e com mais freqüência nos Pirineus, na Espanha e no sul do Maciço Central da França. É a esse tipo de construção que Duby se refere quando escreve “quando não está implantada numa escarpa, numa ‘rocha’”.[20]
Esses castelos, como já foi dito anteriormente, eram chamados inicialmente de “românicos” e posteriormente como “góticos”, de acordo com o período em que foram construídos e de algumas características arquitetônicas que apresentavam. Algumas dessas fortalezas surge no século XII, mas as datas anteriores ao século XIII são em sua maioria duvidosas.
Essas estruturas surgiram com funções essencialmente militares. Eram responsáveis pela ocupação e defesa de territórios. Construídos em sua maioria com materiais duros, senão a pedra, os tijolos, como no caso germânico, esses castelos foram projetados para resistir às novas técnicas bélicas e aos novos armamentos. No entanto eram projetados para oferecer uma resistência pacífica, no caso dos castelos “românicos”, valendo-se de suas elevadas muralhas e do difícil acesso.
A construção primordial nessas fortalezas, que constituía o prédio principal de toda a estrutura da fortaleza, era o torreão. Na França se chama Donjon[21], na Inglaterra Keep e em Portugal, Torre de Menagem.
A partir do século XIII, com o aumento do numero desses castelos começam a surgir variantes em seu formato. Também surgem algumas inovações técnicas, que conferem um caráter mais ofensivo ao castelo. Surgem as seteiras, as abóbadas, e plantas que se tornam mais regulares e funcionais, geométricas.[22]
É preciso lembrar que essas mudanças não são uniformes em todas as regiões da Europa, sendo que a península Ibérica, por exemplo, só verá parte dessas inovações no século XIV. Outra questão a se lembrar é que essas fortalezas são construídas onde já havia um castelo do tipo motte, e muitas vezes ela é apenas um aperfeiçoamento dessa estrutura mais antiga. Assim sendo vemos em alguns castelos o torreão ainda numa posição central, quando a tendência era de construir esse torreão junto das muralhas, geralmente num dos ângulos da muralha, passando a ser apenas mais uma torre de muralha, ou uma torre mestra de muralhas.
Tais progressos ocorrem inicialmente nas fortalezas reais, como parte de um plano traçado para reafirmação do poder real. Esse tipo de proposta é observada na França, no Sacro Império Romano-Germânico, na Inglaterra e na Península Ibérica. Vemos, no entanto, que muitos senhores ainda construíram tais fortalezas. Essas fortalezas, que a partir de meados do século XIII são conhecidas por “góticas”, tinham planos muito ambiciosos, eram grandes e imponentes, e, conseqüentemente, eram muito caras, o que acabou arruinando as fortunas de muitos senhores, que tiveram de se endividar para concluir seus castelos.[23] Vê-se que somente os reis ou príncipes tinham condições de construir tais empreendimentos, pois estavam financiados pelos impostos.
Percebemos então que as construções e inovações arquitetônicas nos castelos estão bastante ligadas ao fortalecimento do poder central. No século XIV, quando isso é mais evidente, observamos também um rápido progresso das técnicas arquitetônicas, financiado pelo rei. É nessa época que se generalizam as pontes levadiças, ocorre a substituição das sacadas de madeira por arremates salientes em pedra, as ameias, os terraços, as barbacãs, as câmaras de tiro, as troneiras.[24]
Esses castelos não podiam ser construídos por qualquer pessoa a princípio. Sua realização era restrita aos detentores locais ou regionais do bannum, que recebiam esse direito do monarca na maioria das vezes, sendo que até os primeiros Capetos, num período em que a monarquia francesa ainda estava se consolidando, fizeram questão nisso.[25] Duby afirma, no entanto, que “um terço deles [os castelos] está nas mãos de personagens cuja ligação com os delegados do poder régio não ficou claramente estabelecida”.[26] A construção, a manutenção de um castelo e a sua guarda, eram, mesmo para castelos de madeira, muitos dispendiosos, sendo que esse era mais um fator que impossibilitava a sua construção por qualquer pessoa.
O direito de fortificar, ligado ao poder de comando, é um direito público, originalmente régio. No entanto, mesmo sendo o castelo construído sem autorização do príncipe, em terras patrimoniais do castelão, ou que este seja delegado por uma autoridade pública, o fato é que o ban (direito de armar, conduzir e fortificar) era constantemente usurpado pelo detentor do castelo. O castelo é um elemento característico da primeira idade feudal, pois enraíza o poder no solo, na região onde está inserido. Em torno da colina gravitavam os indivíduos que possuem vínculos senhoriais com o alcaide.
É nesse sentido que a colina se tornou o símbolo do poder, mais do que o
castelo
Na França os condes, senhores de grande projeção local, foram os maiores edificadores de castelos. Mas, de maneira análoga ao que ocorreu no âmbito mais geral da França, eles perderam muitas vezes o controle sobre a edificação de novos mottes. Acredita-se que os senhores deviam, em princípio, autorizar toda nova construção em suas áreas, mas observa-se que nem sempre isso ocorria realmente, sendo que muitas vezes era difícil a esses senhores controlar os edifícios que estavam nas mãos de seus “delegados”, os alcaides.
Guilherme, o Conquistador, prevê já um controle sobre a construção de fortificações na Inglaterra, uma vez que percebe a importância estratégica dessas construções. Haviam exigências quanto à autorização para a construção de muralhas nas cidades, e os mottes e torreões novos estavam proibidos. Segundo Duby isso “é a prova evidente (...) de uma pressão que os príncipes do meado do século XI tentavam conter”.[29] Segundo J. Boussard, a Inglaterra de Henrique II Plantageneta não contava com mais de 250 castelos, dos quais 75 estavam nas mãos do monarca e os demais se distribuíam entre prelados, vassalos diretos e indiretos do rei.
Apesar da torre ser uma sede de dominação, onde normalmente se encontra um chefe detentor dos poderes já mencionados, o castelo de colina não está necessariamente sempre associado ao senhorio castelão. Existem casos em que as torres são construídas para abrigar uma família aristocrática, rica em posses, mas desprovida de poder de comando.
Os castelos não eram somente a base de um sistema militar, eles se tornaram os centros do verdadeiro poder. “A função da torre é militar, e talvez basicamente simbólica”.[30] Por isso é em torno dos castelos que, durante o feudalismo, se organizava a sociedade. O poder do alcaide era determinado por um território onde o castelo exercia sua influência. Devido a essa subdivisão territorial, a unidade jurisdicional básica também se modificou em toda a Europa. Na França, por exemplo, passou do comitatus do período carolíngio, ao pagus, mais restrito, menor.
Os antigos poderes de juiz-delegado dos senhores locais passaram para os alcaides, funcionários nomeados pelos monarcas, ou por grandes senhores, no mesmo momento em que as jurisdições – no sentido geográfico – foram alteradas com a inserção de novas circunscrições. Os habitantes que estavam sob a guarda do castelo deviam obrigações para com o alcaide, derivando daí muito de seu poder.
No período de maior atomização dos poderes centrais a unidade de poder mais concreta é a castelania, em clara associação do poder com o castelo, num momento em que se incrementa ainda mais o poder dos castelãos, os quais detinham poderes judiciais, políticos e militares sobre as áreas que dominavam. Este é o momento onde o poder do rei está muito diminuído.[31]
A sociedade leiga está dividida neste período, aos olhos dos homens da igreja que sobre ela escreviam, no século XI, em dois grupos: os guerreiros, ou milites, e os camponeses, rustici. Os primeiros dominavam os castelos, ou participavam de sua estrutura de poder no nível dos dominadores, enquanto os segundos eram os dominados. Na interação desses dois grupos surgem as relações que serão marcantes para a Idade Média, especialmente na França, o senhorialismo. Essa relação está baseada em uma via de mão dupla e é em torno do castelo que ela pode ser mais bem visualizada. O alcaide, que domina o castelo, oferece, juntamente com seus cavaleiros, proteção aos rústicos[32] de suas terras, bem como aqueles que estão de passagem, e também deve exercer a justiça, punindo, ou vingando. Em contrapartida esse senhor espera que ele e seus homens sejam sustentados pelos seus protegidos, que esses rústicos trabalhem nas suas propriedades, as corvéias, e que lutem por ele, na sua infantaria, quando sair em alguma expedição belicosa.[33]
Essa é, sem dúvida, uma realidade francesa, onde o feudalismo foi mais característico. Na Inglaterra e na Península Ibérica não se observa esse tipo de esvaziamento do poder régio. Na Inglaterra os reis eram mais fortes e isso dificultou o surgimento dos senhorios castelões.[34] Em Portugal a presença de uma monarquia mais centralizada também foi desfavorável a essa atomização de poder. No Sacro Império Romano Germânico ocorre um processo ainda distinto, pois o poder de construir os castelos foge ao imperador, porém os príncipes, usurpadores de tal poder, cuidam para que esse poder não lhes escape, reservando a si mesmos o direito de controle sobre os castelos e alcaidarias.[35]
Na França o território dominado pela torre era o distrito e quem comandava essa torre era o dominus, o senhor das terras, alcaide em Portugal, mas ele não o fazia sozinho, pois não podia. O senhor das terras se valia do rito de homenagem, através do qual firmava alianças com seus guerreiros, alianças entre parceiros, que aprendiam a conviver, a trocar ajudas e conselhos, como numa família.[36] Desse ritual deriva o nome dado em Portugal para a torre, a Torre de Menagem. O espaço onde o senhor recebe as homenagens de seus cavaleiros, e onde presta homenagens a seu rei.[37]
É através do domínio dos castelos que então vemos a construção da sociedade medieval. É a sociedade feudal de que tratam tantos medievalistas, em tantos livros e em tantos aspectos.
Ao fim desse artigo, que não se pode dizer finalizado, tendo em vista a vastidão de aspectos que ainda podem ser trabalhados, posso apontar algum as conclusões a que pude chegar.
Inicialmente o que pude perceber é que os castelos sempre são tratados de modo geral, como se fossem, primeiro, uma realidade em toda a Europa medieval, segundo, que os castelos sempre evoluíram dentro de padrões fechados, apresentavam as mesmas características arquitetônicas e as mesmas funções, que estavam concentrados nas mãos de senhores poderosos e que, portanto, eram o marco da ausência de poderes centrais na Europa medieval.
No entanto, ao me aprofundar no estudo dessas estruturas pude perceber que elas possuem muitas especificidades regionais. Que os castelos construídos em Portugal, na Itália, no Sacro Império, na Inglaterra, diferem em muito, tanto na sua estrutura, nas suas funções, nas suas evoluções, dos castelos de outras regiões. Sendo assim é possível afirmar que a realidade francesa só é aplicável à França assim como a portuguesa só se refere ao país ibérico.
Também pude perceber que os castelos estão diretamente ligados à questão de poder, mas ao contrário do que se imagina, eles representam na maioria das vezes o poder central, pois fazem parte de uma estratégia da monarquia no sentido de controlar seus territórios, de defender suas fronteiras, de se mostrar presente através de funcionários nomeados, os alcaides, nas diversas regiões do reino.
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SERRÃO, Joel (dir.). Dicionário de história de Portugal. Iniciativas Editoriais. [S. l.]
[1] Por
Lukas Grzybowski
, mestrando
[2] SERRÃO,
Joel (dir.). Dicionário de história de Portugal. Iniciativas
Editoriais, v.1, p. 523.
[3] LE GOOF, J. e SCHMITT, J.-C. Dicionário temático do ocidente medieval. São Paulo, Edusc, trad. Hilário Franco Junior, 2002. Verbete “Castelo”.
[4] Idem.
[5] FOURQUIN, Guy. Senhorio e feudalidade na Idade Média. Lisboa, Edições 70, trad. Fátima Martins Pereira, 1970.
[6] DUBY,
Georges. A Idade Média na França (987-1460): de Hugo Capeto a Joana d’Arc.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, trad. Clóvis Marques. 1992. p. 69.
[7] Idem.
[8] Idem, p. 70.
[9] Idem, p. 70.
[10] LE GOOF,
J. e SCHMITT, J.-C. Op. Cit.
[11] FOURQUIN, Guy. Op. Cit.
[12] Também denominado, em português, por Outeiro. No entanto a opção aqui é trata-los pela nomenclatura “motte” por ser mais difundida e compreensível não somente no âmbito português.
[13] FOURQUIN, Guy. Op. Cit.
[14] LE GOFF,
J. e SCHMITT, J.-C. Op. Cit.
[15] Idem.
[16] Idem.
[17] FOURQUIN, Guy. 1970.
[18] LE GOFF,
J. e SCHMITT, J.-C. Op. Cit.
[19] DUBY, Georges. Op. Cit. p. 71.
[20] DUBY, Georges. Op. Cit. p. 71
[21] Segundo Duby: “em francês, donjon, termo que, como a palavra danger (perigo), deriva de dominium, que exprime o poder do senhor.” Idem.
[22] LE GOFF,
J. e SCHMITT, J.-C. Op. Cit.
[23] Idem.
[24] Idem.
[25] FOURQUIN, Guy. Op. Cit.
[26] DUBY, Georges. Op. Cit. p. 73
[27] Idem. p. 74
[28] Idem. p. 73
[29] Idem.
[30] Idem. p. 71.
[31] FOURQUIN, Guy. Op. Cit.
[32] Do conceito de Rustici. Sobre esse tema ler FRIGHETTO, Renan. Cultura e poder na antiguidade tardia ocidental. Curitiba: Juruá. 2003.
[33] DUBY, Georges. Op. Cit. pp. 77 –
78.
[34] FOURQUIN, Guy. Op. Cit.
[35] Idem.
[36] DUBY,
Georges. Op. Cit. pp. 80 – 81.
[37] Em
Portugal vale sempre relembrar que os castelos ainda estão muito vinculados ao
poder monárquico, em parte pela ausência de grande quantidade de famílias de
grupos nobiliárquicos, em parte pelo contexto de reconquista, que exigia por
parte da coroa um esforço concentrado na ocupação dos territórios
reconquistados, em especial a ocupação militar, a presença de castelos que
configuravam locais sólidos de presença portuguesa e garantiam a paz da população
“colonizadora” (segundo João Gouveia Monteiro