Caixa de texto: ENTREVISTA   
Por Alexandre Camargo e Mauro Amoroso

 


RONALD RAMINELLI

 

Professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em História pela USP (ano 1994). Vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em História da UFF

 

Áreas de Interesse: História da Imagem - História da Ciência - História Moderna

 

 

 

Cantareira -  O senhor fez sua pós-graduação em São Paulo, trabalhou na Universidade Federal do Paraná e atualmente leciona na Universidade Federal Fluminense. O senhor ainda mantém contato com esses pólos? A partir de sua trajetória pessoal, como o  senhor vê o desenvolvimento do campo profissional e acadêmico da História no Brasil, levando-se em conta as diferenças desse processo nos diferentes estados citados?

 

 

Ronald Raminelli  Por várias razões não mantenho contatos freqüentes com esses departamentos, onde estudei e lecionei. O trabalho aqui é muito duro e não tenho condições de manter uma vida acadêmica com colegas tão distantes, embora queridos. De todo modo, a vivência em São Paulo e Curitiba foram fundamentais para minha formação profissional. 

Caixa de texto: “Na UFF, há uma tradição de história social muito arraigada. Confesso que, por vezes, me senti excluído com meu tema ‘pouco relevante’. De todo modo, eu gostei muito da mudança e considero hoje meu objeto de pesquisa mais interessante do que o anterior.”

Quando terminei o curso de graduação na UFF em 1987, não havia entre o seu corpo docente especialistas em História Moderna ou Colonial. Por essa razão fui para USP e, com orientação de Laura de Mello e Souza, conclui o mestrado e o doutorado. Estudar em São Paulo foi uma experiência única, uma ampliação fantástica de meus horizontes historiográficos. No doutorado, ainda tive a feliz oportunidade de ser aluno do professor Ulpiano Bezerra de Meneses em um curso no Museu do Ipiranga sobre teoria da imagem que promoveu uma reviravolta na minha formação mestiça, meio marxista, meio Annales. Por tudo isso me considero, ainda hoje, um uspiano de carteirinha.

Essa metamorfose ocorreu quando lecionava na UFPR, onde uma história demográfica decadente e provinciana dava lugar a uma pesquisa destinada a descobrir Walter Benjamin nas ruas e passagens da trepidante Curitiba da Belle Époque. Saí ileso dessa experiência bizarra entre São Paulo e Curitiba... eu acho.

Por tudo isso, não sou peixe de aquário, sou camaleão, capaz de me adaptar aos diferentes ambientes acadêmicos. Inclusive fui obrigado a mudar muito desde que iniciei as atividades letivas na UFF em 1997. Iniciei aqui como pesquisador da História da Imagem, mas, aos poucos, percebi que os colegas e os alunos consideravam essa vertente uma “perfumaria”.

 

 

Cantareira - Sua formação profissional ocorreu entre as décadas de 80 e 90. Como o senhor enxerga a abertura do nosso campo profissional para os que terminaram sua formação recentemente, tanto naquela época quanto agora?

 

 

 

 

RR – Devo confessar que a minha geração teve muita sorte, pois, ao terminar o mestrado ou o doutorado, apareceram as dezenas de vagas dos primeiros professores aposentados a partir da nova Constituição. Entre 1990 e 1994, quase todos os meus colegas de mestrado e doutorado estavam empregados. Antes, desesperado e sem emprego, eu corri para fazer um dos primeiros concursos realizados nas universidades federais. Ingressei na UFPR em dezembro de 1990.

Hoje a situação é muito diferente, embora o governo Lula tenha ampliado as vagas e as universidades federais. Para os novos, restam as oportunidades abertas em outros estados. Essa opção é sempre enriquecedora para quem inicia a carreira. Embrenhar-se no interior pode ser interessante, basta manter os vínculos com os antigos professores e demais pesquisadores da tua área de atuação. Com a internet, esses contatos tornaram-se muito mais intensos. Eu mesmo quando fui para o Paraná procurei manter ou criar contatos com colegas e pesquisadores da minha área.   

 

 

Cantareira - Nos últimos anos, diversos cursos de graduação em história foram autorizados pelo MEC em importantes universidades públicas e já estão formando professores e pesquisadores, como a Uni-Rio e a Rural, só para ficarmos no Rio de Janeiro. O ensino superior privado também vem ampliando a oferta de cursos em nossa área, visando especialmente à formação de professores. Como o senhor vê a incorporação desses novos profissionais pelo mercado de trabalho no futuro próximo? A seu ver, a diversificação da atuação do historiador, em espaços de pesquisa não universitários e na gestão do patrimônio, pode ser suficiente para não encararmos níveis alarmantes de desemprego em nossa área nos próximos anos? Há uma reflexão sobre este assunto no programa de pós-graduação em História da UFF?

 

 

RR -    A relação entre os bacharéis/licenciados em história e as vagas para professores/profissionais de história dependerá, ao meu ver, da situação econômica do país. No Brasil, há um contingente fabuloso de indivíduos que está à margem da escolaridade.

Os analfabetos formam um contingente vergonhoso, sem contar com os cidadãos que não têm condições de entrar na universidade. Caso a economia cresça e o governo tenha uma política de expansão universitária, não faltarão empregos no futuro.

Estamos longe da situação de vários países europeus, como Portugal e França, onde os cursos de histórias de várias universidades estão à mingua por falta de alunos. A queda demográfica e o incentivo aos cursos tecnológicos fazem com que os cursos de história se tornem sem atrativos para os jovens.    

 

Cantareira - Desde a última década, verificamos um aumento crescente na pós-graduação em nossa área, na formação de mestres e doutores em todo o Brasil e, especialmente, nos centros de excelência do Sul-Sudeste. Sendo o programa da UFF uma das maiores, senão a maior referência neste setor, é compreensível que o acesso a ele seja mais exigente e disputado. Entretanto, na última seleção, relativa ao ano de 2007, a concorrência para o ingresso no doutorado revelou números bastante surpreendentes. Em um dos setores de história contemporânea, ela atingiu a marca de 60 candidatos para 9 vagas, índice que se aproxima da relação candidato/vaga do vestibular da maioria das faculdades de História do ensino superior público do Rio de Janeiro. Como o senhor vê essa situação, que dificulta o acesso ao doutorado e restringe severamente as possibilidades de integração de um doutor nos quadros das nossas universidades públicas?

 

RR - Essa situação foi criada pelos órgãos de fomento à pesquisa. Os departamentos sem cursos de pós-graduação contam com as verbas escassas do CNPq e Capes. Para ser agraciado com a bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq, os professores devem ter um número mínimo de mestres e doutores formados sob a sua orientação. Por isso a corrida para criar programas nos últimos anos. Dependendo da situação econômica do país, esses programas logo chegarão a uma saturação, sobretudo no eixo São Paulo-Rio de Janeiro.

Na UFF, não há discussão sobre essa questão. O número de candidato que nos procura, todos os anos, para prestar seleção, é muito alto. Eles provêm de todo o país, dos estados do nordeste, do norte aos do sul. Nosso problema é outro. As agências de fomento nos pressionam para manter a alta produtividade. No entanto, nosso corpo docente, dividido entre as infindáveis aulas e orientações, não tem condições de manter os níveis satisfatórios de produção, sobretudo quando se refere à produção bibliográfica. A competição entre os programas é intensa e deve aumentar nos próximos anos. Por isso, precisamos da colaboração de todos para solucionar o problema. Não podemos considerar razoável que os interesses do pós-graduação sejam contrários à graduação.  Se persistir, esse confronto deve nos levar uma reclassificação indesejada.

        

Cantareira – Sobre a política de bolsas de pesquisa para discentes (iniciação científica e pós-graduação), você considera que ela realmente auxilia a preparação e inserção do estudante no mercado de trabalho? Ou que ela contribui para o isolamento das duas esferas (trabalho e aprendizado), uma vez que coloca restrições ao envolvimento do discente em atividades profissionais? O fato de muitos estudantes acumularem bolsa e emprego formal (CLT) não seria um indício da necessidade de revisão dessa política?

 

RR - A bolsa de pesquisa de Iniciação Científica é fundamental para formar pesquisadores. Os alunos interessados no magistério devem recorrer a outras estratégias de formação. Não tem sentido um bolsista de IC acumular a pesquisa com estágios ou empregos em escolas.

Quando fui aluno de graduação, nunca investi na carreira do magistério, preferi me dedicar à pesquisa. Por isso, fui bolsista até completar o mestrado. Não tive emprego até o meus 27 anos (que vagabundo!). Vivia como um monge, só gastava em livros... usava calças velhas e tênis furados. Tudo bem, eu tinha um ideal, ser professor universitário. Não se pode ter tudo ao mesmo tempo.     

 

Caixa de texto: “Sou muito pessimista em relação aos ganhos que teremos quando a profissão for regulamentada. Atualmente as editoras se recusam a publicar trabalhos alentados de pesquisa histórica.”
 

 


Cantareira – Atualmente, pode-se observar uma crescente desvalorização da competência específica do historiador, como na  função de gestor de patrimônio, por exemplo. Podemos citar a categoria de técnico em assuntos culturais, existente em concursos públicos, onde competências muitas vezes pertinentes à formação específica do historiador acabam sendo disputadas por profissionais de diversas áreas. Diante de tal quadro, o que o senhor pensa sobre uma possível regulamentação da profissão do historiador, e como esse estatuto poderia valorizar o bacharel em história?

 

RR – Os livros de história com perfil acadêmico estão com os dias contatos, caso não haja uma política de incentivo do Estado ou de empresas privadas para a sua publicação. Enquanto isso, os jornalistas se tornam célebres ao escrever livros de história. Seus livros são disputados pelas principais editoras do país. A regulamentação da profissão de historiador vai resolve o problema? Vamos proibir que jornalistas escrevam sobre o passado? Vamos impedir que arquitetos e arquivistas analisem, preservem e planejem o futuro do patrimônio histórico? Na verdade, as universidades não formam profissionais  de história para escrever para o grande público, nem mesmo para cuidar do patrimônio. Para que serve a universidade? Uns dizem que não formam professores, e eu digo que, de modo geral, não formam pesquisadores.