REVISTA CANTAREIRA

 

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ISSN 1677–7794

cantareira@historia.uff.br

 

 

 

 

 

 

 

 

CANTAREIRA – Revista Eletrônica de História

Volume  2    Número   3    Ano  3  – dez. 2005

Editor    Mauro Henrique Barros Amoroso

Universidade Federal Fluminense (UFF)

Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF)

Departamento de História

Campus do Gragoatá - Bloco O - 5º andar - Niterói - RJ - Brasil - CEP 24210-350
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Equipe

 

Editor Responsável

Mauro Amoroso

 

Editores

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Editores Correspondentes

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Designer gráfico

Sheila Freire

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha Catalográfica

 

Revista CantareiraRevista Eletrônica de História

         Volume 2, Número 3,  Ano 3,  dez. 2005

          Disponível em: hhttp://www.historia.uff.br/Cantareira

 

1. História Geral; 2. Historiografia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Despertar e incentivar”!

A Pastoral de Favelas e o movimento comunitário de favelas cariocas na Redemocratização

                                                                                                                     Mário Brum*

 

RESUMO: este artigo busca ajudar a superar uma lacuna existente nos estudos de favelas, causada talvez pela pouca produção histórica referente ao tema, que é a dimensão mais apropriada do papel que a Pastoral de Favelas da Arquidiocese do Rio de Janeiro exerceu no movimento comunitário de favelas cariocas, a partir do fim da década de 1970, período de maior ebulição dos movimentos sociais, que retornavam à cena política, na maioria das vezes em choque direto com as políticas sociais e econômicas instauradas pela Ditadura Militar iniciada em 1964. A Pastoral de Favelas, através de seu Serviço de Assistência Jurídica, fez da luta pela posse da terra urbana um instrumento de animação, de mobilização e articulação dos favelados e de suas lideranças, surgindo então várias destas empenhadas numa concepção de movimento autônoma em relação ao Estado, priorizando a mobilização da comunidade.

Palavras-chave: Favelas, Pastoral de Favelas, associação de moradores, luta pela terra

ABSTRACT: this article looks for to help to overcome an existent gap in the studies of slums, caused maybe by the little historical production regarding the theme, that it is the most appropriate dimension of the paper than the Pastoral of Slums of the Archdiocese of Rio de Janeiro exercised in the community movement of carioca slums, starting from the end of the decade of 1970, period of larger ebullition of the social movements, that you/they returned to the political scene, most of the time in direct shock with the social and economical politics established by the initiate Military Dictatorship in 1964. The Pastoral of Slums, through his/her Service of Juridical Attendance, did of the fight for the ownership of the urban earth an animation instrument, of mobilization and articulation of the slum dwellers ones and of their leaderships, appearing then several of these pawned in an autonomous movement conception in relation to the State, prioritizing the community's mobilization. 

Key words: Slums, Pastoral of Slums, residents' association, struggles for the earth


 

 

INTRODUÇÃO

 

 

Este artigo busca ajudar a superar uma lacuna existente nos estudos de favelas, causada talvez pela pouca produção histórica referente ao tema, que é a dimensão mais apropriada do papel que a Pastoral de Favelas da Arquidiocese do Rio de Janeiro exerceu no movimento comunitário de favelas cariocas, a partir do fim da década de 1970, período de maior ebulição dos movimentos sociais, que retornavam à cena política, na maioria das vezes em choque direto com as políticas sociais e econômicas instauradas pela Ditadura Militar iniciada em 1964. Uma delas é a política de remoções das favelas cariocas, que contou com participação ativa do governo estadual, mais durante um período, menos em outro, mas que prevaleceu até meados da década de 1970, sendo seu auge no período 1968-1973.[1]

 

OS PRIMÓRDIOS DA PASTORAL

 

No final de 1977, embora houvesse passado o auge desta política, mais uma vez o tema da remoção voltaria a assustar os favelados, desta vez no Vidigal, favela localizada na avenida Niemeyer que conta com uma vista privilegiada para o oceano Atlântico. A favela recebeu a visita de alguns funcionários da Fundação Leão XIII, que avisaram da remoção. Apesar do desânimo de alguns, os moradores se mobilizaram com o apoio da Pastoral de Favelas e, com esta mobilização, conseguiram fazer com que o caso chegasse à imprensa, quando o secretário de obras do município afirmou que a remoção seria devido aos riscos de desabamento na favela. Como aproximavam-se as festas de fim de ano, os moradores conseguiram adiar a remoção por algum tempo. Soube-se também que os planos eram de transferir os favelados para o conjunto Antares, em Santa Cruz, a mais de 30 quilômetros de distância do local. Finalmente, no dia marcado para a remoção, com a Fundação Leão XIII tendo mobilizado o aparato da Comlurb e da polícia de choque, os advogados conseguiram uma liminar para impedir a remoção e depois uma medida cautelar a favor dos favelados. O despacho do juiz afirmava que os favelados já estavam no local há mais de 20 anos e que não havia risco iminente de desabamento. No fim, os favelados conseguiram permanecer no local[2].

Esta luta no Vidigal é considerado o marco inicial da Pastoral de Favelas, entidade fundamental para o movimento comunitário das favelas cariocas no período que se inicia a partir da Abertura Política no fim dos anos setenta[3]. Alguns padres e demais pessoas leigas já vinham promovendo reuniões com grupos de favelados no período anterior ao episódio do Vidigal, a exemplo do que ocorriam com diversos outros segmentos que voltavam a se organizar no fim da Ditadura a partir das Comunidades Eclesiais de Base. Apesar de não ter tido muitas vitórias, o período correspondente ao II Congresso da Fafeg era lembrado por alguns padres e alguns favelados como um período de lutas e exemplo a ser seguido, pela organização e mobilização que as favelas tinham conseguido.

Desde 1976, o padre Ítalo Coelho vinha promovendo reuniões com antigas lideranças faveladas na zona sul do Rio, afastadas pela repressão sobre que se abateu sobre este movimento. Na visão de Padre Mauro Prigol (desde 1973 até 2005 à frente da Igreja Nossa Senhora da Salete, no Catumbi) incentivador da Pastoral desde seu começo, as origens desta passa também pelas organizações operárias ligadas à Igreja, como a Ação Católica Operária (ACO), sendo a Pastoral uma conseqüência desta linha de ação desenvolvida por alguns setores da Igreja[4]. Segundo a agente da Pastoral, Ana Maria Noronha: “Antes de 64 já havia alguma organização, mas depois passou, porque ninguém podia trabalhar, fazer reuniões e tudo mais. Um grupo de padres e leigos resolveu que era tempo de abrir espaço, já que era mais fácil convidar os moradores das comunidades para que viessem discutir os seus problemas.[5]

Embora a Pastoral não tenha sido a primeira instituição da Igreja Católica voltada para as favelas do Rio de Janeiro, sua forma de atuação e mesmo os princípios que a guiaram a diferencia radicalmente das ações anteriores da Igreja nesta área, como a Fundação Leão XIII[6] e a Cruzada São Sebastião. A compreensão disto nos leva à uma rápida discussão sobre as mudanças ocorridas na Igreja Católica no Brasil e no mundo durante a década de 1970.

No Brasil, embora grande parte da alta hierarquia da Igreja tenha se posicionado a favor do Golpe de 64, no qual várias organizações católicas leigas participaram de sua articulação, o distanciamento entre a Igreja e o regime se daria gradativamente conforme vão ficando mais evidentes as constantes violações de direitos humanos por parte deste e os custos sociais do Milagre Econômico no início da década de 1970. Diversos documentos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil com críticas ao regime e à situação do país vão deixando mais claro este distanciamento[7], demonstrando assim que os setores mais progressistas, mais enfáticos em suas críticas, foram ganhando mais espaço dentro da Igreja, indo ao encontro de muitos católicos leigos que cobravam desta uma postura mais incisiva e, em sua visão, mais de acordo com os princípios cristãos. Isto abriu o caminho, junto à outros fatores, para o crescimento da Teologia da Libertação no Brasil, a partir principalmente da II Conferência Episcopal Latino-americana realizada em 1968 na cidade de Medellín, na Colômbia[8], reforçada em 1978, na III Conferência Episcopal Latino-americana em Puebla, no México, quando a Igreja faz a Opção preferencial pelos pobres como sua prática num continente marcado por profundas desigualdades. Tanto Libânio quanto Gómez de Souza[9] fazem a ressalva que o predomínio de posições progressistas quanto a análise da realidade latino-americana (ou nacional) e pelas orientações a seguir se deve menos a uma posição majoritária de uma determinada tendência e mais ao peso das experiências concretas já existentes, como no caso das  diversas ações de Pastoral desenvolvidas pela Igreja no Brasil.

 

A IGREJA NO BRASIL E A QUESTÃO DO SOLO URBANO.

 

Vemos então que a Pastoral encarna este novo momento da Igreja, se diferenciando, como dissemos acima, das ações anteriores da Igreja nas favelas em aspectos fundamentais, fruto também da conjuntura da falta de direitos políticos e civis da época, como demonstraremos a seguir.

O documento da Arquidiocese do Rio de janeiro que trata sobre a questão da habitação na cidade Moradia do pobre no Rio de Janeiro[10] é esclarecedor quanto os novos princípios que guiam a ação da Pastoral. Na avaliação das ações anteriores da Igreja neste campo, há breves menções sobre os êxitos obtidos por cada instituição, não deixando de reconhecer, no caso da Cruzada São Sebastião, em que pese os vários aspectos positivos, que esta “tem ainda alguma coisa do paternalismo das ações anteriores”. Da mesma forma, em documento produzido na XIX Assembléia Geral da CNBB, que destaca a questão da habitação popular no Rio de Janeiro e as ações da Igreja nesta área[11], a Fundação Leão XIII é apenas citada, sem ter sido feito nenhum balanço, negativo ou positivo, sobre sua atuação.

Achamos válido para a compreensão da ação e princípios da Pastoral de Favelas deixar mais claro qual era o entendimento da questão do solo urbano e da posse da terra que prevalecia na Igreja nesta época. No documento produzido a partir da assembléia da CNBB em 1982[12], são criticadas a especulação imobiliária, a concentração de renda e a “a falta de instrumentos jurídicos claros para coibir a especulação imobiliária devido a interesses poderosos.O documento aponta ainda que sendo a população de baixa renda relegada ao seu próprio destino e como a moradia é “uma necessidade” os pobres buscam suas próprias saídas com criatividade, luta, esforço e união. A partir de diversos documentos da Igreja (encíclicas como a Popolorum Progresio, por exemplo) a cidade deve ser entendida como espaço da solidariedade cristã, da vida em comunidade. O direito de propriedade então, deve estar subordinado ao bem comum, sendo o direito à moradia um direito universal e “requisito da vida verdadeiramente humana”. Assim, este documento aponta que “Consciente, cada vez mais, da capacidade do povo em resolver seus próprios problemas, a Igreja incentiva-o a resolver a participar de todas as decisões que lhe dizem respeito, apoiando as diversas formas de organização e mobilização populares, tais como os movimentos de defesa dos favelados.

Focando a atenção na Arquidiocese do Rio de Janeiro, na época encabeçada pelo Cardeal Dom Eugênio Sales, grande entusiasta da ação pastoral, no documento Moradia do pobre… a atividade da Pastoral é considerada como “de apoio e defesa dos moradores das habitações pobres., voltada para a “solução dos problemas de fixação do Homem à terra, através do problema da atuação relacionada com os direitos de propriedade, posse e habitação das camadas de menor renda.[13].

Outra mudança de orientação que podemos ver nestes documentos, além da ênfase na posse da terra por parte dos favelados, é que a urbanização das favelas é considerada um dever do Estado, o que difere das ações anteriores que atribuíam principalmente ao favelado a responsabilidade pelas melhorias nas casas e favelas, sendo que eram ainda admitidas as remoções, em maior ou menor grau. Sendo o Estado ainda o responsável em encaminhar as políticas de desapropriação ou compra das áreas em que as favelas estão localizadas. Cabe ressaltar que em todos os três documentos a política de remoções é criticada: “O grandioso projeto de extinção das favelas vai se demonstrando ineficiente para resolver o problema da moradia das famílias de baixa renda[14]. Ou ainda: “a política de remoção não atingiu seus objetivos[15]. A Igreja passa a só admitir a remoção onde não for viável a urbanização, e mesmo assim, a favela deveria ser transferida para uma área próxima, devendo ainda ser seus moradores partícipes de todo o processo, com cada família optando pela solução que melhor lhe coubesse.

 

“NOVAS” POSTURAS DO ESTADO

 

Além das transformações ocorridas na Igreja, o período de surgimento da Pastoral se caracteriza também por certa indefinição nas políticas do Estado, em seus diversos níveis, para as favelas, com sinalizações contraditórias. Assim, a política de Chagas Freitas e de sua corrente no governo estadual e na prefeitura (o prefeito na época era indicado pelo governador) se pautava por obras pontuais nas favelas tendo sido criada ainda a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social durante a gestão de seu indicado Israel Klabin para ser o órgão de políticas para as favelas[16], que iniciou um ambicioso programa de urbanização na Rocinha[17]. Do mesmo modo, o governo federal, que poucos anos antes era o responsável pelo programa de remoção de favelas, iniciou, através da Light, o Programa de Iluminação de Favelas, bem como lançou o Programa de Erradicação da Sub-habitação (Promorar), conhecido como Projeto Rio, que erradicaria as palafitas da Maré e urbanizaria as favelas da área. Mas se as remoções, ainda que tenham deixado de ser uma ação sistemática de governo, permaneceram como uma ameaça esporádica, como no caso do Vidigal, promovida por órgãos do governo estadual e da prefeitura. Ou ainda, como o temor de vários moradores da área da Maré quanto no que consistiria exatamente o Projeto Rio e a erradicação das palafitas (como veremos adiante). De qualquer forma, havia uma ‘nova’ postura, ainda que não homogênea, dos órgãos de Estado quanto à política para as favelas, acenando, naquele momento, à urbanização destas.

 

LUTA PELO DIREITO À TERRA E À MORADIA.

 

Esta nova postura do Estado, em conjunto com o momento de efervescência política próprio da Abertura democrática, este mesmo estimulado pela ação da Igreja, fez com que este período (1976-1980) seja o que tenha sido criado o maior número de associações de moradores até então,  superando inclusive a época de José Arthur Rios à frente do Serfha.[18] Junto à isso, a vitória no Vidigal também serviu de estímulo à participação de outras associações nos fóruns da Pastoral de Favelas. A Pastoral, que havia começado na Zona Sul, ampliou sua ação, passando a se organizar na área da Zona Norte e Leopoldina.

A questão da posse da terra se mostrava a maior preocupação da população favelada, ainda sob o impacto do período remocionista que rondava estas comunidades como um fantasma. Por isso em 1978, a Pastoral, baseada no episódio da Vidigal, onde a assistência jurídica[19] foi fundamental para o desfecho favorável aos favelados, criou o Serviço de Assistência Jurídica, conduzido por advogados ligados à Igreja, como Sobral Pinto, Bento Rubião, Eliana Athayde, entre outros, como forma de auxiliar as comunidades na luta pela posse da terra.

O Serviço de Assistência Jurídica era entendido como fundamental numa época em que uma das principais lutas da sociedade, incluindo a Igreja, como vimos acima, pautava-se pela volta ao Estado de Direito. Acrescentando ainda que, para a Igreja, a forma de atingir seus objetivos se caracterizava pela busca do entendimento e da solidariedade[20] como princípios cristãos, daí a busca tanto de conversações com as autoridades governamentais[21] como a utilização, de maneira mais ampla possível, de instrumentos legais para resolução dos problemas das comunidades. O que não descartava a mobilização e organização dos favelados, por parte da Pastoral, através de suas associações de moradores[22], pois “à medida que as organizações se fortalecem, surge o poder de reivindicação comum, a garantia da permanência, do uso, da posse e propriedade do solo.”[23]

Este deve ser entendido também como o sentido (além de toda a parte prática) do Serviço de Assistência Jurídica da Pastoral de Favelas. No Encontro de Advogados em 1979 que reuniu os advogados ligados à Pastoral e de membros da Arquidiocese, um dos entendimento do encontro é de que “O povo não inicia sua luta de esperança, senão através de ações concretas em função dos interesses mais imediatos de suas necessidades primeiras. Só através destas ações, o homem absorve e entende a força de sua união, a luta pela justiça, a  busca de um mundo novo. Só assim ele começa a sentir motivação para o seu caminhar.”[24] Ainda no mesmo documento, a mobilização das comunidades através de suas organizações fica mais clara: “Foi unânime a constatação da necessidade de uma atuação viva das comunidades e, sempre que possível, através de seus órgãos representativos.” (o grifo é meu).[25]

O Serviço de Assistência Jurídica pode ser entendido como o núcleo “orgânico” da Pastoral em seus primeiros anos. Este funcionava de duas formas: através do serviço de Pronto-Socorro e do serviço preventivo[26]. O Pronto-Socorro se pautava pela ajuda emergencial, “reagente”, em questões de ameaça de remoção por parte do Estado ou despejo por supostos (ou não) proprietários dos terrenos onde as favelas estavam, como nos casos da Rocinha, Vidigal, Morro dos Cabritos, Santa Marta, Lagartixa, Morro da Matriz, etc. [27]. Para os agentes à frente da Pastoral (os ‘não-favelados’, como padres, advogados, jornalistas, aos quais chamaremos aqui de ‘apoiadores’) este tipo de serviço não excluía a mobilização da comunidade, mas ao contrário, “serve para despertar nos destinatários da medida, e na comunidade em geral, a necessidade de se organizarem[28], considerando ainda que a entrada do advogado da Pastoral seria “sempre feita através da associação de moradores ou qualquer organização similar[29]. Até 1981, o Pronto-socorro já havia sustado 17 ações de despejo.[30]

Já a atividade preventiva se pautava em: estudos sobre a questão habitacional, fosse através de seminários (como o do Sumaré), encontros com vários segmentos da sociedade, desde os próprios favelados, intelectuais, estudantes, etc., e com diversos órgãos, governamentais ou não, que se relacionassem à questão[31]; a mobilização das comunidades se dava através da participação em assembléias da pastoral, reuniões com as associações de moradores, e decidindo no Encontro de Advogados em 1979 que para o serviço ser implantado era necessário “formar comissões jurídicas da própria comunidade, se possível com assistência de advogado, senão só com os próprios moradores[32] nas favelas sob o raio de ação da Pastoral. Podemos ver que a montagem destas comissões jurídicas era, para os advogados do Serviço de Assistência Jurídica da Pastoral, a melhor forma de atingir os objetivos de despertar e organizar as comunidades para lutarem pelos seus direitos, ou seja, “Despertar e incentivar a conscientização comunitária é o ‘algo mais’ inserido no trabalho das Comissões Jurídicas[33]. Estas comissões eram compostas pelos favelados e funcionariam como embriões de organizações comunitárias. Entre suas atribuições, estavam: o levantamento de como estava a questão da posse da terra em cada favela, a assessoria às associações de moradores ou a criação destas onde não houvesse, e a disputa onde estas estivessem sob a influência do chaguismo, tendo sido, em diversas favelas (como Catumbi, Rocinha, etc.), organizadas chapas de oposição que exigiam das juntas governativas que estas fizessem uma prestação de contas e convocassem a eleição para uma nova diretoria.[34] Em três anos, a Pastoral havia organizado comissões jurídicas em 33 favelas (ou conjuntos habitacionais), entre elas, estavam grandes e/ou tradicionais favelas cariocas, tais como: Chapéu Mangueira, Cantagalo, Vidigal, Formiga, São Carlos, Salgueiro, Catumbi, Mangueira, Vila Cruzeiro, Acari, Alemão, Liberdade (hoje Turano), entre outras[35]. Sempre no intuito de mobilizar o maior número de pessoas possível, estas comissões eram eleitas em assembléias realizadas nas favelas[36].

Um dos trabalhos realizado no ano de 1980 pelas comissões jurídicas, agentes e pelas associações de moradores (onde havia) em cerca de 100 comunidades no Rio de Janeiro, foi o levantamento detalhado de cada favela quanto ao número de moradores, à posse da terra , à oferta de serviços públicos, o nível de organização comunitária, entre outros aspectos[37]. De 1981 até 1986, a Pastoral contaria com o apoio financeiro da Fundação Ford. A verba foi usada para seu serviço jurídico, capacitação de lideranças, para custear os agentes pastorais, para sua estrutura administrativa e para o jornal Favelão, que também serviu para articular as várias iniciativas locais de imprensa popular feitas pelos favelados, que tinham no Favelão espaço paras publicar notícias de suas comunidades.[38] O fim deste financiamento acabou por dificultar o trabalho da Pastoral, o que trataremos adiante.

Quanto aos agentes da Pastoral, segundo Ana Maria Noronha, estes eram lideranças das próprias favelas, sendo ela a única “de fora”: “Ao todo são dez os líderes que trabalham conosco, dois de cada vicariato[39], que levam e trazem as coisas importantes de cada comunidade, visitando, animando as reuniões e assembléias, incentivando a comunidade, e contribuindo, assim, para uma tomada de consciência.”[40]

 

A PASTORAL E O ESTÍMULO À MOBILIZAÇÃO COMUNITÁRIA.

 

Além da intenção de apoiar a organização comunitária, o que podemos apreender dos documentos da Pastoral é a constante ressalva quanto à possibilidade de atuação das organizações comunitárias conquanto estas de fato estejam em consonância com os objetivos da Pastoral, o que significava, entre outras coisas, que as associações deveriam ter autonomia em relação ao Estado, e especificamente naquela conjuntura, estarem afastadas da influência do chaguismo, que mantinha o controle de várias associações de moradores. Assim, numa assembléia da Pastoral do Vicariato Norte[41], vemos que as queixas mais comuns dos participantes era quanto à oferta de serviços públicos em suas favelas, particularmente quanto à água, sob responsabilidade da Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgotos do Rio de Janeiro). À esta queixa acrescentaram que “alguns presidentes estão ligados à políticos, prejudicando assim toda a comunidade”. Após o debate de como encaminhar esta questão (indo a Cedae reclamar e fazer um abaixo-assinado), mais adiante na ata está escrito: “Sabemos que qualquer reivindicação que quizermos (sic) fazer tem que haver antes de tudo a união (…) se o povo não pressionar as autoridades e fazer (sic) uma conscientização de sua comunidade, será difícil resolver os problemas.(o grifo é meu). Na assembléia seguinte, a questão seria novamente tratada de forma ainda mais clara: “Conversou-se sobre problemas das favelas, vendo primeiramente o problema da ‘politicagem’, pois em algumas comunidades entraram ‘políticos’, que estão atrapalhando a vida da comunidade.[42] No entanto, é feito adiante, na ata, a ressalva de que “o trabalho da associação é um trabalho político e ninguém deve ter medo disso.

Quando das discussões sobre as formas legais de garantir a posse da terra por parte dos favelados, o documento da CNBB[43] faz dura críticas aos políticos, atribuindo à estes a razão das dificuldades de modificar as leis que regem esta matéria, pois “a classe política  (…) entende com clareza que, a partir do momento no qual a ‘situação de favor’ não mais existir, cessará imediatamente seu poder de barganha. É por isso que ela bloqueia qualquer tentativa possivelmente eficaz de solucionamento do problema.

Segundo o depoimento de alguns entrevistados[44], parte do papel que a Pastoral cumpriu na reorganização do movimento comunitário das favelas cariocas se deve ao fato dos demais canais de mobilização popular, como os partidos de esquerda e sindicatos, estarem prescritos ou sob severas restrições ao seu funcionamento. Motivo ao qual a Pastoral de Favelas, sob o ‘guarda-chuva’ acolhedor da Igreja Católica, serviu como meio desta militância de esquerda ter uma atuação orgânica, ou voltar a tê-la, como foi o caso de muitas das antigas lideranças comunitárias. Do mesmo modo, isto explica o apoio que a Pastoral recebeu de diversos segmentos, que coadunavam com as bandeiras que a Igreja Católica no Brasil vinha empunhando, como vimos acima.

Todos estes elementos que discutimos acima: a importância que a Pastoral (e a Igreja) atribuía a mobilização popular; as críticas a um determinado tipo de político cuja atuação, baseada no clientelismo, atrelava e ‘imobilizava’ as organizações populares, impedindo-as de cumprirem seu papel como instrumento de libertação das camadas pobres da sociedade; a significativa participação de militantes de esquerda, direta, como no caso das lideranças comunitárias, ou indireta, como no caso de pessoas oriundas de outros segmentos da sociedade que apoiavam a Pastoral; acabaram levando a que um dos temas a ser freqüentemente discutido nas reuniões da Pastoral fosse o papel da Faferj (novo nome da Fafeg após a fusão) e seu esvaziamento, criticando seu atrelamento à máquina chaguista e à Fundação Leão XIII. Na visão destas lideranças, a Faferj há muito não atendia aos interesses dos favelados, pois havia sido cooptada pelo Estado, chegando até a colaborar em algumas remoções durante a década de 1970. Iniciava-se assim uma disputa que iria pautar o movimento comunitário das favelas cariocas no começo da década de 1980, apresentado como uma disputa de diferentes concepções de movimento.

 

CONCLUSÃO

 

A partir de meados da década de 1980, o ‘enfraquecimento’ da Pastoral começa a ser tema de debate. É atribuído, inicialmente, ao fim do financiamento da Fundação Ford, em 1986, ao Serviço de Assistência Jurídica[45] (e conseqüentemente à infra-estrutura da Pastoral), como aparece escrito no documento de avaliação da Pastoral do ano de 1987: “o trabalho da Pastoral de Favelas prosseguiu com vistas à redução de algumas atividades, em virtude do projeto que vinha sendo implementado com o apoio da entidade financiadora.”[46] A percepção de um enfraquecimento da Pastoral passa a ser mais debatida com o passar do anos, sendo um tema constante seus fóruns[47]. Um dos pontos levantados é sobre qual seria o novo papel da Pastoral, neste “novo momento político[48] com um Estado que vinha atendendo algumas demandas do movimento comunitário, particularmente às das favelas com maior poder de pressão, ou seja, as que tinham um movimento comunitário organizado, de modo que muitas associações passaram a ter seus próprios canais de articulação com os órgãos do Estado, ‘dispensando’ a participação nos fóruns da Pastoral. Além disso, como o “momento político” mudara, o guarda-chuva acolhedor da Pastoral não era tão necessário quanto fora na época da Ditadura Militar, havendo agora outros meios com os quais o movimento comunitário podia se organizar, inclusive, no próprio aparelho do Estado.

A própria questão da posse da terra simboliza bem as mudanças ocorridas no movimento comunitário durante a década de 1980, como podemos observar através dos documentos da Pastoral. Como discutimos anteriormente, a luta pela posse da terra encaixava-se numa luta pela garantia da permanência da favela, num momento ainda sob o impacto das políticas remocionistas. Embora os governos, principalmente o de Brizola, tenham acenado com a transferência dos títulos de propriedade aos favelados, e avançado nesta questão em algumas favelas, esta luta foi cedendo lugar gradualmente para a luta pela urbanização e a implantação de serviços públicos, mais palpável e com benefícios imediatos, além de ser uma ‘garantia’ oficial do reconhecimento da favela a permanecer naquele espaço. Sendo esta ainda uma luta que não dependeria de complexos trâmites jurídicos, mas do nível de articulação das associações de moradores com os órgãos governamentais.

 

 

 

FONTES UTILIZADAS:

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ARQUIVOS CONSULTADOS:

Arquivo da Pastoral de Favelas.

Biblioteca do Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais (CBCISS).

Biblioteca do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM)

Biblioteca do Instituto Pereira Passos. (IPP)

 

DOCUMENTOS E DEMAIS FONTES PRIMÁRIAS

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Processos nos 104.317, 104.587 e 106. 784. Irineu Guimarães versus Francisco Vicente de Souza e outros. Ação ordinária e medidas cautelares 19/11/1981. Juiz Mauro Fonseca Pinto Nogueira. Comarca da Capital, Primeira Vara Cível. Poder Judiciário. Estado do Rio de Janeiro (cópia).

Propriedade e Uso do Solo Urbano – Situações, experiências e desafios pastorais Documento da XIX Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Itaici-SP, 1981

Solo Urbano e Ação Pastoral. Documento da XX Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Itaici-SP, 1982

 

DEPOIMENTOS

Ana Maria Noronha. Depoimento (transcrito) sobre a Pastoral de Favelas na III Semana de Estudos Maria Augusta Albano. Movimentos Populares no Brasil. Coleção Temas Sociais, n. 193. CBCISS, Rio de Janeiro, 1985. pp.110-111



* Mestrando em História Contemporânea pela UFF

[1] VALLADARES, Lícia do Prado. Passa-se uma casa: análise do programa de remoção de favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.

[2] NUNES, Guida. Favela: Resistência pelo direito de viver. Petrópolis, Ed. Vozes, 1980.

[3] Na pesquisa desenvolvida por Eli Diniz com 103 associações de moradores de favelas do Rio de Janeiro entre 1980 e 1981, as reuniões com representantes da Igreja Católica (incluindo a Pastoral), figuravam como a segunda principal atividade das associações, só superada pelos trabalhos comunitários (mutirões). Ver DINIZ, Eli. Favela: associativismo e participação social. In: BOSCHI, Renato Raul (org.). Movimentos coletivos urbanos no Brasil. Rio de Janeiro, Zahar, 1982.

[4] A entrevista com o Padre Mário Prigol foi feita em maio de 2005, para a pesquisa “Das Associações de Moradores às Ongs: Trajetórias de lideranças comunitárias em favelas do Rio de Janeiro”, que está sendo  realizada por mim no Mestrado em História da Universidade Federal Fluminense.

[5] Depoimento (escrito) de Ana Maria Noronha sobre a Pastoral de Favelas. III Semana de Estudos Maria Augusta Albano. Movimentos Populares no Brasil. Coleção Temas Sociais, n. 193. CBCISS, Rio de Janeiro, 1985. pp.110-111

[6] Criada pela Igreja em 1947, a Fundação Leão XIII trabalhava com a perspectiva de medidas a médio prazo, que promovessem moralmente os favelados, cabendo à Fundação dar assistência moral e material à estes. A Fundação encarava a promoção social dos favelados como uma necessidade premente à urbanização das favelas. Isto significa que, na visão da Fundação, apenas a urbanização não serviria, sendo necessário uma transformação na mentalidade do favelado. No governo Carlos Lacerda, através do Decreto 1041 de 07/06/1962 do governo estadual, a Fundação Leão XIII se tornou um órgão estatal, ainda que operado pela Igreja. Já a Cruzada São Sebastião foi criada por D. Helder Câmara, arcebispo do Rio de Janeiro, em 1955. Em seus documentos, a Cruzada se justificava como voltada para o amparo e proteção a que o favelado tem direito. Apesar das aparentes divergências, a atuação da Cruzada tinha alguns pontos em comum com a Fundação. Como a idéia da promoção moral dos favelados através da educação precedendo qualquer urbanização. A idéia principal defendida pela Cruzada era a “integração dos favelados a os bairros.”.  Ver: Fundação Leão XIII. Morros e favelas: como trabalha a Fundação Leão XIII – notas e relatório de 1947 a 1954. Imprensa Naval, Rio de Janeiro, 1954 e LIMA, Nísia Trindade. O movimento de favelados do Rio de Janeiro: políticas de Estado e lutas sociais (1954-73). Rio de Janeiro, IUPERJ, 1989. 

[7] São os seguintes documentos: Comunicação pastoral ao povo de Deus (1976) e Exigências de uma ordem política (1977), que tiveram ampla repercussão no país, e também os documentos de episcopados regionais do Brasil: Eu ouvi os clamores do meu povo. Documento de Bispos e superiores religiosos do Nordeste (1973) e Marginalização de um povo. Grito das Igrejas. documento de bispos do Centro-oeste (1973) apud João Batista Libânio. Panorama da teologia da América Latina nos últimos anos in Revista Eletrônica Latino-americana de Teologia n. 229 (servicioskoinomia.net/relat).

[8] A Teologia da Libertação, corrente da Igreja Católica surgiu no início da década de 1960 inspirada a partir do Concílio Vaticano II, realizado em 1962, sob o impacto dos movimentos de libertação e de diversos movimentos ‘culturais’ que ganharam força no período como a da ‘teoria da dependência’, a pedagogia de Paulo Freire, entre outros. A Teologia da Libertação prega uma Igreja mais voltada à realidade social, pois considera que a construção do reino de Deus anunciada por Jesus se faz na terra, assim entendido como um reino de paz e solidariedade entre os homens, criticando então uma Igreja ritualística e descolada da realidade. Para a Teologia da Libertação, os pobres ocupam posição central na construção deste reino, por isso a ênfase na atuação e mobilização destes, pois ela “considera o pobre como sujeito, protagonista da história, da transformação da sociedade e da Igreja. Com sua prática, sua fé, sua experiência de Deus, se faz sujeito mesmo da teologia. Neste caso, atribui-se muita importância aos movimentos populares, ao grito do povo, à reflexão orgânica das CEBs, junto dos quais o teólogo capta os temas, elabora-os, testa-os.” (Libânio. Op. cit.) assim, as Comunidades Eclesiais de Base nada mais são de que a forma de levar a Igreja aos pobres e trazê-los para participar ativamente dela. “Tratar-se ia de redescobrir os pobres que já estão na Igreja, aos milhares, dando-lhes então a palavra e o lugar privilegiado a que têm direito. Não é outra a função das comunidades de base”. In : Luiz Alberto Gómez de Souza Puebla e as práticas populares na América Latina Encontros com a Civilização Brasileira. v. 9. Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1979. pp. 79-93.

[9] Gómez de Souza. Op. cit.

[10] Moradia do pobre no Rio de Janeiro. Cadernos de Pastoral n.1 Arquidiocese do Rio de Janeiro- Secretariado  de Pastoral, Rio de Janeiro, 1979.

[11] Propriedade e Uso do Solo Urbano – Situações, experiências e desafios pastorais Documento da XIX Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Itaici-SP, 1981.

[12] Solo Urbano e Ação Pastoral. Documento da 20ª Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Itaici-SP, 1982

[13] Também são reveladoras as análises sobre a favela que constam neste documento (Moradia do pobre…), que demonstram esta nova visão da Igreja sobre a questão (radicalmente diferente dos princípios que guiaram suas ações anteriores e também das diversas ações do Estado até então) como podemos apreender das deliberações de um seminário promovido pela Arquidiocese (Problema Habitacional da População de Baixa Renda do Rio de Janeiro) realizado no Sumaré em 1979. Desse encontro saíram as seguintes considerações: que as favelas são uma realidade ditada pela lei do possível e não mito ou ficção; que a maioria da população favelada é constituída de trabalhadores e seus dependentes, trabalhadores esses contribuintes de impostos e taxas, como quaisquer outros cidadãos brasileiros; que a conotação de ‘marginal’, atribuída ao morador de favela não procede, uma vez que favelado e favela são parte integrante do sistema econômico, social e político da cidade e do país; que existem, entre os moradores das favelas, redes de relacionamento e vizinhança, com alto nível de interação, que possibilitam trabalhos em conjunto, viabilizando soluções para alguns de seus problemas; que as favelas diferem entre si, devendo portanto, cada uma delas ser considerada na sua especificidade.

[14] Propriedade e Uso do Solo Urbano…

[15] Solo Urbano e Ação Pastoral.

[16] A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social foi criada em 1979 (Decretos 2290 e 2291 de 20/09/1979) seguindo a recomendação do Unicef de criar instituições voltadas especificamente para o combate à pobreza nos municípios. Adiante, neste capítulo, trataremos de maneira mais aprofundada do papel da SMDS nas favelas cariocas e particularmente para o seu movimento comunitário.

[17] A primeira ação da SMDS foi um programa-piloto de urbanização da Rocinha, com ênfase no saneamento  básico. Ver: Proposta para ação nas favelas cariocas. SMDS / Unicef. Rio de Janeiro, 1980. Fonte: Biblioteca do Instituto Pereira Passos (a partir daqui: BIPP).

[18] Diniz, Eli. Favela: associativismo e participação social…

[19] Cabe registrar que nos documentos da Pastoral são usados indiscriminadamente tanto os termos Assistência Jurídica quanto Assistência Judiciária.

[20]Serviço Jurídico – sempre prestado na mesma perspectiva de respeito à verdade, justiça, amor, liberdade, visando ajudar ‘a transformar o homem em agente de sua própria libertação’ (Puebla).Ata do Encontro de Advogados / Secretariado da Pastoral, 1979. Fonte: Arquivo da Pastoral de Favelas (a partir de agora APF).

[21] Como no episódio do seminário “Problema Habitacional da População de Baixa Renda do Rio de Janeiro”, que reuniu além dos advogados da pastoral, autoridades eclesiásticas e lideranças faveladas, as autoridades dos órgãos governamentais ligados à questão habitacional, representantes de construtoras e técnicos. Ver Moradia do pobre…

[22] Ainda no encontro do Sumaré citado acima, a Arquidiocese propôs: “que as associações de moradores, enquanto efetivamente legítimas expressões das comunidades, assim como a Federação das Associações, tenham garantidos seus direitos de organização, na medida em que realmente representem suas comunidades.” (o grifo é meu).

[23] Propriedade e Uso do Solo Urbano…

[24] Ata do Encontro de Advogados.  Secretariado da Pastoral, 1979. Fonte: APF

[25] Id. ibid

[26] Serviço de Assistência Jurídica – Pastoral Social. Secretariado Arquidiocesano de Pastoral. 1980. Fonte: APF

[27] Serviço de Assistência Judiciária. Pastoral Social – Secretaria Executiva –maio/agosto de 1978. Fonte: APF

[28] Id. ibid.

[29] Ata do Encontro de Advogados.  Secretariado da Pastoral, 1979. Fonte: APF

[30] Propriedade e Uso do Solo Urbano…

[31] Entre as ações ‘preventivas’ do Serviço de Assistência Jurídica, fruto destes encontros com diversos setores, está o surgimento do projeto de Usucapião Urbano, para Pastoral, uma das maneiras das favelas conseguirem, por vias legais e com auxílio das autoridades, a posse da terra. Este projeto foi uma das principais bandeiras da Pastoral de Favelas enquanto a questão da posse da terra foi o grande fator mobilizador, o que deixaria de ocorrer posteriormente, conforme trataremos adiante. De qualquer forma, na Constituição de 1988 foi aprovada a redução do prazo para aquisição de propriedade por usucapião de 20 para 5 anos, como defendia a Pastoral. Ver Propriedade e Uso do Solo Urbano… e Pastoral de Favelas. Documento de 1989. Fonte: APF.

[32] Ata do Encontro de Advogados.  Secretariado da Pastoral, 1979. Fonte: APF.

[33] Relatório do 2º Encontro de Advogados e Comissões Jurídicas das Comunidades de Base. Secretariado da Pastoral, 1980. APF

[34] Ver diversos documentos no APF e também Nunes (Op. cit.).

[35] Propriedade e Uso do Solo Urbano…

[36] Relatório do 2º Encontro de Advogados e Comissões Jurídicas das Comunidades de Base. Secretariado da Pastoral, 1980. APF

[37] As fichas preenchidas deste levantamento estão no Arquivo da Pastoral de Favelas, consistindo em interessante fonte para análise da realidade das favelas cariocas no início da década de 1980.

[38] Proposta documento de renovação do financiamento à Fundação Ford. 1986. Fonte: APF.

[39] A Pastoral dividia sua atuação através dos vicariatos, que eram: Sul, Norte, Leopoldina, Suburbano e Oeste.

[40] Depoimento (escrito) de Ana Maria Noronha sobre a Pastoral de Favelas…

[41] Ata da 36ª Assembléia da Pastoral de Favelas. Secretariado de Pastoral – Pastoral de Favelas – Vicariato Norte. 25/06/1981. Fonte: APF.

[42] Ata da 37ª Assembléia da Pastoral de Favelas. Secretariado de Pastoral – Pastoral de Favelas – Vicariato Norte. Sem constar a data, ocorrida entre 25/06 (a anterior) e 31/08 (data marcada para a posterior) de 1981. Fonte: APF.

[43] Propriedade e Uso do Solo Urbano…

[44] Depoimentos colhidos na pesquisa “Das associações de moradores…”.

[45] Com o fim do financiamento ao Serviço de Assistência Jurídica da Pastoral, vários advogados que atuavam neste criaram, em 1986, a ONG Bento Rubião, homenagem ao advogado que havia falecido pouco antes, transformada em 1996 na Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião. No entanto, o vínculo com o trabalho da Pastoral permaneceu.

[46] Documento [sem título] de avaliação do trabalho da Pastoral de Favelas no ano de 1987Fonte: APF.

[47] Por exemplo, Relatório da Assembléia de Pastoral de Favelas do Vicariato Sul, de 17/02/1989 e documento [sem título] sobre a Pastoral de Favelas, de 1989. Fonte: APF

[48] Documento [sem título] de avaliação do trabalho da Pastoral de Favelas no ano de 1987