REVISTA
CANTAREIRA
http://www.historia.uff.br/cantareira
ISSN 1677–7794
cantareira@historia.uff.br
CANTAREIRA – Revista Eletrônica de História
Volume 2 – Número
4 – Ano
3 – jul. 2006
Editor –
Mauro Henrique Barros Amoroso
Universidade Federal Fluminense (UFF)
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF)
Departamento de História
Campus
do Gragoatá - Bloco O - 5º andar - Niterói - RJ -
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Editor Responsável
Mauro Amoroso
Editores
Alexandre Camargo
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Fabrício
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Hagaides
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Priscila
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Richard Negreiros de Paula
Editores Correspondentes
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Erneldo Schallenberger
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Designer gráfico
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Ficha Catalográfica
Revista Cantareira – Revista Eletrônica de História Volume 2, Número 4, Ano
3, jul. 2006 Disponível em: hhttp://www.historia.uff.br/Cantareira 1. História Geral; 2. Historiografia |
Ronaldo Rogério de Freitas
Mourão[1]
RESUMO: Apesar das origens européias e inspiração de católico, o Carnaval brasileiro é célebre mais como um banquete profano que um evento religioso. Em finais de o 19º Século, o cordões foram introduzidos em Rio de Janeiro que consistiu em grupos das pessoas que caminhariam nas ruas tocando música e dançando. O cordões eram os antepassados das escolas de samba modernas Estas escolas de samba verdadeiramente são organizações que trabalham todo o ano para se preparar para o desfile das escolas de samba. Durante o Carnaval, estes que escolas de samba são formadas por pessoas que vestem em fantasias de acordo com certos temas de ciência, ou celebrar os eventos científicos.
PALAVRAS-CHAVE: Carnaval, ciência, enredo, escola de samba, astronomia, DNA, big-bang, antimateria, cometa, Lua, planetas.
ABSTRACT: Despite the European origins and
Catholic inspiration, the Brazilian Carnival is celebrated more as a profane
feast than a religious event. In the late 19th Century, the cordões were introduced in Rio de Janeiro, which
consisted of groups of people who would walk on the streets playing music and
dancing. The cordões were ancestors of the modern samba schools These schools
of samba are truly organizations that work all year in order to prepare
themselves for the samba schools parade.During the Carnival, these samba schools
are formed by people who dress in costumes according to certain themes of
science, or to celebrate the scientif events.
Key-words: Carnival,
science, plot, samba school, astronomy, DNA, big-bang, antimatter, comet, Moon,
planets.
A vida humana está associada a fenômenos astronômicos e a ciclos naturais, tais como o ano e o dia que permitiram a elaboração dos calendários civis e religiosos, onde as grandes festas universais, como a Páscoa, o Natal, etc., constituem lembranças astronômicas de grande importância histórica e econômica para a época em que foram instituídas. Muitas dessas tradições de origem pagã foram absorvidas pelas religiões atuais do mundo ocidental. A grande maioria dos foliões do nosso carnaval, ao se divertirem, não sabe que estarão inconscientemente fazendo apelo a uma reminiscência astronômica de origem solar. De fato, na Antigüidade a importância dos astros era enorme na vida econômica e social. Como não possuíssem um calendário preciso que lhes permitisse prever com segurança a ocorrência do início das estações e, portanto, a época da semeadura e colheita - eram os povos primitivos, em especial os camponeses, obrigados a observar o céu. Em função de determinadas estrelas muito brilhantes sabiam com antecedência quando iria ocorrer a chegada da primavera, do verão, do outono e do inverno. Por outro lado, a observação astronômica, além de ser motivada pela sua principal atividade econômica - a agricultura -, era estimulada também pela ausência de luz nas grandes metrópoles da época, o que facilitava muito a observação dos astros. Com efeito, a feérica iluminação das grandes cidades modernas tem afastado o antigo hábito de observação do céu. Assim, ofuscados pelas luzes, não vemos os astros, que regem a nossa vida social em virtude de toda uma série de tradições de origem astronômica que foram estabelecidas pelas civilizações que nos antecederam.
Desde as mais recuadas eras, os diferentes povos estabeleceram algumas festas de grande alegria. Assim, encontram-se entre os egípcios as festas de Ísis – deusa antropomórfica da magia e da ressurreição -, e do Touro Ápis – deus da fecundidade e do renascimento, representado por um touro branco com um disco solar entre os chifres -; as dionisíacas – as danças e festas em homenagem ao deus Dionísio - festa em honra de Baco, deus do vinho, entre os romanos; entre os gregos; as lupercais – festas ao Luperco ou Pã, deus protetor dos pastores e dos rebanhos comemorado em 15 de fevereiro, na Roma Antiga -, e as saturnais – festas a Saturno, deus da agricultura, celebrado entre os dias 17 e 19 de dezembro, quando se comemorava a semeadura da safra, entre os romanos. Todas envolviam festins, danças e disfarces. Embora seja muito difícil caracterizar a origem verdadeira do Carnaval, parece que os nossos atuais festejos estão intimamente associados às duas últimas festas romanas.
Logo após o início do ano-novo, os
romanos, nas calendas de janeiro, comemoravam as
saturnais, festas instituídas por Janus em memória do
deus Saturno que, segundo a lenda, teria transmitido a arte da agricultura aos
italianos. Durante as saturnais, as distinções sociais não eram levadas em
consideração. Os escravos ocupavam os lugares dos seus patrões que os serviam à
mesa. Nesse período não funcionavam os tribunais e as escolas. Os julgamentos
eram suspensos e os condenados não podiam ser executados. Interrompiam-se toda
e qualquer hostilidade. Os escravos percorriam as ruas cantando e se divertindo
na maior desordem. As casas eram lavadas e purificadas. As pessoas de um certo
nível social preferiam se retirar para o campo, durante as saturnais, o que
permitia ao povo celebrar com maior alegria esse período de liberdade.
Numa seqüência lógica aos excessos
libertários, os romanos procediam à sua purificação pelas comemorações das lupercais, festas celebradas em 15 de fevereiro, em
homenagem ao Deus Pã, matador da loba que aleitara os
irmãos Rômolo e Remo, fundadores de Roma segundo a
lenda.
Nesses festejos celebrava-se o
princípio da fecundidade. Durante as comemorações das lupercais,
untados em sangue de cabra e lavados com leite, os lupercos
nus, com uma pele de um bode sobre os ombros, saíam pelas ruas batendo nos
pedestres com uma correia de couro. As mulheres grávidas saíam às ruas e se
ofereciam às correadas nas
esperança de escaparem às dores do parto. Por outro lado, as mulheres com
desejo de possuírem um filho também procuravam ser atingidas
pelos golpes das correias dos lupercos na esperança
de virem a engravidar.
Como todos esses festejos, que
consistiam essencialmente em mascaradas, disfarces e danças, já estivessem de
tal modo implantados nos costumes quando do aparecimento do cristianismo, a
igreja só teve uma saída: adotou-os e, ao mesmo tempo, procurou santificá-los.
De fato, o carnaval parece ter tido
origem nessas antigüíssimas comemorações pagãs, em
geral de grande alegria e liberalidade, que eram celebradas durante a passagem
do ano e com o objetivo de anunciar a próxima chegada da primavera. Com efeito,
o atual carnaval era o tempo de regozijo, que ia desde a Epifania
(6 de janeiro ). até a
quarta-feira de Cinzas. Com o tempo, essa festa acabou limitada aos últimos
dias que antecediam o início da Quaresma, período de 40 dias que vão da
quarta-feira de Cinzas até o domingo de Páscoa, e durante os quais os católicos
e ortodoxos fazem sua penitência.
O período carnavalesco variou e ainda varia segundo as tradições de cada país. Assim, parece que ele se iniciava primitivamente na Idade Média, em 25 de dezembro, incluindo a festa de Natal, o dia do ano-novo, e a Epifania. Mais tarde, passou a ser comemorado desde o dia de Reis até um dia antes das Cinzas. Em alguns lugares da Espanha, sua comemoração inclui também a quarta-feira de Cinzas. Em alguns países só se comemora na terça-feira, ao passo que no Brasil é festejado no sábado, domingo, segunda e terça-feira.
Nos primeiros decênios do século XX, o
jornalista Francisco Guimarães – o conhecido Vagalume
-, percebendo que o sábado de Aleluia se distanciava muito do período
carnavalesco, introduziu no Rio de Janeiro a Mi-Carême (Meia Quaresma)
importada da França. Esta festa parisiense foi comemorada no Rio, nos anos de
1920 até 1922, anualmente. O vocábulo Mi-Carême foi abrasileirado em Micareta ou Micarema, cuja
comemoração é muito comum nas cidades do nordeste, principalmente em Feira de
Santana. De fato, nessa cidade bahiana, comemora-se a
Micareta, anualmente, na quinta-feira da terceira
semana da Quaresma. Ao contrário, do que ocorreu no Rio, a festa carnavalesca
realiza-se 15 dias após a Páscoa. Ela surgiu, em Feira de Santana, em 1937,
quando choveu muito durante o período do Carnaval e foi decidido que a festa de
Momo fosse transferida para o mês de maio daquele mesmo ano. Em virtude do
grande sucesso é habito até hoje, em Feira de Santana, comemorar um segundo
carnaval também após a Páscoa.
Esses festejos de janeiro e fevereiro,
ligados às antigas festas pagãs de abertura do ano, estão associados, como já demonstraram
os peritos em folclore cristão. Não eram simples rituais desprovidos de significações mais profunda, como se podia supor
inicialmente. Na realidade essas festas populares cíclicas dos países cristãos,
que serviam para abrir o ano e anunciar a vinda da primavera, estão todas elas
intimamente associadas ao fenômeno astronômico do solstício de inverno no
hemisfério Norte, de onde surgiram todas essas práticas. As igrejas católica e ortodoxa herdaram tais festas ou rituais do mundo
greco-romano, que, por seu lado, as teria recebido do Oriente. Assim, na
realidade, todos os festejos cíclicos, tais como o próprio carnaval, estariam
associados aos antigos rituais pagãs referentes às mudanças de estação, quando
então se adoravam os deuses naturais da fecundidade, do crescimento, da
colheita e da abundância, praticando-se penitências ou até mesmo o sacrifício
de seres vivos. Essas festas continuaram tradicionalmente a ser
respeitadas mesmo nas regiões que não apresentam as mesmas mudanças
meteorológicas. Assim, as festas do carnaval comemoradas durante o inverno no
hemisfério Norte são celebradas, no hemisfério Sul, em pleno verão.
Lua
Apesar da origem cósmica do carnaval,
os astros não foram um motivo permanente das músicas feitas para esse período.
Mesmo assim, a Lua, tão cantada por nossos poetas, foi estímulo para as mais
belas canções carnavalescas desde o início do século. Seu brilho é em geral
associado aos olhares das morenas, como em "Linda Morena”, de Lamartine
Babo, gravada pelo cantor Mário Reis; em 1933:
"Linda morena,
Morena,
Morena que me faz sonhar
A Lua cheia
Que tanto brilha
Não brilha tanto quanto o teu olhar..."
Ou motivo para imagens como as da
melodia "Se a Lua Cantasse" de Custódio Mesquita, gravada por João Petra de Barros e Aurora Miranda, em 1934, onde descreve o
ocaso da Lua à beira-mar:
"Contam que a
lua foi desmaiando
Caiu nas ondas, boiou... Sumiu...."
Vênus
Se para Custódio
Mesquita a Lua é a eterna testemunha dos namorados, para os
carnavalescos de 1910, inspirados em trechos da opereta Viúva Alegre, do
bloco "O Filho da Primavera", a Lua está sempre acompanhada das
estrelas que no céu são vistas a correr, nas belas noite de luar. Ao contrário,
para Pedro Caetano e Claudionor Cruz, autores da marcha "Eu brinco",
que Francisco Alves cantou no Carnaval de 1944, o nosso satélite está solitário
no céu:
"Com pandeiro
ou sem pandeiro
Ê ê ê ê, eu brinco
Com dinheiro ou sem dinheiro
Ê ê ê ê, eu brinco
No céu a lua caminha
Tão triste sozinha
Com pandeiro ou sem pandeiro
meu amor, eu
brinco".
Na realidade, a Lua triste é uma
alegoria a crise econômica em que a sociedade vivia já naqueles anos, que,
entretanto, não os impedia de brincar. Um dos mais curiosos
uso da Lua é o que faz referência a marchinha "Verão do Havaí"
do incansável Haroldo Lobo com Benedito Lacorde,
primeiro prêmio do concurso do Municipal
no ano de 1944. Nela o nosso satélite é empregado como medida do tempo,
como aliás faziam os nossos ancestrais:
"A gente às vezes espera 5,7 ou 8 luas
Para ver o nosso amor".
Se a Lua foi um incansável motivo de
inspiração desde o início do século, em 1901, "ó Abre-Alas" do cordão
"Rosa de Ouro", evocava um dos mais belo astro do céu, o nosso
planeta Vênus, conhecido popularmente como a Estrela d’Alva:
"O' Abre alas
que eu quero
passar
Estrela Dalva
do Carnavá".
No entanto, Vênus só seria
imortalizado na lindíssima marcha-rancho
"Pastorinhas", de João de Barro e Noel Rosa, de 1938, até hoje
cantada em todos os carnavais:
"A Estrela
d’Alva
No céu desponta
E a Lua anda tonta
Com tamanho esplendor
E as pastorinhas
Pra consolo da Lua
Vão cantando na rua
Lindos versos de amor".
Infinito
Noções como infinito, universo e
espaço sairiam para o Carnaval por intermédio das obras literárias de dois dos
maiores escritores brasileiros - o paulista Mário de Andrade e o poeta mineiro
Carlos Drummond de Andrade. De fato, em 1975, o mais cantado enredo que
alcançou grande êxito foi "Macunaíma" da Escola de Samba Portela, de
autoria de David Corrêa e Norival Reis:
"Vou-me embora,
vou-me embora
Eu aqui volto mais não
Vou morar no infinito
E virar constelação".
numa referência a Macunaíma, que acabou
sob a forma de uma estrela.
Em 1980, um poema do livro Claro
Enigma, de Carlos Drummond de Andrade, dá origem a um dos mais belos
enredos dos anos 80, "Sonho de um sonho" da Escola
Unidos de Vila Isabel, de Martinho da Vila, Rodolfo e Graúna que tiveram
como seus puxadores Marcos Maran e Zé Carlos:
"Sonho meu
eu sonhava
que sonhava
sonhei
que era um
rei que reinava
como um ser
comum
era um por
milhares
milhares por
um
como livres
raios
riscando os
espaços
transando o
universo....
Além da Lua, corpo celeste que mais
atraiu a atenção dos músicos, neste século, dois foram os eventos astronômicos que ao provocaram
grande impacto junto à sociedade, motivaram uma ação entusiástica dos
carnavalescos: aparição do cometa Halley em 1910 e a exploração da Lua, nos
anos 60.
Halley
Apesar do domingo de Carnaval em 1910
ter ocorrido em 6 de fevereiro, o cometa Halley não deixou de ser homenageado
no dia 30 de abril, um sábado, com um baile organizado pelo Clube dos Fenianos.
Um longo edital de convocação para o
baile foi publicado nesse mesmo dia no Jornal do Brasil, no qual, após
uma rápida apresentação sobre o cometa que nos visitava, Bouvier,
o secretário dos fenianos, comentava ironicamente:
"Fenianos!!! Palpita à vista, quase a olho nu, o formidável vagabundo
dos espaços que o sábio Halley deliberou perfilhar no registro civil da
astronomia.
Esperando a cauda reluzante,
vem apreciar as festas gongóricas que passam no
mundo... Sublinhar o progresso dos canhões (salvo seja) dos dreadnoughts colossos e
dos monumentos brônzeos inaugurados e por inaugurar!!...
E... enquanto
a humanidade, de nariz em riste, sonda o firmamento e... embasbacada
fica diante da luminosidade trepidante do caudaloso astro
Deixemos, almas terrestres
à procura de
astros tais;
antes
estrelas eqüestres,
ou estrelas
teatrais!!..."
A referência encouraçados adquiridos
pelo governo brasileiro denominado dreadnoughts,
ou seja, aquele que nada temem.
Para compreendermos a segunda parte da
convocação é necessária estar a par das designações usadas na época para nomear
as diversas sociedades carnavalescas então existentes bem como os seus adeptos.
Dentre os mais antigos clubes da cidade, que sobrevivem até hoje, existiam na
época os Tenentes do Diabo, os Democráticos e os Fenianos.
Os adeptos dos Tenentes do Diabo eram apelidados de baetas, designação
proveniente da tradição portuguesa que assim chamava o diabo, com suas roupas
vermelhas de baeta como se encontra em Ramalho Ortigão.
Desse modo, o diabo (baeta) passou a ser o símbolo do clube; sua sede, a caverna;
suas cores, o vermelho e o preto. Os Democráticos, cujos aficionados eram
denominados de carapicus (uma espécie de
peixe) e sua sede o castelo, tinham adotado para suas cores o preto e o branco.
Finalmente, os Fenianos, cujo nome era tirado à
designação que se dava aos revolucionários irlandeses que, desde 1858, lutavam
contra o domínio britânico; intitulavam-se gatos e sua sede era o
poleiro, usado como cores oficiais o vermelho e o branco.
Agora, voltemos ao edital, onde os Fenianos, depois de já terem gozado ironicamente os Democráticos,
se voltam contra os Tenentes do Diabo:
"Aquela baeta,
gente
De que ninguém faz mais caso
Diz por aí que é tenente
E nem é soldado raso!...
Faltando ao rigor da norma
Não entra nesta pendenga
E por ser toda... capenga
Não formal!...
E agora falando sério,
Eu digo à gente baeta:
- Ponha o olho no cemitério
E o seu nariz no Cometa!!!
E dito isto, é para moer a caterna desclassificada,
Fenianos!!!
ao
baile
A apoteose halleyluiática
e celestial
dos
bravos gatos pretos."
A anunciada passagem da Terra pela
cauda do cometa deu motivo a uma série de especulações na imprensa mundial;
quando se sugeriu um provável envenenamento da atmosfera terrestre, sabia-se
que a cauda dos cometas é composta de cianogênio, gás
mortal. Daí o conselho irônico dos fenianos aos
adeptos dos Tenentes do Diabo: "Ponha o olho no cemitério / e o seu nariz
no Cometa!!!" Assim, enquanto os baetas
estivessem preocupados com a morte, os gatos pretos estariam em seu baile numa
apoteose halleyluiática.
Em 1910, os carnavalescos, com seu
espírito alegre e sempre jocoso, improvisaram uma letra cuja música foi
adaptada da polca "No Bico da Chaleira", de autoria de Juca Storoni (João José da Costa Jr.), sucesso do carnaval de
1909. De fato, aproveitaram-se nessa letra as palavras de duplo sentido para
inculcar um fundo erótico próprio do Carnaval. Criou-se, desse modo, uma
verdadeira apoteose halleyluiática e
celestial, ao som dos versos:
"Lalá me deixa espiá nessa luneta
Eu sou do grupo que gosta do cometa
Cometa do Halley, cometa do ar,
Levanta a cauda que eu quero espiar."
Tendo em vista aos maiós cavadões de hoje, o último
verso perdeu muito do seu sentido malicioso. Esta música, restaurada pelo Museu
de Astronomia e Ciências Afins, no Rio de Janeiro, foi usada na ambientação de
sua exposição Halley- Rio 1910.
O carnaval do ano seguinte aproveitou
a esplêndida aparição do cometa em seus carros alegóricos, fantasias e músicas.
Uma das grandes sociedades, o Clube
dos Fenianos, incluiu o Halley em seu cortejo. Coube
ao artista Fiúza Guimarães, encarregado da elaboração dos prétitos
da sociedade, conceber a alegoria do carro intitulado "O Beijo do
Halley". Numa delirante composição de ouro e prata, a Terra, no seu
rodopiar diário, voltando-se ora para outro, deixava-se beijar impudicamente por esse grandioso vagabundo dos espaços
interplanetários.
Outra grande sociedade, o Clube dos
Democráticos, também incluiu em seu cortejo a alegoria "A Dança dos
Cometas" de autoria do artista catarinense Publio
Marroig, um dos grandes rivais de Fiúza, no concurso
que o vespertino A Notícia patrocinava para escolha do melhor cenógrafo
que confeccionasse os préstitos da terça-feira gorda. Marroig
mostrava os cometas "espadanando numa vertigem féerica
de luminosas centelhas".
Outras sociedades participaram ainda
do desfile. Uma delas foi o Clube Carnavalesco Rejeitados
de S. Cristóvão, cujos foliões exibiram um préstito crítico-alegórico, com
traços eróticos, sobre o cometa, ao mesmo tempo em que cantavam a letra que
tinha como música a polca de Juca Storoni.
Não foram somente as grandes
sociedades que usaram o Halley em suas alegorias no centro da cidade. No Méier,
um dos pontos capitais do Carnaval dos subúrbios, o cenógrafo Augusto Cordovil elaborou, para os Progressistas Suburbanos, um
carro alegórico no qual se via uma estrela com grande cauda.
Os efeitos do cometa se fizeram sentir
ainda no carnaval de 1912, quando, no "domingo gordo", o famoso Ameno
Resedá desfilou pela Avenida Central com o enredo
"Corte Celestial", onde figuravam o Sol, a Lua, Mercúrio, Vênus,
Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e o cometa Halley, todos em
trajes caprichosamente desenhados pelo caricaturista Amaro Amaral. O astrônomo
inglês Edmond Halley estava representado pelo bailarino Juvenal Nogueira,
enquanto a porta-estandarte Semíramis personificava a
Lua e o importante mestre-sala Mário Félix configurava o Infinito.
Uma vez livres da ameaça da cauda do
cometa Halley que, roçando a Terra, poderia incendiá-la, como se dizia na
época, os cariocas, com sua irreverência peculiar, adaptaram
os seguintes versos a uma conhecida música:
"Dizem que o
mundo vai se acabar,
E eu vou morrer
Dizem que os paus-d'água
têm que
Deixar de beber.
Isto é impossível,
Eu não posso crer,
Por causa que
os paus-d'água
Nunca deixam de beber
Eu não sou pau-d'água
Eu não bebo não
Mas elas "frias" eu não
deixo de beber..."
Aqui “frias” refere-se a cerveja terrivelmente geladas.
Descida do homem na Lua
Um dos mais modernos estimuladores das
canções foi a descida do homem na Lua. Em 1961, o
anúncio de que os norte-americanos iriam lançar um astronauta para visitar o
nosso satélite foi motivo da linda marcha "A Lua é dos namorados" de
autoria de Armando Cavalcânti, Klécius
Caldas e Braginha, lançado na voz inesquecível de
Ângela Maria. Apesar de fugir o tom carnavalesco normal, a
letra romântica, que serviu para denunciar as ameaças das incursões
antipoéticas, foi a razão do seu sucesso:
"Todos eles
estão errados
A Lua é dos namorados
Lua, ó lua
Querem te passar para trás
Lua, ó lua
Querem te roubar a paz.
Lua que no céu flutua
Lua que nos dá luar
Lua, ó lua
Não deixa ninguém te pisar".
Apesar da corrida à Lua que os EUA e a
URSS disputavam numa luta de prestígio científico-tecnológico, em 1962, lançada
por Ângela Maria, a marcha "A Lua é camarada" de Armando Cavalcânti e Klécius Caldas, a
eterna testemunha noturna dos amores volta a ser motivo de canções carnavalescas:
"Vem
Não deixes pra depois, depois
Vem
Que a noite é de nós dois, nós dois,
Vem
Que a lua é camarada
Em teus braços quero ver
O sol nascer.
A noite é linda
Nos braços teus
é cedo ainda
Pra dizer adeus".
Após a descida do astronauta Armstrong
ao Mar da Tranqüilidade em 20 de julho de 1969, a Lua é o estímulo do samba
"Bloco da Lua" de Luiz Reis e Miguel Gustavo:
"Tô no bloco da lua
Sô da nave da rua
Vou no bloco
pra frente
Tem gente ficando pra trás".
Não estando contente de cantar a Lua, a Escola
de Samba Mangueira, deseja também desfilar pelas crateras lunares, como está
expresso no belo enredo "Mangueira na Lua", de João Roberto Kelly,
que foi gravado por Lana Bittencourt:
"Na Lua tem uma
avenida
Que está esperando
Minha Mangueira querida".
Sem dúvida, no dia em que os
brasileiros chegarem à Lua, lá teremos carnavais nos quais o motivo das marchas
será o belo "luar" da Terra ...
Trevas! Luz! A explosão do universo.
No Carnaval de 1997, a escola de samba Unidos do Viradouro,
durante o desfile pela passarela do Sambódromo, ao interpretar o enredo de Dominguinhos do Estácio, Mocotó, Flavinho Machado e Heraldo
Faria, a genial carnavalesco de Joãosinho Trinta deu
um novo panorama dos primeiros instantes da criação do universo ao associar, no
branco e escuro dos componentes de sua escola, à idéia da matéria e da antimáteria que reinou nos primeiros instantes do início do universos, transformando aquele momento numa explosão de
alegria
“Lá vem a Viradouro aí, meu amor!
É Big-bang,
coisa igual eu nunca vi!
Que esplendor.
Vem das Trevas tudo pode acontecer,
A noite vira dia, luz de um novo
amanhecer!
Vai, meu verso, buscar a Terra em
embrião,
Da poeira do universo
Desabrocha a natureza em expansão.
Oh! Mãe Iemanjá, deusa das águas!
Naná, deixa o solo se banhar!
Orá, iê, iê, ô, mamãe oxum,
Vem com ondinas
reinar,
No fogo a salamandra a dançar,
As pombas brancas simbolizando o ar,
Explodem as maravilhas,
Vejo a vida brilhando afinal!
Surge o homem iluminado
Com hinos de luta e cantos de paz:
É o equilíbrio entre o bem e o mal.
E com o coração nessa folia,
Seja noite ou seja
dia, amor,
Eu quero me acabar!
Vou cair na gandaia, com a minha
bateria!
No balanço da mulata, a explosão
de alegria”.
Santos-Dumont
Em 2002, o Salgueiro e a Beija-flor
consagraram as vitórias de Santos-Dumont, ao recordar os balões, os dirigíveis
e os mais pesados do que o ar – do primeiro bi-plano, o 14-Bis, ao elegante monoplano
Demoiselle –, no que, aliás, foram muito
felizes.
Vejamos o enredo “O Brasil dá o ar de sua graça. De Ícaro a Rubem Berta, o ímpeto de voar” do
Beija-flor :
Beija-flor
espacial ô ô
Cruzou o espaço sideral ô ô
Fez do meu sonho
Realidade neste carnaval
Num toque divinal do Criador
Surgem passarinhos a bailar
Com elegância e beleza
Inspiração que fez o homem voar
Na mitologia construiu
Asas de cera para a liberdade
Rumo ao Oriente sobre tapetes
Conheceu estórias milenares
Reluz no renascimento a profecia
Que o grande cisne voaria
E o mundo se encantaria
Vai, vai balão
Leve o meu sonho pra imensidão
Sou brasileiro, pioneiro
Grande "pai da aviação"
Oh! Glória...
Glória a um gaúcho sonhador
Fez da moderna aviação
A integração nacional
No seu desejo profundo
Este cidadão do mundo
Lutou pela igualdade social
O homem avança no espaço sideral
Com a força do guerreiro
Alcança a lua
E clama pela paz universal
Com o mesmo objetivo em homenagear Santos Dumont o Salgueiro
elaborou o seguinte enredo:
O sonho está no ar, vai decolar
Com o Salgueiro
Dando asas à imaginação
Alcançou a imensidão
O orgulho de ser brasileiro
Este sonho foi de Ícaro
Renasceu em Da Vinci
Pipas chinesas, aves de papel
Era mais leve que o ar
Nos balões a flutuar
Cruzava mares, dirigível pelo céu
Hoje eu vou salgueirar, da avenida voar
Com a bandeira do meu país (bis)
Vou com Santos Dumont
Tirando onda em Paris
Surgiram heróis pioneiros
Que marcaram história na aviação
Com a tecnologia romperam o espaço
Barreira do som
Riscando o céu vermelho
Estende o tapete, lá vem meu Salgueiro
Herdeiro do ar, comandante da folia
Tamanho orgulho te cantar na academia
Vou zoar
Nem melhor, nem pior, amor (bis)
O Salgueiro vai eternizar
Vida e vôo de um sonhador
DNA
Agora, em 2004, a Unidos da Tijuca nos
brinda com este indivisível enredo, cujo título já é uma obra prima de
concepção “O sonho da criação e a criação do sonho: a arte da ciência no tempo
do impossível”. Aproveitando a concepção de H.G. Wells
da máquina do tempo, o carnavalesco Paulo Barros conduz o povo a uma viagem
através de idéias que marcaram a história da ciência nos últimos tempos desde a
Renascença, passando pela idéia da luta de Frankenstein pela vida contra a
morte, até os dias atuais, com referências à clonagem, aos transgênicos,
ao DNA, etc.:
“Na arte da ciência
A busca continua
Na luta incessante para vencer o mal
O velho sonho de ser imortal”
Não devemos esquecer que neste trabalho
Paulo Barros, contou com o apoio dos cientistas da Casa da Cultura que
consideram a divulgação científica como fundamental. Realmente, os cientistas
não podem nem devem se afastar do povo. É feliz o país que tem cientistas que
se preocupam com a associação da ciência com o povo. É nada melhor do que o
Carnaval – a festa máxima do povo brasileiro – para alcançar a meta de levar a
ciência à sociedade.
Em 2005, em Sobral, onde a teoria da
relatividade geral foi confirmada durante o eclipse de 1919, a escola de samba
Unidos das Pedrinhas, com apoio da Universidade do Vale do Acaraú,
organizou o samba enredo, A lei da relatividade 100 anos (1905-2005):
“Dos estudos da ciência
o mundo
revolucionou
Einstein, e suas teorias
pôde a lei
consolidar
com o eclipse
de Sobral
tudo pode
comprovar”
Santos Dumont – Brasil e França navegando pelos ares
Neste ano do centenário do vôo do primeiro mais pesado do que o ar – 14 Bis – o enredo da escola de samba Unidos do Peruche de São Paulo homenageia Santos Dumont com a seguinte letra:
Luzindo, o Cruzeiro do Sul, vem a Velha Guarda saudar.
Abençoar as baianas, que sorrindo vão girar
As rodas do tempo, embalando a emoção
O passado está presente, fruto da imaginação
Santos Dumont, fez a vida mais feliz
Concebeu o 14 Bis, no desejo de voar
Nas asas da esperança, rasgou céus e rasou mares.
Eis aí “Brasil e França navegando pelos ares”,
Luzes coloridas, nesse quadro cultural, brilham
E a Cidade Luz, vira a Paris tropical.
O menino passarinho, deixou seu ninho e ganhou o céu
Um ilustre brasileiro, pra quem tiro meu chapéu
Aproveitaram a ocasião para recordar que foi o nosso pioneiro da aviação o inventor do relógio de pulso, uma vez que precisava ter as mãos livres para executar as manobras durante o vôo assim como determinar o intervalo de tempo no ar:
Quando o som da bateria, ecoar
No pulso, firme o relógio vai marcar
O tempo que o surdo faz o toque de marcação
No compasso do coração
Finalmente, gostaria de lembrar este
texto pouco conhecido de Albert Einstein:
- “Os homens não vivem só de pão. É possível que as pessoas não versadas nas ciências atinjam uma parcela da beleza e virtudes inerentes ao pensamento, com a condição de que este pensamento lhes seja tornado assimilável. Não devemos exigir que a ciência nos revele a verdade. Num sentido corrente, a verdade é uma concepção muito vasta e indefinida. Devemos compreender que só podemos visar à descoberta de realidades relativas. Além disso, no pensamento cientifico existe sempre um elemento poético. A compreensão de uma ciência, assim como apreciar uma boa musica, requer em certa medida processos mentais idênticos. A vulgarização da ciência é de grande importância, se proceder duma boa fonte. Ao procurar-se simplificar as coisas não se deve deformá-las. A vulgarização tem de ser fiel ao pensamento inicial.”
A leitura desse trecho seria suficiente
para eliminar um pouco a incompreensão da importância da divulgação científica,
mas Einstein continua:
- “A ciência não pode, é evidente,
significar o mesmo para toda a gente. Para nos, a ciência é em si mesma um fim,
pois os homens de ciência são espíritos inquisidores. Mas não devemos esperar
que todos comunguem das nossas concepções, e assim os profanos em matéria de
ciência devem constituir objeto de uma especial consideração. A sociedade torna
possível o trabalho dos sábios, alimenta-os. Tem o direito, portanto, de lhes
pedir por seu lado uma alimentação digestiva”.
Assim como Einstein acreditou que a
sociedade pede aos que guardam segredos a sete chaves, sejam científicos ou de
natureza política, que liberem-na de uma forma algo bem digestível.
Araújo,
Hiram( coordenador),. Memória
do Carnaval, Oficina do Livro, Rio de Janeiro, 1991
Maximo,
João e Didier, Carlos. Noel Rosa, uma biografia,
Editora UnB, Brasília, 1990.
Mourão, Ronaldo Rogério de
Freitas. Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica, 2ª
edição revista e ampliada, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1988.
--- O livro de ouro do
Universo, 7ª edição, Ediouro, Rio de Janeiro,
2005.
--- Que dia é
hoje?, Unisinos, São
Leopoldo, RS, 2003.
[1] Ronaldo Rogério de Freitas
Mourão, astrônomo, fundador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e
Ciências Afins. Autor de mais de 75 livros, entre outros livros, do “O Livro de
Ouro do Universo”.
Consulte a homepage: http://www.ronaldomourao.com