RONALD RAMINELLI
Professor da Universidade
Federal Fluminense.
Doutor em História pela USP (ano 1994). Vice-coordenador do Programa de
Pós-Graduação em História da UFF
Áreas de Interesse: História da Imagem - História da Ciência - História Moderna
Cantareira - O
senhor fez sua pós-graduação
Quando terminei o curso de
graduação na UFF em 1987, não havia entre o seu corpo docente especialistas
Essa
metamorfose ocorreu quando lecionava na UFPR, onde uma história demográfica
decadente e provinciana dava lugar a uma pesquisa destinada a descobrir Walter
Benjamin nas ruas e passagens da trepidante Curitiba da Belle
Époque. Saí ileso dessa experiência bizarra entre São
Paulo e Curitiba... eu acho.
Por tudo isso, não sou peixe de aquário, sou camaleão, capaz de me adaptar aos diferentes ambientes acadêmicos. Inclusive fui obrigado a mudar muito desde que iniciei as atividades letivas na UFF em 1997. Iniciei aqui como pesquisador da História da Imagem, mas, aos poucos, percebi que os colegas e os alunos consideravam essa vertente uma “perfumaria”.
Cantareira
- Sua formação profissional ocorreu entre as décadas de 80 e 90.
Como o senhor enxerga a abertura do nosso campo profissional para os que
terminaram sua formação recentemente, tanto naquela época quanto agora?
RR
– Devo confessar que a minha geração teve muita sorte, pois, ao
terminar o mestrado ou o doutorado, apareceram as dezenas de vagas dos
primeiros professores aposentados a partir da nova Constituição. Entre 1990 e
1994, quase todos os meus colegas de mestrado e doutorado estavam empregados.
Antes, desesperado e sem emprego, eu corri para fazer um dos primeiros
concursos realizados nas universidades federais. Ingressei na UFPR em dezembro
de 1990.
Hoje a situação é muito diferente, embora o governo Lula tenha ampliado as vagas e as universidades federais. Para os novos, restam as oportunidades abertas em outros estados. Essa opção é sempre enriquecedora para quem inicia a carreira. Embrenhar-se no interior pode ser interessante, basta manter os vínculos com os antigos professores e demais pesquisadores da tua área de atuação. Com a internet, esses contatos tornaram-se muito mais intensos. Eu mesmo quando fui para o Paraná procurei manter ou criar contatos com colegas e pesquisadores da minha área.
Cantareira - Nos
últimos anos, diversos cursos de graduação em história foram autorizados pelo
MEC em importantes universidades públicas e já estão formando professores e
pesquisadores, como a Uni-Rio
e a Rural, só para ficarmos no Rio de Janeiro. O ensino superior privado também
vem ampliando a oferta de cursos em nossa área, visando especialmente à formação
de professores. Como o senhor vê a incorporação desses novos profissionais pelo
mercado de trabalho no futuro próximo? A seu ver, a diversificação da atuação
do historiador, em espaços de pesquisa não universitários e na gestão do
patrimônio, pode ser suficiente para não encararmos níveis alarmantes de
desemprego em nossa área nos próximos anos? Há uma reflexão sobre este assunto
no programa de pós-graduação em História da UFF?
RR - A relação entre os bacharéis/licenciados em história e as vagas para professores/profissionais de história dependerá, ao meu ver, da situação econômica do país. No Brasil, há um contingente fabuloso de indivíduos que está à margem da escolaridade.
Os analfabetos formam um contingente vergonhoso, sem contar com os cidadãos que não têm condições de entrar na universidade. Caso a economia cresça e o governo tenha uma política de expansão universitária, não faltarão empregos no futuro.
Estamos longe da situação de vários países europeus, como Portugal e França, onde os cursos de histórias de várias universidades estão à mingua por falta de alunos. A queda demográfica e o incentivo aos cursos tecnológicos fazem com que os cursos de história se tornem sem atrativos para os jovens.
Cantareira - Desde
a última década, verificamos um aumento crescente na pós-graduação em nossa
área, na formação de mestres e doutores em todo o Brasil e, especialmente, nos
centros de excelência do Sul-Sudeste. Sendo o programa da UFF uma das maiores,
senão a maior referência neste setor, é compreensível
que o acesso a ele seja mais exigente e disputado. Entretanto, na última
seleção, relativa ao ano de
RR - Essa situação foi criada pelos órgãos de fomento à pesquisa. Os departamentos sem cursos de pós-graduação contam com as verbas escassas do CNPq e Capes. Para ser agraciado com a bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq, os professores devem ter um número mínimo de mestres e doutores formados sob a sua orientação. Por isso a corrida para criar programas nos últimos anos. Dependendo da situação econômica do país, esses programas logo chegarão a uma saturação, sobretudo no eixo São Paulo-Rio de Janeiro.
Na UFF, não há discussão sobre essa questão. O número de candidato que nos procura, todos os anos, para prestar seleção, é muito alto. Eles provêm de todo o país, dos estados do nordeste, do norte aos do sul. Nosso problema é outro. As agências de fomento nos pressionam para manter a alta produtividade. No entanto, nosso corpo docente, dividido entre as infindáveis aulas e orientações, não tem condições de manter os níveis satisfatórios de produção, sobretudo quando se refere à produção bibliográfica. A competição entre os programas é intensa e deve aumentar nos próximos anos. Por isso, precisamos da colaboração de todos para solucionar o problema. Não podemos considerar razoável que os interesses do pós-graduação sejam contrários à graduação. Se persistir, esse confronto deve nos levar uma reclassificação indesejada.
Cantareira – Sobre a política de bolsas de pesquisa para discentes
(iniciação científica e pós-graduação), você considera que ela realmente
auxilia a preparação e inserção do estudante no mercado de trabalho? Ou que ela
contribui para o isolamento das duas esferas (trabalho e aprendizado), uma vez
que coloca restrições ao envolvimento do discente em atividades profissionais?
O fato de muitos estudantes acumularem bolsa e emprego formal (CLT) não seria
um indício da necessidade de revisão dessa política?
RR - A
bolsa de pesquisa de Iniciação Científica é fundamental para formar
pesquisadores. Os alunos interessados no magistério devem recorrer a outras
estratégias de formação. Não tem sentido um bolsista de IC acumular a pesquisa
com estágios ou empregos em escolas.
Quando fui aluno de
graduação, nunca investi na carreira do magistério, preferi me dedicar à
pesquisa. Por isso, fui bolsista até completar o mestrado. Não tive emprego até
o meus 27 anos (que vagabundo!). Vivia como um monge,
só gastava em livros... usava calças velhas e tênis
furados. Tudo bem, eu tinha um ideal, ser professor universitário. Não se pode
ter tudo ao mesmo tempo.
Cantareira
– Atualmente,
pode-se observar uma crescente desvalorização da competência específica do
historiador, como na função
de gestor de patrimônio, por exemplo. Podemos citar a categoria de técnico em
assuntos culturais, existente em concursos públicos, onde competências muitas
vezes pertinentes à formação específica do historiador acabam sendo disputadas
por profissionais de diversas áreas. Diante de tal quadro, o que o senhor pensa
sobre uma possível regulamentação da profissão do historiador, e como esse
estatuto poderia valorizar o bacharel em história?
RR –
Os livros de história com perfil acadêmico estão com os dias
contatos, caso não haja uma política de incentivo do Estado ou de empresas privadas
para a sua publicação. Enquanto isso, os jornalistas se tornam célebres ao
escrever livros de história. Seus livros são disputados pelas principais
editoras do país. A regulamentação da profissão de historiador vai resolve o
problema? Vamos proibir que jornalistas escrevam sobre o passado? Vamos impedir
que arquitetos e arquivistas analisem, preservem e planejem o futuro do
patrimônio histórico? Na verdade, as universidades não formam profissionais de história para
escrever para o grande público, nem mesmo para cuidar do patrimônio. Para que
serve a universidade? Uns dizem que não formam professores, e eu digo que, de
modo geral, não formam pesquisadores.