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Dossiê: Áfricas

Organizadora: Carolina Bezerra Machado (Doutoranda, UFF)

Em seu clássico livro – Na Casa do meu pai – o ganês Kwame Anthony Appiah se recorda do dia em que viajou pela primeira vez do Oeste para o Sul da África. Ao atravessar o interior semiárido de Botsuana até sua capital Gaborone, a apenas um dia da vegetação tropical de Achanti, sua terra natal, “todos os homens vestiam camisas e calças, a maioria das mulheres trajava saias e blusas, e quase todas essas roupas eram sem padronagens, de modo que faltava às ruas o colorido dos delicados ‘tecidos’ achantis; e os estilos dos entalhes, da tecelagem, da cerâmica e da dança eram-me totalmente desconhecidos” (APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. p.48.). A estranheza que estas primeiras impressões lhe causavam lhe levaram a questionar o que era ser africano, e mais: a ressaltar a imensa diversidade cultural que existia no continente.

Dentro dessa perspectiva, Appiah nos chama a atenção para o modo como o Ocidente sempre buscou representar a África. Durante séculos o continente foi visto a partir de um olhar exótico, exaltava-se o mistério, a inferioridade, o primitivismo do seu povo, assim como a vida selvagem. Predominava nesse momento o discurso racionalista do século XVIII e XIX, em que Friedrich Hegel defendia a a-historicidade da África, por considerá-la “um Eldorado recolhido em si mesmo “(…) envolvido na escuridão da noite, aquém da luz da história consciente” (HEGEL, George W. Friedrich. “Filosofia de la historia universal”. Madri: Revista de Occidente, 1928. t.1, p.192).
Esse pensamento contribuiu para as noções de pré-conceito que cercaram os estudos sobre a História da África. As lacunas de conhecimento são enormes e até hoje provocam noções deturpadas sobre o continente, que muitas vezes ainda é representado como homogêneo, principalmente ao identificarem os africanos sempre a partir de suas heranças fisiológicas, em que a cor da pele os diferenciaria de outros lugares, possibilitando apenas uma visão racialista da África.

Somente na segunda metade do século XX a historiografia sobre o continente passa a questionar com mais ênfase as posições preconceituosas que marcavam as visões já consolidadas sobre os africanos. Estes surgiam como sujeitos de sua história e não mais apenas na engrenagem da história europeia. A afirmação de Ki-Zerbo – A África tem uma História – na abertura da coletânea organizada pela UNESCO, é uma resposta direta a Hegel e marca uma nova perspectiva para se debruçar sobre a historicidade do continente (UNESCO, Comitê científico internacional da UNESCO para a redação da História Geral da África. História Geral da África. Brasília: UNESCO, 2010. 8 volumes.). A África passa a ser vista em movimento, dentro da sua pluralidade cultural.
No Brasil, os estudos sobre o continente africano ganharam mais fôlego com a lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de África nos bancos escolares. Se antes a história dos africanos era condicionada apenas à escravidão e miséria, a partir dessas iniciativas buscou-se complexificar as relações existentes no continente. Desse modo, novos desafios se fazem presentes, objetiva-se superar a perspectiva eurocêntrica que durante anos norteia a História e compreender o africano como sujeito em suas relações pluricontinentais.

Todavia, reconhecemos que esses debates ainda são iniciais e merecem constantes diálogos que possibilitem enriquecermos o nosso conhecimento sobre a África. É fundamental também ampliarmos o debate para outras disciplinas, de modo que a partir de uma multiplicidade de representações sobre os mais variados povos do continente, consigamos ressaltar as diferenças locais que formam a historicidade africana. As dificuldades encontradas pelos historiadores brasileiros nos estudos sobre a África são inúmeras, os espaços dentro das instituições também são reduzidos a pequenos grupos, por isso, a Revista Cantareira – periódico do corpo discente da Universidade Federal Fluminense – convida à chamada de artigos para a sua 25ª edição, cujo dossiê é intitulado “Áfricas”. O objetivo é aprofundarmos o debate e contribuirmos com novas perspectivas sobre o continente. Desse modo, são bem vindos os trabalhos que abordem as mais diversas representações sobre a África e a diversidade de povos que a compõem.

A revista, além dos artigos conexos ao dossiê, também aceitará textos para a seção livre, resenhas e transcrições comentadas sobre variadas temáticas. Aos que tiverem interesse em colaborar com a edição, as normas de publicação estão elencadas em http://www.historia.uff.br/cantareira. O prazo para o envio de artigos se encerra no dia 20 de dezembro de 2016.