REVISTA CANTAREIRA

 

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ISSN 1677–7794

cantareira@historia.uff.br

 

 

 

 

 

 

 

 

CANTAREIRA – Revista Eletrônica de História

Volume  2    Número   4    Ano  3  – jul. 2006

Editor    Mauro Henrique Barros Amoroso

Universidade Federal Fluminense (UFF)

Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF)

Departamento de História

Campus do Gragoatá - Bloco O - 5º andar - Niterói - RJ - Brasil - CEP 24210-350
Telefone: (021) 2629-2919

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os direitos dos artigos publicados nesta edição são propriedade exclusiva dos autores.

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Equipe

 

Editor Responsável

Mauro Amoroso

 

Editores

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Editores Correspondentes

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Designer gráfico

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Ficha Catalográfica

 

Revista CantareiraRevista Eletrônica de História

         Volume 2, Número 4,  Ano 3,  jul. 2006

          Disponível em: hhttp://www.historia.uff.br/Cantareira

 

1. História Geral; 2. Historiografia

 

 

A ciência nos enredos do Carnaval

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão[1]

 

RESUMO:   Apesar das origens européias e inspiração de católico, o Carnaval brasileiro é célebre mais como um banquete profano que um evento religioso. Em finais de o 19º Século, o cordões foram introduzidos em Rio de Janeiro que consistiu em grupos das pessoas que caminhariam nas ruas tocando música e dançando. O cordões eram os antepassados das escolas de samba modernas Estas escolas de samba verdadeiramente são organizações que trabalham todo o ano para se preparar para o desfile das escolas de samba. Durante o Carnaval, estes que escolas de samba são formadas por pessoas que vestem em fantasias de acordo com certos temas de ciência, ou celebrar os eventos científicos.

PALAVRAS-CHAVE: Carnaval, ciência, enredo, escola de samba, astronomia, DNA, big-bang, antimateria, cometa, Lua, planetas.

 

ABSTRACT: Despite the European origins and Catholic inspiration, the Brazilian Carnival is celebrated more as a profane feast than a religious event. In the late 19th Century, the cordões  were introduced in Rio de Janeiro, which consisted of groups of people who would walk on the streets playing music and dancing. The cordões were ancestors of the modern samba schools These schools of samba are truly organizations that work all year in order to prepare themselves for the samba schools parade.During the Carnival, these samba schools are formed by people who dress in costumes according to certain themes of science, or to celebrate the scientif events.

Key-words: Carnival, science, plot, samba school, astronomy, DNA, big-bang, antimatter, comet, Moon, planets.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A vida humana está associada a fenômenos astronômicos e a ciclos naturais, tais como o ano e o dia que permitiram a elaboração dos calendários civis e religiosos, onde as grandes festas universais, como a Páscoa, o Natal, etc., constituem lembranças astronômicas de grande importância histórica  e econômica para a época em que foram instituídas. Muitas dessas tradições de origem pagã foram absorvidas pelas religiões atuais do mundo ocidental. A grande maioria dos foliões do nosso carnaval, ao se divertirem, não sabe que estarão inconscientemente fazendo apelo a uma reminiscência astronômica de origem solar. De fato, na Antigüidade a importância dos astros era enorme na vida econômica e social. Como não possuíssem um calendário preciso que lhes permitisse prever com segurança a ocorrência do início das estações e, portanto, a época da semeadura e colheita - eram os povos primitivos, em especial os camponeses, obrigados a observar o céu. Em função de determinadas estrelas muito brilhantes sabiam com antecedência quando iria ocorrer a chegada da primavera, do verão, do outono e do inverno. Por outro lado, a observação astronômica, além de ser motivada pela sua principal atividade econômica - a agricultura -, era estimulada também pela ausência de luz nas grandes metrópoles da época, o que facilitava muito a observação dos astros. Com efeito, a feérica iluminação das grandes cidades modernas tem afastado o antigo hábito de observação do céu. Assim, ofuscados pelas luzes, não vemos os astros, que regem a nossa vida social em virtude de toda uma série de tradições de origem astronômica que foram estabelecidas pelas civilizações que nos antecederam.

 

                  Desde as mais recuadas eras, os diferentes povos estabeleceram algumas festas de grande alegria. Assim, encontram-se entre os egípcios as festas de Ísis – deusa antropomórfica da magia e da ressurreição -, e do Touro Ápis – deus da fecundidade e do renascimento, representado por um touro branco com um disco solar entre os chifres -; as dionisíacas – as danças e festas em homenagem ao deus Dionísio - festa em honra de Baco, deus do vinho, entre os romanos; entre os gregos; as lupercais – festas ao Luperco ou , deus protetor dos pastores e dos rebanhos comemorado em 15 de fevereiro, na Roma Antiga -, e as saturnais – festas a Saturno, deus da agricultura, celebrado entre os dias 17 e 19 de dezembro, quando se comemorava a semeadura da safra, entre os romanos. Todas envolviam festins, danças e disfarces. Embora seja muito difícil caracterizar a origem verdadeira do Carnaval, parece que os nossos atuais festejos estão intimamente associados às duas últimas festas romanas.

 

         Logo após o início do ano-novo, os romanos, nas calendas de janeiro, comemoravam as saturnais, festas instituídas por Janus em memória do deus Saturno que, segundo a lenda, teria transmitido a arte da agricultura aos italianos. Durante as saturnais, as distinções sociais não eram levadas em consideração. Os escravos ocupavam os lugares dos seus patrões que os serviam à mesa. Nesse período não funcionavam os tribunais e as escolas. Os julgamentos eram suspensos e os condenados não podiam ser executados. Interrompiam-se toda e qualquer hostilidade. Os escravos percorriam as ruas cantando e se divertindo na maior desordem. As casas eram lavadas e purificadas. As pessoas de um certo nível social preferiam se retirar para o campo, durante as saturnais, o que permitia ao povo celebrar com maior alegria esse período de liberdade.

 

         Numa seqüência lógica aos excessos libertários, os romanos procediam à sua purificação pelas comemorações das lupercais, festas celebradas em 15 de fevereiro, em homenagem ao Deus , matador da loba que aleitara os irmãos Rômolo e Remo, fundadores de Roma segundo a lenda.

 

         Nesses festejos celebrava-se o princípio da fecundidade. Durante as comemorações das lupercais, untados em sangue de cabra e lavados com leite, os lupercos nus, com uma pele de um bode sobre os ombros, saíam pelas ruas batendo nos pedestres com uma correia de couro. As mulheres grávidas saíam às ruas e se ofereciam às correadas nas esperança de escaparem às dores do parto. Por outro lado, as mulheres com desejo de possuírem um filho também procuravam ser atingidas pelos golpes das correias dos lupercos na esperança de virem a engravidar.  

 

         Como todos esses festejos, que consistiam essencialmente em mascaradas, disfarces e danças, já estivessem de tal modo implantados nos costumes quando do aparecimento do cristianismo, a igreja só teve uma saída: adotou-os e, ao mesmo tempo, procurou santificá-los.

 

         De fato, o carnaval parece ter tido origem nessas antigüíssimas comemorações pagãs, em geral de grande alegria e liberalidade, que eram celebradas durante a passagem do ano e com o objetivo de anunciar a próxima chegada da primavera. Com efeito, o atual carnaval era o tempo de regozijo, que ia desde a Epifania (6 de janeiro ). até a quarta-feira de Cinzas. Com o tempo, essa festa acabou limitada aos últimos dias que antecediam o início da Quaresma, período de 40 dias que vão da quarta-feira de Cinzas até o domingo de Páscoa, e durante os quais os católicos e ortodoxos fazem sua penitência.

 

         O período carnavalesco variou e ainda varia segundo as tradições de cada país. Assim, parece que ele se iniciava primitivamente na Idade Média, em 25 de dezembro, incluindo a festa de Natal, o dia do ano-novo, e a Epifania. Mais tarde, passou a ser comemorado desde o dia de Reis até um dia antes das Cinzas. Em alguns lugares da Espanha, sua comemoração inclui também a quarta-feira de Cinzas. Em alguns países só se comemora na terça-feira, ao passo que no Brasil é festejado no sábado, domingo, segunda e terça-feira.

 

         Nos primeiros decênios do século XX, o jornalista Francisco Guimarães – o conhecido Vagalume -, percebendo que o sábado de Aleluia se distanciava muito do período carnavalesco, introduziu no Rio de Janeiro a Mi-Carême (Meia Quaresma) importada da França. Esta festa parisiense foi comemorada no Rio, nos anos de 1920 até 1922, anualmente. O vocábulo Mi-Carême foi abrasileirado em Micareta ou Micarema, cuja comemoração é muito comum nas cidades do nordeste, principalmente em Feira de Santana. De fato, nessa cidade bahiana, comemora-se a Micareta, anualmente, na quinta-feira da terceira semana da Quaresma. Ao contrário, do que ocorreu no Rio, a festa carnavalesca realiza-se 15 dias após a Páscoa. Ela surgiu, em Feira de Santana, em 1937, quando choveu muito durante o período do Carnaval e foi decidido que a festa de Momo fosse transferida para o mês de maio daquele mesmo ano. Em virtude do grande sucesso é habito até hoje, em Feira de Santana, comemorar um segundo carnaval também após a Páscoa.

 

         Esses festejos de janeiro e fevereiro, ligados às antigas festas pagãs de abertura do ano, estão associados, como já demonstraram os peritos em folclore cristão. Não eram simples rituais desprovidos de significações mais profunda, como se podia supor inicialmente. Na realidade essas festas populares cíclicas dos países cristãos, que serviam para abrir o ano e anunciar a vinda da primavera, estão todas elas intimamente associadas ao fenômeno astronômico do solstício de inverno no hemisfério Norte, de onde surgiram todas essas práticas. As igrejas católica  e ortodoxa  herdaram tais festas ou rituais do mundo greco-romano, que, por seu lado, as teria recebido do Oriente. Assim, na realidade, todos os festejos cíclicos, tais como o próprio carnaval, estariam associados aos antigos rituais pagãs referentes às mudanças de estação, quando então se adoravam os deuses naturais da fecundidade, do crescimento, da colheita e da abundância, praticando-se penitências ou até mesmo o sacrifício de seres vivos. Essas festas continuaram tradicionalmente a ser respeitadas mesmo nas regiões que não apresentam as mesmas mudanças meteorológicas. Assim, as festas do carnaval comemoradas durante o inverno no hemisfério Norte são celebradas, no hemisfério Sul, em pleno verão.

 

 

Lua

 

         Apesar da origem cósmica do carnaval, os astros não foram um motivo permanente das músicas feitas para esse período. Mesmo assim, a Lua, tão cantada por nossos poetas, foi estímulo para as mais belas canções carnavalescas desde o início do século. Seu brilho é em geral associado aos olhares das morenas, como em "Linda Morena”, de Lamartine Babo, gravada pelo cantor Mário Reis; em 1933:

 

         "Linda morena,

         Morena,

         Morena que me faz sonhar

         A Lua cheia

         Que tanto brilha

         Não brilha tanto quanto o teu olhar..."

 

         Ou motivo para imagens como as da melodia "Se a Lua Cantasse" de Custódio Mesquita, gravada por João Petra de Barros e Aurora Miranda, em 1934, onde descreve o ocaso da Lua à beira-mar:

 

         "Contam que a lua foi desmaiando

         Caiu nas ondas, boiou... Sumiu...."

 

Vênus

 

         Se para Custódio Mesquita a Lua é a eterna testemunha dos namorados, para os carnavalescos de 1910, inspirados em trechos da opereta Viúva Alegre, do bloco "O Filho da Primavera", a Lua está sempre acompanhada das estrelas que no céu são vistas a correr, nas belas noite de luar. Ao contrário, para Pedro Caetano e Claudionor Cruz, autores da marcha "Eu brinco", que Francisco Alves cantou no Carnaval de 1944, o nosso satélite está solitário no céu:

 

         "Com pandeiro ou sem pandeiro

         Ê ê ê ê, eu brinco

         Com dinheiro ou sem dinheiro

         Ê ê ê ê, eu brinco 

         No céu a lua caminha

         Tão triste sozinha

         Com pandeiro ou sem pandeiro

         meu amor, eu brinco".

 

         Na realidade, a Lua triste é uma alegoria a crise econômica em que a sociedade vivia já naqueles anos, que, entretanto, não os impedia de brincar. Um dos mais curiosos uso da Lua é o que faz referência a marchinha "Verão do Havaí" do incansável Haroldo Lobo com Benedito Lacorde, primeiro prêmio do concurso do Municipal  no ano de 1944. Nela o nosso satélite é empregado como medida do tempo, como aliás faziam os nossos ancestrais:

 

         "A gente às vezes espera 5,7 ou 8 luas

         Para ver o nosso amor".

 

         Se a Lua foi um incansável motivo de inspiração desde o início do século, em 1901, "ó Abre-Alas" do cordão "Rosa de Ouro", evocava um dos mais belo astro do céu, o nosso planeta Vênus, conhecido popularmente como a Estrela d’Alva:

 

         "O' Abre alas

         que eu quero passar

         Estrela Dalva

         do Carnavá".

 

         No entanto, Vênus só seria imortalizado na lindíssima marcha-rancho "Pastorinhas", de João de Barro e Noel Rosa, de 1938, até hoje cantada em todos os carnavais:

 

         "A Estrela d’Alva

         No céu desponta

         E a Lua anda tonta

         Com tamanho esplendor

         E as pastorinhas

         Pra consolo da Lua

         Vão cantando na rua

         Lindos versos de amor".

 

 

Infinito

 

         Noções como infinito, universo e espaço sairiam para o Carnaval por intermédio das obras literárias de dois dos maiores escritores brasileiros - o paulista Mário de Andrade e o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade. De fato, em 1975, o mais cantado enredo que alcançou grande êxito foi "Macunaíma" da Escola de Samba Portela, de autoria de David Corrêa e Norival Reis:

 

         "Vou-me embora, vou-me embora

         Eu aqui volto mais não

         Vou morar no infinito

         E virar constelação".          

 

numa referência a Macunaíma, que acabou sob a forma de uma estrela.

 

         Em 1980, um poema do livro Claro Enigma, de Carlos Drummond de Andrade, dá origem a um dos mais belos enredos dos anos 80, "Sonho de um sonho" da Escola Unidos de Vila Isabel, de Martinho da Vila, Rodolfo e Graúna que tiveram como seus puxadores Marcos Maran e Zé Carlos:

 

         "Sonho meu

         eu sonhava que sonhava  

         sonhei

         que era um rei que reinava

         como um ser comum

         era um por milhares

         milhares por um

         como livres raios

         riscando os espaços     

         transando o universo....

 

         Além da Lua, corpo celeste que mais atraiu a atenção dos músicos, neste século, dois foram os eventos astronômicos  que ao provocaram grande impacto junto à sociedade, motivaram uma ação entusiástica dos carnavalescos: aparição do cometa Halley em 1910 e a exploração da Lua, nos anos 60.

 

 

Halley

 

 

         Apesar do domingo de Carnaval em 1910 ter ocorrido em 6 de fevereiro, o cometa Halley não deixou de ser homenageado no dia 30 de abril, um sábado, com um baile organizado pelo Clube dos Fenianos.

 

         Um longo edital de convocação para o baile foi publicado nesse mesmo dia no Jornal do Brasil, no qual, após uma rápida apresentação sobre o cometa que nos visitava, Bouvier, o secretário dos fenianos, comentava ironicamente:

 

         "Fenianos!!! Palpita à vista, quase a olho nu, o formidável vagabundo dos espaços que o sábio Halley deliberou perfilhar no registro civil da astronomia.

         Esperando a cauda reluzante, vem apreciar as festas gongóricas que passam no mundo... Sublinhar o progresso dos canhões (salvo seja) dos dreadnoughts  colossos e dos monumentos brônzeos inaugurados e por inaugurar!!...

         E... enquanto a humanidade, de nariz em riste, sonda o firmamento e... embasbacada fica diante da luminosidade trepidante do caudaloso astro

 

         Deixemos, almas terrestres

         à procura de astros tais;

         antes estrelas eqüestres,

         ou estrelas teatrais!!..."

 

         A referência encouraçados adquiridos pelo governo brasileiro denominado dreadnoughts, ou seja, aquele que nada temem.

         Para compreendermos a segunda parte da convocação é necessária estar a par das designações usadas na época para nomear as diversas sociedades carnavalescas então existentes bem como os seus adeptos. Dentre os mais antigos clubes da cidade, que sobrevivem até hoje, existiam na época os Tenentes do Diabo, os Democráticos e os Fenianos. Os adeptos dos Tenentes do Diabo eram apelidados de baetas, designação proveniente da tradição portuguesa que assim chamava o diabo, com suas roupas vermelhas de baeta como se encontra em Ramalho Ortigão. Desse modo, o diabo (baeta) passou a ser o símbolo do clube; sua sede, a caverna; suas cores, o vermelho e o preto. Os Democráticos, cujos aficionados eram denominados de carapicus (uma espécie de peixe) e sua sede o castelo, tinham adotado para suas cores o preto e o branco. Finalmente, os Fenianos, cujo nome era tirado à designação que se dava aos revolucionários irlandeses que, desde 1858, lutavam contra o domínio britânico; intitulavam-se gatos e sua sede era o poleiro, usado como cores oficiais o vermelho e o branco.

 

         Agora, voltemos ao edital, onde os Fenianos, depois de já terem gozado ironicamente os Democráticos, se voltam contra os Tenentes do Diabo:

 

         "Aquela baeta, gente

         De que ninguém faz mais caso

         Diz por aí que é tenente

         E nem é soldado raso!...

 

         Faltando ao rigor da norma

         Não entra nesta pendenga

         E por ser toda... capenga

         Não formal!...

 

         E agora falando sério,

         Eu digo à gente baeta:

         - Ponha o olho no cemitério

         E o seu nariz no Cometa!!!

 

         E dito isto, é para moer a caterna desclassificada,

         Fenianos!!!

                   ao baile

         A apoteose halleyluiática e celestial

                   dos bravos gatos pretos."

 

         A anunciada passagem da Terra pela cauda do cometa deu motivo a uma série de especulações na imprensa mundial; quando se sugeriu um provável envenenamento da atmosfera terrestre, sabia-se que a cauda dos cometas é composta de cianogênio, gás mortal. Daí o conselho irônico dos fenianos aos adeptos dos Tenentes do Diabo: "Ponha o olho no cemitério / e o seu nariz no Cometa!!!" Assim, enquanto os baetas estivessem preocupados com a morte, os gatos pretos estariam em seu baile numa apoteose halleyluiática.

 

         Em 1910, os carnavalescos, com seu espírito alegre e sempre jocoso, improvisaram uma letra cuja música foi adaptada da polca "No Bico da Chaleira", de autoria de Juca Storoni (João José da Costa Jr.), sucesso do carnaval de 1909. De fato, aproveitaram-se nessa letra as palavras de duplo sentido para inculcar um fundo erótico próprio do Carnaval. Criou-se, desse modo, uma verdadeira apoteose halleyluiática e celestial, ao som dos versos:

 

         "Lalá me deixa espiá nessa luneta

         Eu sou do grupo que gosta do cometa

         Cometa do Halley, cometa do ar,

         Levanta a cauda que eu quero espiar."

 

           Tendo em vista aos maiós cavadões de hoje, o último verso perdeu muito do seu sentido malicioso. Esta música, restaurada pelo Museu de Astronomia e Ciências Afins, no Rio de Janeiro, foi usada na ambientação de sua exposição Halley- Rio 1910.

 

         O carnaval do ano seguinte aproveitou a esplêndida aparição do cometa em seus carros alegóricos, fantasias e músicas.

 

         Uma das grandes sociedades, o Clube dos Fenianos, incluiu o Halley em seu cortejo. Coube ao artista Fiúza Guimarães, encarregado da elaboração dos prétitos da sociedade, conceber a alegoria do carro intitulado "O Beijo do Halley". Numa delirante composição de ouro e prata, a Terra, no seu rodopiar diário, voltando-se ora para outro, deixava-se beijar impudicamente por esse grandioso vagabundo dos espaços interplanetários.

 

         Outra grande sociedade, o Clube dos Democráticos, também incluiu em seu cortejo a alegoria "A Dança dos Cometas" de autoria do artista catarinense Publio Marroig, um dos grandes rivais de Fiúza, no concurso que o vespertino A Notícia patrocinava para escolha do melhor cenógrafo que confeccionasse os préstitos da terça-feira gorda. Marroig mostrava os cometas "espadanando numa vertigem féerica de luminosas centelhas".

 

         Outras sociedades participaram ainda do desfile. Uma delas foi o Clube Carnavalesco Rejeitados de S. Cristóvão, cujos foliões exibiram um préstito crítico-alegórico, com traços eróticos, sobre o cometa, ao mesmo tempo em que cantavam a letra que tinha como música a polca de Juca Storoni.

 

         Não foram somente as grandes sociedades que usaram o Halley em suas alegorias no centro da cidade. No Méier, um dos pontos capitais do Carnaval dos subúrbios, o cenógrafo Augusto Cordovil elaborou, para os Progressistas Suburbanos, um carro alegórico no qual se via uma estrela com grande cauda.

 

         Os efeitos do cometa se fizeram sentir ainda no carnaval de 1912, quando, no "domingo gordo", o famoso Ameno Resedá desfilou pela Avenida Central com o enredo "Corte Celestial", onde figuravam o Sol, a Lua, Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e o cometa Halley, todos em trajes caprichosamente desenhados pelo caricaturista Amaro Amaral. O astrônomo inglês Edmond Halley estava representado pelo bailarino Juvenal Nogueira, enquanto a porta-estandarte Semíramis personificava a Lua e o importante mestre-sala Mário Félix configurava o Infinito.

 

         Uma vez livres da ameaça da cauda do cometa Halley que, roçando a Terra, poderia incendiá-la, como se dizia na época, os cariocas, com sua irreverência peculiar, adaptaram os seguintes versos a uma conhecida música:

 

         "Dizem que o mundo vai se acabar,

         E eu vou morrer

         Dizem que os paus-d'água têm que

         Deixar de beber.

 

         Isto é impossível,

         Eu não posso crer,

         Por causa que os paus-d'água

         Nunca deixam de beber

 

         Eu não sou pau-d'água

         Eu não bebo não

         Mas elas "frias" eu não deixo de beber..."

 

          Aqui “frias” refere-se a cerveja terrivelmente geladas.

 

Descida do homem na Lua

 

         Um dos mais modernos estimuladores das canções foi a descida do homem na Lua. Em 1961, o anúncio de que os norte-americanos iriam lançar um astronauta para visitar o nosso satélite foi motivo da linda marcha "A Lua é dos namorados" de autoria de Armando Cavalcânti, Klécius Caldas e Braginha, lançado na voz inesquecível de Ângela Maria. Apesar de fugir o tom carnavalesco normal, a letra romântica, que serviu para denunciar as ameaças das incursões antipoéticas, foi a razão do seu sucesso:

 

         "Todos eles estão errados

         A Lua é dos namorados

         Lua, ó lua

         Querem te passar para trás

         Lua, ó lua

         Querem te roubar a paz.

 

         Lua que no céu flutua

         Lua que nos dá luar

         Lua, ó lua

         Não deixa ninguém te pisar".  

 

         Apesar da corrida à Lua que os EUA e a URSS disputavam numa luta de prestígio científico-tecnológico, em 1962, lançada por Ângela Maria, a marcha "A Lua é camarada" de Armando Cavalcânti e Klécius Caldas, a eterna testemunha noturna dos amores volta a ser motivo de canções carnavalescas:

 

 

         "Vem

          Não deixes pra depois, depois

         Vem

         Que a noite é de nós dois, nós dois,

         Vem

         Que a lua é camarada

         Em teus braços quero ver

         O sol nascer.

 

         A noite é linda

         Nos braços teus

         é cedo ainda

         Pra dizer adeus".

 

         Após a descida do astronauta Armstrong ao Mar da Tranqüilidade em 20 de julho de 1969, a Lua é o estímulo do samba "Bloco da Lua" de Luiz Reis e Miguel Gustavo:

 

         " no bloco da lua

         Sô da nave da rua

         Vou no bloco pra frente

         Tem gente ficando pra trás".

 

         Não estando contente de cantar a Lua, a Escola de Samba Mangueira, deseja também desfilar pelas crateras lunares, como está expresso no belo enredo "Mangueira na Lua", de João Roberto Kelly, que foi gravado por Lana Bittencourt:

 

         "Na Lua tem uma avenida

         Que está esperando

         Minha Mangueira querida". 

 

         Sem dúvida, no dia em que os brasileiros chegarem à Lua, lá teremos carnavais nos quais o motivo das marchas será o belo "luar" da Terra ...

 

 

 

Trevas! Luz! A explosão do universo.

 

    No Carnaval de 1997, a escola de samba Unidos do Viradouro, durante o desfile pela passarela do Sambódromo, ao interpretar o enredo de Dominguinhos do Estácio, Mocotó, Flavinho Machado e Heraldo Faria, a genial carnavalesco de Joãosinho Trinta deu um novo panorama dos primeiros instantes da criação do universo ao associar, no branco e escuro dos componentes de sua escola, à idéia da matéria e da antimáteria que reinou nos primeiros instantes do início do universos, transformando aquele momento numa explosão de alegria

 

“Lá vem a Viradouro aí, meu amor!

É Big-bang, coisa igual eu nunca vi!

Que esplendor.

 

Vem das Trevas tudo pode acontecer,

A noite vira dia, luz de um novo amanhecer!

Vai, meu verso, buscar a Terra em embrião,

Da poeira do universo

Desabrocha a natureza em expansão.

Oh! Mãe Iemanjá, deusa das águas!

Naná, deixa o solo se banhar!

 

Orá, , , ô, mamãe oxum,

Vem com ondinas reinar,

 

No fogo a salamandra a dançar,

As pombas brancas simbolizando o ar,

Explodem as maravilhas,

Vejo a vida brilhando afinal!

Surge o homem iluminado

Com hinos de luta e cantos de paz:

É o equilíbrio entre o bem e o mal.

E com o coração nessa folia,

Seja noite ou seja dia, amor,

Eu quero me acabar!

 

Vou cair na gandaia, com a minha

bateria!

No balanço da mulata, a explosão

de alegria”.

 

Santos-Dumont

 

         Em 2002, o Salgueiro e a Beija-flor consagraram as vitórias de Santos-Dumont, ao recordar os balões, os dirigíveis e os mais pesados do que o ar – do primeiro bi-plano, o 14-Bis, ao elegante monoplano Demoiselle –, no que, aliás, foram muito felizes.

        Vejamos o enredo “O Brasil dá o ar de sua graça. De Ícaro a Rubem Berta, o ímpeto de voar” do Beija-flor :

 

Beija-flor espacial ô ô
Cruzou o espaço sideral ô ô
Fez do meu sonho
Realidade neste carnaval

Num toque divinal do Criador
Surgem passarinhos a bailar
Com elegância e beleza
Inspiração que fez o homem voar
Na mitologia construiu
Asas de cera para a liberdade
Rumo ao Oriente sobre tapetes

Conheceu estórias milenares
Reluz no renascimento a profecia
Que o grande cisne voaria
E o mundo se encantaria

Vai, vai balão
Leve o meu sonho pra imensidão
Sou brasileiro, pioneiro
Grande "pai da aviação"

Oh! Glória...
Glória a um gaúcho sonhador
Fez da moderna aviação
A integração nacional
No seu desejo profundo
Este cidadão do mundo
Lutou pela igualdade social
O homem avança no espaço sideral
Com a força do guerreiro
Alcança a lua
E clama pela paz universal

 

        Com o mesmo objetivo em homenagear Santos Dumont o Salgueiro elaborou o seguinte enredo:

 

O sonho está no ar, vai decolar
Com o Salgueiro
Dando asas à imaginação
Alcançou a imensidão
O orgulho de ser brasileiro
Este sonho foi de Ícaro
Renasceu em Da Vinci
Pipas chinesas, aves de papel
Era mais leve que o ar
Nos balões a flutuar
Cruzava mares, dirigível pelo céu
Hoje eu vou salgueirar, da avenida voar
Com a bandeira do meu país (bis)
Vou com Santos Dumont
Tirando onda em Paris

Surgiram heróis pioneiros
Que marcaram história na aviação
Com a tecnologia romperam o espaço
Barreira do som
Riscando o céu vermelho
Estende o tapete, lá vem meu Salgueiro
Herdeiro do ar, comandante da folia
Tamanho orgulho te cantar na academia

Vou zoar
Nem melhor, nem pior, amor (bis)
O Salgueiro vai eternizar
Vida e vôo de um sonhador

 

DNA

 

         Agora, em 2004, a Unidos da Tijuca nos brinda com este indivisível enredo, cujo título já é uma obra prima de concepção “O sonho da criação e a criação do sonho: a arte da ciência no tempo do impossível”. Aproveitando a concepção de H.G. Wells da máquina do tempo, o carnavalesco Paulo Barros conduz o povo a uma viagem através de idéias que marcaram a história da ciência nos últimos tempos desde a Renascença, passando pela idéia da luta de Frankenstein pela vida contra a morte, até os dias atuais, com referências à clonagem, aos transgênicos, ao DNA, etc.:

 

         “Na arte da ciência

         A busca continua

         Na luta incessante para vencer o mal

         E no vai e vem dessa história

         O velho sonho de ser imortal

 

         Não devemos esquecer que neste trabalho Paulo Barros, contou com o apoio dos cientistas da Casa da Cultura que consideram a divulgação científica como fundamental. Realmente, os cientistas não podem nem devem se afastar do povo. É feliz o país que tem cientistas que se preocupam com a associação da ciência com o povo. É nada melhor do que o Carnaval – a festa máxima do povo brasileiro – para alcançar a meta de levar a ciência à sociedade.

 

 

Einstein

 

         Em 2005, em Sobral, onde a teoria da relatividade geral foi confirmada durante o eclipse de 1919, a escola de samba Unidos das Pedrinhas, com apoio da Universidade do Vale do Acaraú, organizou o samba enredo, A lei da relatividade 100 anos (1905-2005):

 

         “Dos estudos da ciência

         o mundo revolucionou

         Einstein, e suas teorias

         pôde a lei consolidar

         com o eclipse de Sobral

         tudo pode comprovar”

 

Santos Dumont – Brasil e França navegando pelos ares
    
         Neste ano do centenário do vôo do primeiro mais pesado do que o ar – 14 Bis – o enredo da escola de samba Unidos do Peruche de São Paulo homenageia Santos Dumont com a seguinte letra:
 
Luzindo, o Cruzeiro do Sul, vem a Velha Guarda saudar.
Abençoar as baianas, que sorrindo vão girar
As rodas do tempo, embalando a emoção
O passado está presente, fruto da imaginação
Santos Dumont, fez a vida mais feliz
Concebeu o 14 Bis, no desejo de voar
Nas asas da esperança, rasgou céus e rasou mares.
Eis aí “Brasil e França navegando pelos ares”,
Luzes coloridas, nesse quadro cultural, brilham
E a Cidade Luz, vira a Paris tropical.
O menino passarinho, deixou seu ninho e ganhou o céu
Um ilustre brasileiro, pra quem tiro meu chapéu
 
        Aproveitaram a ocasião para recordar que foi o nosso pioneiro da aviação o inventor do relógio de pulso, uma vez que  precisava ter as mãos livres para executar as manobras durante o vôo assim como determinar  o intervalo de tempo no ar:   
 
Quando o som da bateria, ecoar
No pulso, firme o relógio vai marcar
O tempo que o surdo faz o toque de marcação
No compasso do coração
 

Conclusão 

           Finalmente, gostaria de lembrar este texto pouco conhecido de Albert Einstein:

         - “Os homens não vivem de pão. É possível que as pessoas não versadas nas ciências atinjam uma parcela da beleza e virtudes inerentes ao pensamento, com a condição de que este pensamento lhes seja tornado assimilável. Não devemos exigir que a ciência nos revele a verdade. Num sentido corrente, a verdade é uma concepção muito vasta e indefinida. Devemos compreender que só podemos visar à descoberta de realidades relativas. Além disso, no pensamento cientifico existe sempre um elemento poético. A compreensão de uma ciência, assim como apreciar uma boa musica, requer em certa medida processos mentais idênticos. A vulgarização da ciência é de grande importância, se proceder duma boa fonte. Ao procurar-se simplificar as coisas não se deve deformá-las. A vulgarização tem de ser fiel ao pensamento inicial.”

         A leitura desse trecho seria suficiente para eliminar um pouco a incompreensão da importância da divulgação científica, mas Einstein continua:

         - “A ciência não pode, é evidente, significar o mesmo para toda a gente. Para nos, a ciência é em si mesma um fim, pois os homens de ciência são espíritos inquisidores. Mas não devemos esperar que todos comunguem das nossas concepções, e assim os profanos em matéria de ciência devem constituir objeto de uma especial consideração. A sociedade torna possível o trabalho dos sábios, alimenta-os. Tem o direito, portanto, de lhes pedir por seu lado uma alimentação digestiva”.

         Assim como Einstein acreditou que a sociedade pede aos que guardam segredos a sete chaves, sejam científicos ou de natureza política, que liberem-na de uma forma algo bem digestível.

 

 

          

 

 

 

Bibliografia

 

Araújo, Hiram( coordenador),. Memória do Carnaval, Oficina do Livro, Rio de Janeiro, 1991

 

Maximo, João e Didier, Carlos. Noel Rosa, uma biografia, Editora UnB, Brasília, 1990.

 

Mourão, Ronaldo Rogério de Freitas. Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica, 2ª edição revista e ampliada, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1988.

--- O livro de ouro do Universo, 7ª edição, Ediouro, Rio de Janeiro, 2005.

--- Que dia é hoje?, Unisinos, São Leopoldo, RS, 2003.

 



[1] Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, astrônomo, fundador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins. Autor de mais de 75 livros, entre outros livros, do “O Livro de Ouro do Universo”.

Consulte a homepage: http://www.ronaldomourao.com